quinta-feira, 19 de junho de 2008

UM TOQUE NOS PODRES PODERES


RUTH DE AQUINO

(Redatora chefe da revista Época)


Somos uns boçais, ou não? Na semana que passou, eu me senti assim. O escrúpulo foi nocauteado no ringue do ultimate fighting. Senti o golpe baixo quando o Tribunal Superior Eleitoral voltou a permitir candidatos com ficha suja em 2008. Depois, me aplicaram um CSS na virilha. O juiz não viu. E querem me obrigar a assumir a conta social da inflação. Para deixar Lulalá feliz e dar mais 10% aos bravos lutadores que vivem de Bolsa-Família. Cadê as regras do jogo? O jogo eleitoral, não a briga de galos.

Fiquei aturdida quando ninguém quis enfrentar o deputado peso pesado Álvaro Lins, do PMDB. Lins, para quem não sabe, foi chefe da Polícia Civil do ex-governador Garotinho, do Rio de Janeiro. Pode ser cassado por formação de quadrilha, corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo a máfia de caça-níqueis. Pode e não pode. Seus bens foram confiscados. Eram nove os deputados do Conselho de Ética listados para relatar o processo contra Lins. Um a um, foram fugindo. Quem ficou com a tocha ética na mão é um ex-vereador de Itaboraí, no Rio, candidato a prefeito da cidade, médico e deputado estadual do PSC. Ah, ele foi a favor da libertação de Lins na primeira prisão em flagrante. Quem sabe Lins vai acabar como o operador do mensalão, Marcos Valério? Este foi condenado na semana passada a dois salários mínimos de multa e trabalhos comunitários. Lins deve estar morrendo de medo.

O que Lins tem a ver com as calças? E com os fundilhos rotos aceitos pelo TSE? E com a nova e matreira CPMF? E com a cesta básica do PT?

Vamos lá, se alguém engolir sopa de números. Estamos em ano eleitoral. No primeiro trimestre de 2008, a economia cresceu. O governo, guloso, gastou 5,8% a mais. Para cobrir esses gastos, os impostos aumentaram 8%. Nos primeiros quatro meses, o governo arrecadou R$ 33,6 bilhões a mais. Quase tanto quanto os R$ 40 bilhões da falecida CPMF. A inflação subiu. Quem vai fechar essa conta? Quem, além de arcar com a carga tributária (36% do PIB), vai dar um extra para a saúde, vai colocar R$ 1 bilhão a mais por ano de alimento na mesa dos pobres? Nós, os contribuintes beneficentes.

Em ano eleitoral, o governo aumentou o Bolsa-Família, criou
outro imposto e quer nos obrigar a pagar a conta

Como bradou Caetano Veloso, será que essa nossa estúpida retórica terá de soar, terá de se ouvir por mais zil anos?

O prefeito do Rio, Cesar Maia, incansável pesquisador e consultor virtual, cita um importante jurista anônimo para revelar algo incrível: os crimes de que o deputado Álvaro Lins é acusado teriam sido cometidos antes de seu mandato. Portanto, a Assembléia não poderia julgar Lins. Porque não teria havido quebra de decoro parlamentar. “Basta ver”, continua o sagaz Cesar Maia, “as listas de parlamentares com problemas de diversos tipos publicados na imprensa”.

Voltamos assim à briga de galos. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu na terça-feira, por quatro votos a três, que políticos respondendo a processos criminais estão livres para disputar eleições. Desde que não tenham sido condenados em instância final. Já era assim. Mas os brasileiros, otimistas, achavam que as regras mudariam para melhor nas eleições municipais deste ano. Porque presunção de inocência não vale para simples mortais.

O que vale para mim, para você, o que vale para quem busca emprego na vida real não faz muito sentido para o vale-tudo político. Currículo, referências, ficha pregressa. Se houver alguma suspeita contra uma empregada doméstica, babá, um motorista, operário, professor, jornalista, administrador, a ficha é considerada suja. As regras do mercado são implacáveis. Para disputar cargo público, aí o sujeito pode tudo.

Queria muito aproximar o meu cantar vagabundo daqueles que velam pela alegria do mundo. Quem sabe o Senado derrube a CSS como inconstitucional? Quem sabe os tribunais regionais eleitorais se rebelem para exigir ficha limpa de candidatos? Quem sabe se julgue direito Álvaro Lins? Na moral.

É um toque. Lula não acabou de dizer que nada substitui o toque?