terça-feira, 9 de setembro de 2008

CONTABILIDADE DELIRANTE

Severino Francisco



As Olimpíadas de Pequim terminram, mas os jornais e sites continuam realizando uma contabilidade delirante sobre a relação entre os investimentos do país nos chamados esportes amadores e o número de medalhas obtidas. Numa conta digna do Chapeleiro Maluco, de Alice no país das maravilhas, alguns jornalistas argumentam que o Brasil teria investido R$ 654,7 milhões, logo cada medalha custaria R$ 50,4 milhões. Suponhamos que você tenha cinco filhos se preparando para o vestibular e gastou, durante um ano, R$ 60 mil reais. Ao final do ano, só três passaram pela triagem do vestibular, portanto, cada filho aprovado custou R$ 20 mil reais.
Enquanto isso, as questões verdadeiramente relevantes não entram na pauta e escapam de nossa atenção. Somente vozes isoladas e lúcidas têm clamado no deserto para lembrar que o ranking que deveria efetivamente nos preocupar era o da educação, da saúde e distribuição de renda. Uma dessas vozes é a do Juca Kfouri e a outra é a do senador Cristovam Buarque. Juca acha que, em vez de ficarmos ressabiados, nós deveríamos dar graças aos deuses pelo fato do Brasil ter ganho só três medalhas de ouro. O Brasil precisa é associar uma política de esporte a educação, saúde e inclusão social. As medalhas são apenas conseqüência. Ele lembra que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cada dólar investido em esporte economiza três em saúde.

Se não me engano, no ano passado,
um grupo de uma das torcidas organizadas do Corinthians visitou o campo aonde os jogadores treinavam e fez a ameaça: “Ô meu, nossa alegria de fim de ano depende de vocês. Vocês não podem perder porque senão nós vamos sofrer gozações da torcida do Palmeiras”. Que pobreza de espírito! É assim que nós estamos nos relacionando com o esporte. Nós queremos transferir e purgar todas as nossas frustrações históricas no futebol ou nos esportes olímpicos. Em vez de espaço para aprender a ganhar, perder e superar, o esporte se degradou em campo para o exercício do ódio.

Por isso, em respeito ao seu amor pelo futebol
, o cantor Lobão decidiu se desconectar completamente dos estádios, da televisão e do Flamengo. Não agüentou mais ver a camisa do seu time invadida pela logomarca do patrocinador, um torcedor do Flamengo querendo matar o outro só porque este torcia para o Vasco, os jogadores saindo na revista Caras e virando pagodeiros mauricinhos: “Logo eles compram um carro Mitsubishi e se envolvem em um desastre igual às duplas de música sertaneja. Depois, um faz a carreira solo e o outro a carreira subsolo”.

Com certeza, existe uma relação entre a deterioração dos esportes e a ausência de uma política de educação. Somente 12% das escolas brasileiras contam com uma quadra de esportes. Enquanto isso, o que rouba a cena é a discussão se os brasileiros “amarelam” ou não na hora da decisão. As meninas do vôlei deram uma bela lição do esporte como espaço de educação, superação, aprendizagem com os revezes. E sem perder a singularidade brasileira.
Francamente, não tenho inveja nenhuma daqueles e daquelas robôs programados para sentirem a emoção na hora certa. Foi sensacional as meninas do vôlei mandando beijos para a avó, a tia e a mãe depois da vitória. É isso que nós não podemos perder. Está tudo virado de cabeça para baixo. O ranking que nós não podemos perder é o da educação, da saúde, da inclusão social e do trabalho.