sábado, 16 de fevereiro de 2008

Não estou mais, DIVIDINDO O QUE LEIO PARA MULTIPLICAR OPINIÕES

QUANDO CRIEI ESTE BLOG, IMAGINEI QUE PODERIA FACILITAR A COMUNICAÇÃO ENTRE AS PESSOAS MAIS PRÓXIMAS, TROCAR OPINIÕES, PROMOVER QUESTIONAMENTOS, ENFIM, MOVIMENTAR CONHECIMENTOS. ESQUECI QUE O FATO SIMPLESMENTE DE QUERER NÃO SIGNIFICARIA QUE COM UM MUNDO DE INFORMAÇÕES COMO O DISPONÍVEL NA INTERNET , O DESEJO DE UM AUTODIDATA NÃO PODERIA ESTIMULAR AS PESSOAS A ACESSAR EXATAMENTE ESTA PÁGINA. RECONHECENDO ESTA SITUAÇÃO EM TEMPO, ESTA É A ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO DE “ BEM-TE-VI”.

ESTE BLOG, PASSA A SER APENAS UM ARQUIVO PESSOAL, FAREI MEUS REGISTROS AQUI E ACABAREI DE VEZ COM A PAPELADA NA MINHA SACOLA CINZA, ARQUIVO EXTENSO DE INFORMAÇÕES DESTACADAS QUE ENCONTRO POR AÍ. PELO MENOS MINHA ESPOSA NÃO RECLAMARÁ MAIS DO ACÚMULO DE TANTO PAPEL.

A nossa cultura vai mal, e a nossa civilidade ainda pior.

Estamos falando da cultura segundo a antropologia, que avalia a totalidade de padrões aprendidos e desenvolvidos pelo ser humano . Costuma-se definir um bom nível de conhecimentos como “mais cultura” já para a sociologia, desenvolvimento cultural é ver um mundo como um todo, saber apreciar uma ópera e também rituais de uma tribo.

Não concordo com quem chama de cultura elitista, a formação esmerada e dedicada de algumas pessoas, ao tempo em que reconheço que no lado prático já não é lá muito interessante ser diferenciado pelos conhecimentos amplos se na hora da troca, o saldo e bem negativo. Sempre senti vontade de saber muito, diante de dificuldades me restou admirar algumas figuras com inteligência acima da média, destacando-se assim, na política, na literatura, na música, no teatro e também na televisão.

“Entre as coisas que me surpreendem e humilham, figura esta, fundamental, que é a cultura de meus amigos e conhecidos. Não só a cultura no sentido clássico, mas também o conhecimento imediato das coisas e fatos que lhe estão sob os olhos no dia-a-dia da existência. Quem está a meu lado sempre leu mais livros do que eu, conhece mais política do que eu, já esteve em mais países do que eu, já teve mais casos sentimentais do que eu, estudou mais do que eu, praticou e pratica mais esportes. Paro e me pergunto que fiz dos meus anos de vida. Já fui atropelado e sofri alguns acidentes, como explosão, queda e afogamento. Mas entre os acidentados não estou na primeira fila. Tenho vários amigos que já caíram de avião, outros de cavalo, alguns sofreram pavorosos desastres de automóveis, um esteve preso num armário enquanto uma casa (não a dele, é claro!) se incendiava, outro ajudou a salvar o navio Madalena em meio a tremendas ondas que ameaçavam arrebentar sua lancha a todo momento.

Que fiz eu de minha vida? Em matéria de cultura encontro imediatamente quinhentas pessoas, só entre as que eu conheço, que sabem mais línguas do que eu, leram mais, falam melhor e mais logicamente, conhecem mais de teatro e citam com precisão escolas filosóficas, afirmando que tal pensamento pertence a esta e contradiz aquela. Que fiz eu? De esportes ignoro tudo, não sei sequer contar os pontos de vôlei, só assisti até hoje a uma partida de pólo, nunca joguei futebol e quando vou ver esses jogos desse esporte, só consigo reconhecer os jogadores mais famosos. Esqueço o nome de todos, e no domingo seguinte já não sei mais o escore da partida a que assisto neste. Nado mal, corro pedras, jamais consegui me levantar num esqui aquático, não guio lancha, joguei golfe uma vez, tênis seis meses, não entendo de velejar (o que já me causou uma grande humilhação diante de esportivíssimas americanas de quinze anos que me conduziram num passeio lá na terra delas), e, em matéria de mares, nunca lhes sei os ventos e fico parvo com o senso de direção de muitos e muitos de meus amigos que jamais supus tomassem nada de brisa e tufões. Guio, mas o motor de meu carro é para mim um mistério indevassável. Sei apenas abrir o capô e contemplar a máquina, atitude metafísica que até hoje não pôs carro algum em marcha.

Seria eu então um homem dedicado á cultura propriamente dita, aos livros, ao estudo, ao amor da leitura e do pensamento? Não, pois meu pensamento é confuso e minha leitura parca. Conheço homens, dos que não vivem de escrever, que pensam muito melhor do que eu e leram muito mais, sem contar os especialistas, que conhecem livro pelo cheiro.

Entre os que viajam também não sou dos que tenham viajado mais. Com o agravante de que nunca sei bem onde estou, não conheço a distância que vai de Roma a Paris, nem sei se Marselha está ao Sul ou ao Norte da Itália. Fico boquiaberto quando vejo amigos meus apontarem estátuas e falarem sobre os personagens que elas representam com uma facilidade com que falariam de si próprios. Mesmo o conhecimento de nomes, pessoas e fatos adquiridos em viagens eu o esqueço em três semanas. Mas não adianta o leitor querer me consolar, dizendo que talvez eu seja um bonvivã, porque nunca o fui dos maiores, tendo minha vida sido conduzida sempre numa certa disciplina, necessária a quem veio de muito longe. Donde o amigo poderá concluir então que eu sou um trabalhador infatigável, um esforçado, um detonado. E isso também não é verdade porque, com raras exceções, nunca trabalhei demasiadamente e cada vez procuro trabalhar menos, numa conquista ao mesmo tempo prática e filosófica. Bebo? Bebo mal e ocasionalmente. Não sei quando a bebida é boa ou falsificada. Não sei o nome dos vinhos mais triviais e sempre me esqueço qual é o restaurante em que eles fazem um prato que certa vez eu adorei. Por mais jantares a que tenha ido e por melhores alguns lugares que tenha freqüentado, devo sempre esperar que alguém se sirva na minha frente para não pegar o talher errado e o copo idem. Além do que não como muito, nem tenho nenhuma particular predileção por comer. Gosto então da vida calma, sou um praticante da meditação e do ioga? Nunca dos que mais o são. Por outro lado a extrema agitação também não me é familiar.

Que fiz da minha vida? Quando há um acidente de rua, vem-me o pavor de tomar partido, pois nunca tenho realmente a convicção do lado certo. Se fala o mais poderoso eu sou inclinado a ficar de seu lado por uma tendência a defender os que hoje são mais comumente acusados de todos os males, vítimas do tempo. Se fala o mais humilde sinto-me inclinado a defendê-lo por um ancestralismo que me faz seu irmão, por idéias arraigadas que fazem com que todo homem queira lutar instintivamente pelo mais fraco. Por quê? Não sei. Sou bom de guardar nomes, caras, datas? Já disse que não. Sempre esqueço o nome dos conhecidos e troco o dos amigos mais íntimos num fenômeno parifásico que só a loucura mesma explicaria ou então a bobeira nata que Deus me deu. E política meu conhecimento chega ao máximo de saber que o Sr. Lula pertence ao PT, Fernando Henrique ao PSDB, e creio que há alguns outros partidos também. Mas mesmo essas convicções não são inabaláveis e, se alguém me pegar desprevenido e fizer dessas letras e nomes outras combinações, lá vou eu a aceitá-las, embrulhado e tonto, até que outro interlocutor crie para mim novas combinações e novas confusões.

Mas peguem um puro e simples crime e eu nunca sei quem matou a empregada e em meu peito jamais se chegou a criar uma suspeita sólida a respeito do poeta de Minas. Isso, aliás é o máximo a que vou – sei que houve um crime em Minas Gerais, alguém matou alguém. O morto não está na lista de minhas lembranças, não sei de quem se trata. Sei que o indiciado assassino é um poeta, vi sua cara barbada e meio calva em muitos jornais e revistas. Mas meus conhecidos sabem de tudo. As mulheres de meus conhecidos então nem se fala. Que fiz eu de minha vida? – me pergunto de novo, honestamente, com a surpresa e a amargura com que o Senhor perguntava: “Caim, que fizeste de teu irmão?” Pois boêmio não sou, embora tenha gasto milhares de noites solto pelas ruas. Mas os boêmios me consideram um arrivista da boemia assim como os homens cultos me consideram um marginal da cultura. E os esportistas a mesma coisa com relação aos parcos esportes que pratico. Todos com carradas de razão.

E nem a maior parte do meu tempo foi gasta em conquistas amorosas, pois nesse terreno o Porfírio Rubirosa, se me conhecesse, me olharia com o mesmo desprezo com que me olham conhecidos galãs nacionais.

Dessa mente confusa, dessa existência confusa, dessas mal-traçadas-linhas de viver creio que só resta mesmo uma conclusão a que durante anos e anos me recusei por orgulho e vergonha – sou, por natureza e formação, um humorista

.

( Millôr Fernandes. Publicada no livro AS CEM MELHORES CRÔNICAS BRASILEIRAS


Fui atraído na Internet a participar de uma página bem intencionada com o nome de “Cultura Assimilada” com a intenção de trazer a discussão uma nova perspectiva de cultura. Pois bem, fiquei curioso e interessado, mas logo me decepcionei. Pobre de quem criou a comunidade e pobre de mim simples autodidata, um sonhador.

Ouvi uma senhora lamentando na fila do supermercado: “Cultura não é mais importante”. Importante é, mas estamos aprendendo a viver sem ela.

“A noção de nação , por exemplo, não nos é inata. Sem educação, é bem possível que um indivíduo não consiga se identificar com nada mais abrangente que sua família, ou grupo de amigos,” Outras coisas que achamos que nascemos com, mas na verdade são habilidades adquiridas são a capacidade de raciocínio lógico e pensamento crítico. De maneira alguma nascemos com eles. Pode-se argumentar que nascemos com a capacidade de adquiri-los, assim como nascemos com a capacidade de falar, mas não nascemos sabendo uma língua. Aprender a falar português e a raciocinar criticamente e logicamente são habilidades duramente conquistadas, a troco de grande trabalho que se estende por anos.

Paralelo a um curso superior se atrela a formação do cidadão, antes da formatura seria preciso aprender a viver em sociedade. É tanta gente se achando expressões, sem humildade, mas que de segunda a sexta não muda uma vírgula da realidade.


“Se todos os reitores das nossas universidades prestassem vestibular, seriam reprovados. Porque eles esqueceram. E fizeram isso porque são burros? Não. Eles fizeram isso porque são inteligentes. Porque a memória não carrega coisas que não têm função. Também seriam reprovados os professores universitários e os dos cursinhos só passariam na própria disciplina..

Eu seria reprovado. Tudo foi perdido. Já a caixa dos brinquedos está cheia de objetos que não servem para nada. Não há formas de usá-los como ferramentas. Lá estão a poesia de Fernando Pessoa, as sonatas de Mozart, as telas de Monet, pores-de-sol, beijos, perfumes, coisas que apenas nos dão felicidade. Assim se resume a educação.

Na Idade Média, época em que surgiu, a Universidade era o centro do saber. Para ela se dirigiam aqueles que queriam adquirir sabedoria, palavra que não tinha nenhuma relação com conhecimento técnico ou prático. A fama de ser o centro do saber é, talvez, o único resquício da instituição em nosso tempo. Todo o resto se perdeu. .


UMA DISCUSSÃO INTERESSANTE ENTRE DOIS EDUCADORES;

OPINIÃO A : De fato, para que serve saber números complexos, que os holandeses invadiram Olinda em 1630, balancear equações químicas ou saber o que José de Alencar escreveu há mais de 150 anos num português que nem se usa mais?

OPINIÃO B:. É preciso saber nossa história, como viemos a ser, qual nosso lugar na história mais abrangente da humanidade, que idéias formaram nossa cultura. Então, sim, é importante para você se sentir e ser brasileiro, saber que os holandeses invadiram Olinda e o que José de Alencar escreveu, porque essas coisas ajudaram a formar e compõem nossa nação até hoje. Mesmo que o português escrito por Alencar não seja mais usado, ou que um aluno ache o enredo de Iracema mais chato que o filme do Homem-aranha, é preciso conhecer suas idéias, sua linguagem, porque elas são a base do que temos hoje, no centro da nossa nação, da qual você, queira ou não, faz parte.


Que confusão!

Saindo desse caminho , entrando noutra vereda, nos encontramos com os “sensacionais” da mídia. Tanta gente se achando padrão, falando com uma autoridade, ocupando espaços gigantescos, enfim , ganharam a batalha.

Já se passaram alguns anos da afirmação de Henrique Mohr:

“A televisão já se perdeu totalmente na ganância pelo poder e lança para a massa telespectadora uma cultura de alienação social.”


Meu ceticismo não é para ser levado a sério, às minhas posições faltam, como disse Raimundo Freire, angulação científíca. Ainda mais que estou desistindo das “buscas” das pesquisas pelo “bom saber” e indo de encontro do “simples” da pedra mais ou menos bruta em começo de lapidação, nem por isso menos interessante.

Sempre fiz um esforço para me informar da melhor maneira possível, descobrir por que às vezes predomina-se o “sim” outras o “não” e ainda as “interrogações”. Indo neste caminho me senti solitário. Não adiantou provocar em ocasiões pertinentes, a troca de idéias, não prestaram atenção nem para opinar. Quando a contragosto entram na conversa é para desmanchar o que é evidente.

Tenho que fazer justiça a condição de bem informada e da cultura bem utilizada da minha esposa, demonstrada ora como ouvinte, noutras dialogando e ainda contestando, direito legítimo de quem tem opinião bem formada.

Chega de conversa. Depois de aposentado, fora os minutos de leitura, vou ao encontro de Timba cognome de José Arlindo, de Zé Eduardo, de Manoel de Tó e outros, caboclos de conversa fácil e boa, na sombra das minhas fruteiras. Verei as notícias na televisão, sem me envolver muito, convencido que me faltam forças para entrar numa luta desigual com minha única arma , o voto. Se achatarem demais o meu benefício de aposentado, os meus pés de aipim me socorrerão a custo zero. Vou me matricular, prestar mais atenção à vida do homem do mato, é como bem disse um certo blogueiro:

“Eu ando muito cansado de ver, por exemplo, aquele tal de Alemão do BBB. Cansei de ver que continuam a valorizar a ignorância, o nada, o vazio que ele representa. Cansei de ver que continuam a valorizar aqueles notáveis que nenhuma contribuição efetiva trazem ao planeta. Alguns, inclusive, estão se dizendo cansados. Cansei de axé, de pagode e de sertanejo de baixo nível. Cansei de acompanhar tantos campeonatos de futebol e cansei de esperar a novela acabar para o jogo começar.

Cansei de ter celular que ora funciona, ora não funciona. Cansei de ter uma internet que ainda cai. Cansei de ter de engolir pacotes de tevês fechadas. Cansei de falar com operadores de telemarketing. Cansei do gerúndio. A lista é enorme e continua nas próximas semanas.

A saber: vamos fazer encontros semanais em algum lugar para protestar sobre essas e demais coisas que nos cansam sobremaneira?”

Nem disso eu quero saber......

FUIIII!!!!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A INUTILIDADE DAS LEIS


Peter Kropotkin


A um exame atento, as milhares de leis que existem para regular a humanidade parecem estar divididas em três categorias principais: proteção da propriedade, proteção dos indivíduos, proteção do governo. E analisando cada uma destas categorias, chegamos a uma única e inevitável conclusão lógica e necessária: a inutilidade e perniciosidade das leis.

Os socialistas sabem o que significa proteção da propriedade. As leis que regulam a propriedade não foram criadas para garantir, nem ao indivíduo nem à sociedade o gozo do produto do seu trabalho. Pelo contrário, elas foram criadas para despojar o produtor de uma parte daquilo que ele produziu e para garantir a outras pessoas a posse daquela porção do produto que foi roubado, ou do produtor em particular ou da sociedade em geral. Quando, por exemplo, a lei assegura ao Senhor Fulano de Tal o direito sobre uma casa, ela não está estabelecendo seu direito sobre uma casinha que ele mesmo tenha construído, ou a um prédio erguido com a ajuda de alguns amigos. Se fosse assim, seus direitos nem seriam questionados. Mas pelo contrário, a lei está estabelecendo seus direitos sobre uma casa que não é fruto do seu trabalho, em primeiro lugar porque ele a fez construir por outros, aos quais nem sequer pagou o preço justo pelo trabalho realizado e, depois, porque a casa representa um valor social que ele não poderia ter produzido para si. A lei, no caso, está estabelecendo o seu direito a algo que pertence a todas as pessoas em geral e a nenhuma em particular. A mesma casa construída nos confins da Sibéria não teria o mesmo valor que tem numa cidade grande e, como sabemos, este valor é o resultado de cerca de 50 gerações de homens que construíram a cidade, embelezaram-na, dotando-a de água e gás, belas avenidas, universidades, teatros, lojas, vias férreas e estradas que levam a todas as direções. Assim, ao reconhecer os direitos do Sr. Fulano a uma determinada casa em Paris, Londres ou Rouen, a lei está lhe reservando, injustamente, certa porção do produto do trabalho da humanidade, como um todo. E é precisamente porque essa apropriação - e todas as outras formas de propriedade que tenham as mesmas características - é uma injustiça gritante que são necessários todo um arsenal de leis e um exército de soldados, policiais e juízes para mantê-las contra o bom senso e o sentimento de justiça inerentes à humanidade.

A metade das nossas leis - o código civil de cada país - não serve a qualquer outro propósito senão o de manter esta apropriação, este monopólio em benefício de determinados indivíduos em detrimento de toda a humanidade. Três quartos das causas julgadas pelos tribunais não são nada mais do que disputas entre monopolistas - dois ladrões lutando pela posse do produto de seus roubos. E muitas das nossas leis criminais têm o mesmo objetivo em vista, tendo sido criadas para manter o trabalhador numa posição de subordinação em relação ao patrão, proporcionando a segurança necessária para que a exploração continue.

Quanto a garantir ao produtor o produto do seu trabalho, não há qualquer lei que ao menos tente fazê-lo, já que isso é algo tão simples, tão natural, de tal modo integrado aos usos e costumes da humanidade, que o Direito nem sequer cogitou disso. O banditismo às escancaras, com espada na mão, não é uma característica da nossa época. Nem jamais dois trabalhadores chegam a disputar o produto do seu trabalho. Se têm um desentendimento, eles o resolvem chamando uma terceira pessoa, sem que haja necessidade de recorrer à lei. O único ser capaz de arrancar de outro o produto do seu trabalho é o proprietário que interfere sempre para ficar com a parte do leão. Quanto à humanidade em geral, ela em toda a parte respeita o direito de cada um àquilo que ele mesmo criou, sem recorrer a qualquer lei especial.

Como todas as leis sobre propriedade, que enchem grossos volumes de Códigos de Direito e fazem as delícias de nossos advogados, não têm qualquer outro objetivo senão o de proteger a apropriação injusta, garantir que certos indivíduos se apropriem indevidamente do trabalho de outros seres humanos, não há nenhuma razão que justifique a sua existência. No dia da Revolução, os revolucionários sociais estão firmemente decididos a acabar com todas elas. E na verdade, nada mais justo do que fazer-se uma grande fogueira ao ar livre lançando nela todas as leis que tratassem dos assim chamados "direitos de propriedade", todos os títulos de propriedade, todos os registros e escrituras: em uma palavra, tudo aquilo que tivesse qualquer ligação com uma instituição que logo será vista como uma nódoa da humanidade, tão humilhante quanto a escravidão ou o servilismo de outras épocas.

As observações que acabamos de fazer a respeito das leis sobre a propriedade poderiam ser aplicadas também à segunda categoria de leis: aquelas destinadas a manter os governos, ou seja, as leis constitucionais. É outra vez um arsenal de leis, decretos, disposições, decisões de conselhos e o que mais houver, criados com o fim de proteger as diversas formas de governo, seja ele representativo, delegado ou usurpado, sob cujo tacão a humanidade se contorce. Sabemos bem - e os anarquistas não cansam de demosntrá-lo em suas eternas críticas contra as várias formas de governo - que a missão de todos os governos, monárquicos, constitucionais ou republicanos, é proteger e manter através da força, os privilégios das classes dominantes - a aristocracia, o clero e os comerciantes. Mais de um terço de todas as leis que existem - a cada país tem milhares delas que regulam os impostos, as taxas, a organização dos departamentos ministeriais e suas repartições, as Forças Armadas, a Polícia, a Igreja, etc. - não tem qualquer outro objetivo senão manter, remendar e desenvolver a máquina administrativa. E esta máquina, por sua vez, funciona quase que exclusivamente para proteger os privilégios da classe dominante. Analise estas leis, observe-as em ação no dia-a-dia e descobrirá que nenhuma delas merece ser preservada.

Sobre estas leis não pode haver duas opiniões diversas - não apenas os anarquistas como os radicais mais ou menos revolucionários concordam que a única coisa a fazer com as leis que tratam da organização dos governos seria arremessá-las ao fogo.

Resta considerar a terceira categoria, aquela que diz respeito à proteção dos indivíduos e ao combate e prevenção do "crime", a mais importante delas, já que a maior parte dos preconceitos a ela estão vinculados; porque, se desfruta de uma certa consideração especial, é em conseqüência da crença de que este tipo de lei é absolutamente indispensável à manutenção da segurança em nossas sociedades.

Essas leis, criadas a partir das práticas mais úteis às comunidades humanas, foram mais tarde aproveitadas pelos governantes como um dos meios para justificar sua própria dominação. A autoridade dos chefes das tribos, das famílias mais ricas da cidade e do rei dependia da função de juízes que desempenham o mesmo nos nossos dias: sempre que é discutida a necessidade da existência de um governo é o seu papel como juíz supremo que está sendo posto em questão. "Se não houvesse governo, os homens acabariam por destruir-se uns aos outros" - diz o orador da aldeia. "O principal objetivo de todos os governos é assegurar a cada acusado o direito de ser julgado por doze homens honestos", afirmou Burke. Pois bem, apesar de todos os preconceitos que ainda existem em torno do tema, já é tempo de que os anarquistas declarem, em alto e bom som, que esta categoria de lei é tão inútil e injuriosa quanto as precedentes.

Em primeiro lugar, quanto aos assim chamados "crimes" - assaltos contra pessoas - é sabido que pelo menos 2/3 e freqüentemente 3/4 deles são instigados pelo desejo de apossar-se da fortuna alheia. Esta imenas classe de "crimes e delitos" desaparecerá no dia em que a propriedade privada deixar de existir. "Mas - dirão alguns - se não tivermos leis para contê-los e castigos para detê-los, sempre haverá bandidos para tentar contra a vida de seus semelhantes, que levarão a mão à faca em todas as lutas nas quais se envolverem e vingarão a mais insignificante ofensa com a morte". Este refrão é repetido sempre que se põe em dúvida o direito que a sociedade tem de punir os criminosos.

Entretanto, há um fato relacionado a este assunto que hoje já foi suficientemente provado: a severidade da pena não diminui a quantidade de crimes. Enforque e esquarteje os criminosos se quiser, e o número de crimes continuará igual. Elimine a pena de morte e não terá um crime a mais, eles diminuirão até. As estatísticas o provam. Mas se a colheita for boa, o pão barato e fizer bom tempo, o número de crimes cairá imediatamente. Isso também pode ser provado pelas estatísticas. A quantidade de crimes sempre aumenta ou diminui em proporção direta aos preços dos alimentos e ao estado do tempo. Não que a fome seja a causa de todos os crimes. Não é este o caso. Mas se a colheita é boa, e os alimentos podem ser comprados a um preço acessível quando o sol brilha, os homens, de coração mais leve e menos infelizes que de costume, não se entregam a paixões sombrias, nem mergulham a faca no peito de seu semelhante por motivos banais.

Além do mais, é também sabido que o medo do castigo nunca impediu que qualquer crime fosse cometido. Aquele que mata seu vizinho por vingança ou miséria, não pensa muito nas conseqüências; e houve, até hoje, bem poucos assassinos que não estivessem firmemente convencidos de que não deveriam ter sido acusados.

Não falando de uma sociedade em que o homem receberá uma educação melhor, em que o desenvolvimento de todas as suas faculdades e a possibilidade de exercê-las irá proporcionar-lhe tantas alegrias que ele não procurará envenená-las com remorsos - mesmo numa sociedade como a nossa, mesmo com estes tristes produtos da miséria que hoje vemos entre o povo das grandes cidades. No dia em que os criminosos não sofrerem mais qualquer castigo, o número de crimes não aumentará e é extremamente provável que, pelo contrário, sofra o decréscimo por criminosos reincidentes, homens que a prisão embruteceu.

Somos continuamente lembrados dos benefícios que a lei confere e dos efeitos benéficos do castigo, mas terão aqueles que nos falam tentado alguma vez fazer um balanço entre os benefícios atribuídos às leis e castigos e os efeitos degradantes que esses castigos tiveram sobre a humanidade? Tente calcular todas as perversas paixões que os atrozes castigos infligidos em nossas ruas despertaram na humanidade. O homem é o animal mais cruel que existe na face da terra. E quem terá estimulado e desenvolvido esses instintos cruéis, desconhecidos mesmo entre os macacos, senão o rei, o juíz e os padres apoiados em leis que permitiam que a pele fosse arrancada em tiras, o breu fervente derramado sobre as feridas, os membros arrancados, os ossos esmagados, os homens despedaçados para que sua autoridade fosse mantida? Tente avaliar a torrente de depravação libertada entre a sociedade humana pela política de delação encorajada pelos juízes e paga em dinheiro vivo pelos governos, a pretexto de auxiliar na descoberta de "crimes". Basta apenas que entre nas prisões e veja no que se transforma um homem privado da liberdade e encerrado com outros seres depravados, mergulhados no vício e na corrupção que escorre das próprias paredes das nossas prisões. Basta lembrar que, quanto mais reformas sofrem estas prisões, mais detestáveis se tornam. Nossas modernas prisões-modelo são mil vezes mais abomináveis do que as masmorras da Idade Média. Finalmente, basta lembrar da corrupção e depravação que existem entre os homens, alimentadas pela idéia da obediência - que é a própria essência da lei - da punição; da autoridade arrogando-se o direito de punir, de julgar sem considerar nem a nossa consciência, nem a estima de nossos amigos; da necessidade de que hajam carrascos, carcereiros e informantes - em uma palavra, de todos os atributos da lei e da autoridade. Pense em tudo isto e certamente concordará conosco quando afirmamos que uma lei que inflige punições é uma abominação que deveria deixar de existir.

Povos sem organização politica e, portanto, menos depravados do que nós entenderam perfeitamente que o homem a quem chamam de "criminoso" é simplesmente um infeliz; que a solução não é açoitá-lo, acorrentá-lo ou matá-lo no cadafalso ou na prisão, mas ajudá-lo como a um irmão, dispensando-lhe um tratamento baseado na igualdade e nos costumes em vigor entre os homens honestos. Na próxima revolução, esperamos que o grito de guerra seja: "Queimem as guilhotinas, destruam as prisões, expulsem os juízes, os policiais e os informantes - a raça mais imunda que existe sobre a face da terra; tratem como a um irmão o homem que foi levado pela paixão a praticar o mal contra seu semelhante; e, sobretudo, retirem dos ignóbeis produtos da ociosidade da classe média a possibilidade de exibir seus vícios sob cores atraentes, e estejam certos de que apenas uns poucos crimes violnetos virão perturbar a nossa sociedade".

Os principais incentivadores do crime são a ociosidade, a lei - leis que regem a propriedade, o governo, as punições e os delitos - e a autoridade que toma a seu cargo a criação e aplicação destas leis.

Chega de leis! Chega de juízes! Liberdade, igualdade e solidariedade humana são as únicas barreiras efetivas que podemos opor aos instintos anti-sociais de alguns seres que vivem entre nós.

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Referência da fonte: KROPOTKIN, Peter. A inutilidade das leis. In: WOODCOCK, George. Os grandes escritos anarquistas, 2 ed. Tradução de Júlia Tettamanzi e Betina Becker. Porto Alegre: L & PM Editores, 1981, pág. 101-6.