16 de maio de 2012 | 3h 03
Rolf Kuntz -
O Estado de S.Paulo
Quatro países sul-americanos cresceram bem mais que o
Brasil, no ano passado, com taxas de inflação muito menores. Resultados
melhores que os brasileiros foram alcançados também por economias
emergentes da Europa. No Brasil, empresários desconhecem ou menosprezam
esses dados e se mostram dispostos, mais uma vez, a embarcar na aventura
de "um pouco mais de inflação" para conseguir um pouco mais de
crescimento - como se prosperidade e estabilidade fossem objetivos
incompatíveis. Segundo um representante da indústria, o governo tem de
bancar o risco inflacionário gerado pela alta do dólar para garantir
mais atividade e preservar a produção nacional. Opiniões desse tipo têm
aparecido com frequência e são um complemento previsível dos apelos por
mais protecionismo e mais intervenções paternalistas (ou maternalistas)
do governo. O filme é conhecido: a história inclui produtos vagabundos e
caros para consumidores desprotegidos, inflação alta, desemprego
estrutural e crises periódicas de balanço de pagamentos. A segurança
criada pelas barreiras é tão enganadora quanto injusta.
Em 2011, a inflação média do Brasil chegou a 6,6%, enquanto o Produto
Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 2,7%. Estes são os números de alguns
latino-americanos administrados com maturidade: Colômbia, 3,4% de
inflação e 5,9% de crescimento; Peru, 3,4% e 6,9%; Chile, 3,3% e 5,9%;
Equador, 4,5% e 7,8%. Alguns europeus conseguiram, apesar da crise
regional, combinar expansão e estabilidade: Polônia, 4,3% de inflação e
4,3% de aumento do PIB; Lituânia, 4,1% e 5,9%; Turquia, 6,5% e 8,5%.
A conversa sobre inflação intensificou-se nos últimos dias, quando o
dólar passou de R$ 1,90 e rapidamente se aproximou de R$ 2,00. Alguns
economistas logo chamaram a atenção para o possível efeito inflacionário
do câmbio desvalorizado. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, mostrou
pouca ou nenhuma preocupação com esse risco e preferiu dar ênfase ao
efeito benéfico da variação cambial. Dólar mais caro significa maior
poder de competição para o produtor brasileiro. A discussão é um tanto
vaga, neste momento, porque ninguém pode dizer com segurança como será o
câmbio dentro de alguns meses, se a crise europeia amainar, os
investidores se acalmarem e a procura de ativos em dólares ficar menos
intensa. Falta saber, além disso, como estará a relação entre os juros
brasileiros e os ganhos proporcionados por outras aplicações. Vários
analistas mantêm a aposta numa acomodação do câmbio em cerca de R$ 1,85
por dólar.
Enquanto os especialistas tentam projetar a cotação da moeda
americana, empresários festejam a depreciação do real, em coro com o
ministro Mantega e sua chefe. Segundo o ministro, ele, "a torcida do
Flamengo e a do Fluminense" estão satisfeitos com o câmbio atual. Além
disso, a presidente Dilma Rousseff mostra-se preocupada com a
competitividade da indústria, não com o dólar mais caro, acrescentou.
Mas a pressão inflacionária é apenas um dos possíveis efeitos
indesejáveis da depreciação cambial. Pode-se atenuar esse efeito com a
moderação do gasto público e uma gestão prudente do crédito. Surto
inflacionário por causa do câmbio não é fatalidade, exceto em ambiente
de tolerância. É o risco brasileiro.
A depreciação do real pode ser acompanhada também de efeitos
perigosos na gestão da economia. Durante décadas, no Brasil, o câmbio
desvalorizado serviu para disfarçar uma porção de ineficiências tanto
das empresas quanto do ambiente econômico. As exportações avançavam
muito devagar e o Brasil era insignificante no mercado internacional.
Mas o câmbio depreciado funcionava como um energético, a indústria era
protegida por enormes barreiras e os consumidores eram explorados sem
perceber claramente a patifaria. O controle represava os preços internos
e a indexação enganava assalariados e pequenos poupadores. Pouca gente
contestava a aliança entre o governo voluntarista e balofo e os
favoritos da corte.
Alguns itens desse roteiro talvez estejam descartados, mas o
voluntarismo, o protecionismo, a ineficiência do governo, o
intervencionismo e a engorda do setor público são cada vez mais
sensíveis. Sem compromisso com a reforma do péssimo sistema tributário, o
governo se limita a remendos. Sua incompetência gerencial se reflete na
incapacidade de conduzir programas e projetos para o aumento da
produtividade geral do País. De vez em quando, empresários cobram
reformas relevantes. Mas brigam a maior parte do tempo pela redução dos
juros e pela correção do câmbio, como se isso resolvesse os problemas de
competitividade. Obviamente não resolve. Quanto ao voluntarismo, será
bem-vindo enquanto resultar em domesticação do Banco Central, reserva de
mercado e formas variadas de protecionismo. O passado, em alguns
países, é tão difícil de enterrar quanto um vampiro.