segunda-feira, 25 de julho de 2011

Seleção sem eleição


Com a palavra...

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Até a metade da década de 70, os jogadores de futebol carregavam no peito o orgulho de elevar o nome da pátria, tendo em vista que nas demais áreas, apesar de termos excelentes profissionais, éramos relegados a um 5º plano.

Atualmente nossos atletas carregam na alma o logotipo da empresa que os patrocina. A seleção nacional apenas lhes serve como vitrine para aumentar seus polpudos contratos.

Antigamente eles até ajudavam suas comunidades de origem e por isto mereciam a idolatria como um cidadão que se preocupava com os que o cercavam por conhecer na pele e entender o sofrimento daqueles que o aplaudiam.

Atualmente frequentam as “altas rodas” compostas por legisladores pilantras, artistas drogados e são cercados belas mulheres que apenas visam uma pensão vitalícia depois de 2 ou 3 meses de um casamento mal sucedido.

Pelo lado das autoridades governamentais, a prática de usar o esporte como biombo para esconder os problemas sociais não se altera. Basta conquistarmos um torneio esportivo de qualquer nível (até um sub-15) para que os corruptos tirem retratos com os atletas e repentinamente se transformem em “honestos” cidadãos sem culpa nas denúncias desnudadas por parte da imprensa ainda não domesticada.

Felizmente, nosso técnico Mano Menezes escalou mal, substituiu mal, esquematizou pior ainda e não conseguiu incutir no bando que se reuniu para a Copa América 2011 o espírito cívico que observamos nas lágrimas de atletas que participam de uma olimpíada mesmo sem ajuda das autoridades esportivas que agora só se dedicam à construção de portentosos estádios onde as “ilicitações” progridem (os valores quintuplicam) a favor de suas contas bancárias. Pelo menos por esta ineficiência devemos agradecimentos ao nosso técnico.

A euforia de uma vitória de nossa equipe tem uma duração máxima de 15 dias. Mas a mídia sabe esticá-la até as portas das eleições sob o patrocínio da elite dominante que prega alegria para o povo com a barriga vazia.

Os títulos que a seleção conquistou não reduzirão o sofrimento que contamina o povo por descaso das autoridades. Também não servirão para unir a população na busca de sua dignidade (se assim fosse, o governo até impediria a participação do time na competição).

Apesar de toda “bola” que corre nos escândalos denunciados, o povo não sabe se unir para protestar contra a subtração de seus impostos a favor daqueles que vivem desfrutando das mordomias oferecidas por estas verbas desviadas.

Que o povo manso continue pensando apenas em como furar as redes dos goleiros adversários.

O futuro de seus herdeiros pode esperar até depois da próxima conquista no esporte. Porque conquista social, só depois de uns 500 anos.

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domingo, 24 de julho de 2011

A lógica de Aristóteles

Filosofia


“Amigo da verdade”, o pensador grego deixou uma obra incompleta que é uma das grandes maravilhas da humanidade

texto José Francisco Botelho ilustração Catarina Bessel I design Adriana Wo

Seguidor e adversário de Platão e neto intelectual de Sócrates, Aristóteles (384-322 a.C.) foi o derradeiro luminar na era de ouro da filosofia grega: com ele, completou-se a tríade de pensadores antigos que mais infl uenciaram a história das ideias. Último rebento do período clássico, ele foi não apenas o pai da escolástica medieval, como também o grande pioneiro e o grande vilão da ciência moderna. Homem enciclopédico, ele tratou de quase todos os assuntos imagináveis entre a terra e o céu – e, por isso mesmo, legou fabulosos absurdos científicos (como a ideia de que a Terra é o centro do universo). Contudo, ele cometeu seus tropeços em uma época em que não havia telescópios, microscópios ou termômetros: é fácil (e cômodo) acusar os sábios do passado de ingenuidade ou estupidez, agora que temos em mãos os recursos acumulados por séculos de tentativas e erros. Por sinal, os cientistas modernos só desbastaram as arestas aristotélicas usando as armas que o próprio Aristóteles laboriosamente afiou: junto às falhas inevitáveis, ele nos legou raciocínios fulgurantes e métodos primorosos, que até hoje integram o mais fino arsenal do pensamento no Ocidente. E isso sem falar na filosofia islâmica, fortemente infl uenciada pela “espada de Aristóteles” – honroso apelido dado pelos antigos persas, rivais políticos dos gregos, ao legado de seu mais admirável inimigo.

Aristóteles Professor de Alexandre, o Grande, e considerado o “pai” da lógica, o filósofo grego atravessou os séculos graças a trabalhos rigorosos e inspiradores. De saber enciclopédico, Aristóteles especulou sobre praticamente todos os campos do conhecimento humano.

Modelo do erudito que une paixão e rigor, moderação e ímpeto, capaz de dedicar energias titânicas à serena análise do mundo, Aristóteles deixou uma obra incompleta e imperfeita que é uma das grandes maravilhas da inteligência humana. Considerado pela cristandade medieval como o pagão mais genial da Antiguidade, ele ganhou séculos após sua morte um cognome de sucinta reverência: Ille Philosophus, ou, simplesmente, “O” Filósofo. Para o bem ou para o mal, é nas pegadas desse gigante que andamos e meditamos há mais de dois milênios.

Discípulo e mestre
Embora tenha ganhado fama em Atenas, Ille Philosophus nasceu na cidade de Estagira, na região da Calcídica, dominada pela vizinha Macedônia. Desde criança, teve sede de conhecimento: praticamente todos os assuntos o interessavam, da biologia à literatura. Aos 18 anos, ele realizou o sonho da maioria dos jovens intelectualmente ambiciosos na época: foi estudar em Atenas, metrópole cultural da Grécia. Ingressou na Academia, escola fundada e chefi ada por Platão. Ao longo de 20 anos, Aristóteles foi o discípulo brilhante de um mestre incomparável. Mas havia meio século de diferença entre eles – além disso, ambos eram gênios, e isso signifi ca que mais cedo ou mais tarde acabariam brigando. Certa vez, Aristóteles alfi netou cortesmente o mestre em uma blague registrada pelos cronistas: “Platão é meu amigo, mas sou mais amigo da verdade”. O velho Platão replicou em espécie àquela petulância juvenil: “Aristóteles é como um potro selvagem, que escoiceia a própria mãe depois de lhe ter bebido todo o leite”.

Após a morte de seu tutor e rival, em 347 a.C., Aristóteles deixou Atenas e passou alguns anos vivendo como pensador itinerante pela costa do Mediterrâneo. Foi à Macedônia, a convite do então monarca Felipe II, que o encarregou de uma missão formidável: educar o rebelde e fogoso príncipe Alexandre. Assim, o discípulo do maior fi - lósofo da época tornou-se mestre do futuro conquistador do mundo conhecido. Aos 13 anos, Alexandre já era dado a bebedeiras homéricas e olímpicos devaneios de grandeza marcial. Nem mesmo os dotes professorais de Aristóteles puderam amansar aquele espírito nascido para o som e a fúria das batalhas. Aos 15 anos, Alexandre subiu ao trono, deixou de lado seus superfi ciais estudos de fi losofi a e saiu pelo mundo a cometer as proezas e barbaridades que lhe renderam o apelido de “O Grande”. Ao que tudo indica, no entanto, manteve uma afeição vagamente fi lial pelo antigo e frustrado professor: durante suas campanhas intermináveis, costumava enviar-lhe, das terras conquistadas, os mais fabulosos espécimes de fl ora e de fauna – e, com essa ajuda do ex-aluno, Aristóteles montaria o primeiro jardim zoológico do mundo.

Pensador universal
O filósofo retornou a Atenas em 334 a.C. e fundou uma nova escola, o Liceu, para rivalizar com a Academia platônica. Sua reputação de brilhantismo atraiu multidões de alunos de todas as partes da Grécia. As aulas eram dadas ao ar livre, em meio a passeios por alamedas de árvores – por isso, os seguidores de Aristóteles ganharam o nome de “peripatéticos” (aqueles que andam, em grego). Nesse período, Aristóteles produziu uma obra de proporções mitológicas. Historiadores modernos lhe atribuem algumas centenas de livros, embora anedotas antigas falem em mais de mil volumes; o certo é que, de seu trabalho hercúleo, apenas uma pequena parcela sobreviveu. Minúsculo resquício dessa biblioteca lendária, a coleção conhecida como Corpus Aristotelicum é assim mesmo uma vasta enciclopédia universal: são 47 livros que tratam de assuntos tão variados quanto a meteorologia, a mecânica dos astros, a fisiologia animal, os meandros da política e da ética, as glórias e os enigmas da poesia. Mas esse inestimável compêndio do saber compõe-se apenas de anotações sumárias e sem retoques, que Aristóteles fazia às pressas para suas lições – e que mais tarde foram compiladas pelos discípulos peri-patéticos. Os livros que o filósofo publicou em vida – escritos com esmerada retórica – perderam-se após a queda do Império Romano, no século 5. Os extraviados trabalhos de Aristóteles são um dos grandes tesouros invisíveis da literatura mundial – por injustiça poética, tudo o que conhecemos são os rabiscos de sua genialidade.

Aristóteles levou a cabo sua epopeia do conhecimento em meio a torvelinhos políticos. Atenas fora conquistada pelos macedônios em 333 a.C. – e, embora adorado por seus alunos, o antigo professor de Alexandre era detestado pelos patriotas atenienses, que o viam como o apaniguado de um déspota. Após a súbita morte do conquistador, em 323 a.C., o império macedônico ruiu e seus aliados passaram a ser perseguidos na Grécia. Como ocorrera com Sócrates décadas antes, Aristóteles foi ameaçado com a prisão e a pena de morte. “Não darei aos atenienses outra chance de pecar contra a filosofia”, disse, antes de fugir para a ilha de Cálcis – onde morreu um ano depois, doente, solitário e exilado.

A ferramenta lógica
Aristóteles talvez tenha sido o mais eclético dos pensadores, mas há um denominador comum que cimenta suas refl exões: antes de tudo, ele foi o pai da lógica, a arte ou a técnica do pensamento metódico e disciplinado. Isso não signifi ca que os fi lósofos anteriores fossem ilógicos; mas Aristóteles foi o primeiro autor a elaborar um sistema rigoroso de critérios para o raciocínio. A função da lógica é domar a louca energia do pensamento – sem diminuí-la. Não é um fim, mas um meio: um instrumento preliminar para a refl exão sobre a realidade. Por isso, as anotações que Aristóteles compôs sobre o assunto foram reunidas com o nome de Organon – em grego, “a Ferramenta”.

Parte árdua e essencial do Corpus Aristotelicum, o Organon é uma leitura de grandes desafi os e de imensuráveis recompensas – com sua luz difícil e surpreendente, a Ferramenta aristotélica ainda hoje tem a capacidade de aclarar e azeitar as engrenagens da mente humana. Mais que um manual de etiquetas do pensamento, é um ensaio sobre os possíveis acertos e eternos enganos na construção do conhecimento. Para Aristóteles, o ato de conhecer começa pelos sentidos – e nisso ele diferia de Platão, que via na inconstância das percepções uma dança de enganosos fantasmas. “Para cada sentido que perdêssemos”, escreveu Aristóteles, “haveria também uma ciência irremediavelmente extraviada.” Vendo, ouvindo, sentindo, gravamos uma série de impressões sobre a infi nidade de coisas e seres que formam o universo – é o arquivo da experiência, formado pela memória e avivado pela imaginação. Mentalmente, computamos o que os indivíduos têm em comum e no que diferem, formando sobre eles conceitos gerais. Essa acrobacia do múltiplo ao inteligível, do particular ao universal, é o que Aristóteles chama de indução. Um exemplo de conhecimento indutivo: nossa experiência sugere que todas as pessoas que conhecemos (ou das quais ouvimos falar) nascem, envelhecem e um dia morrem; disso induzimos o princípio de que “todos os humanos são mortais”.

É claro que, em qualquer indução, há uma parcela de risco: ninguém pode conhecer diretamente o destino de todos os homens e mulheres, do passado remoto ao vertiginoso futuro. A indução, portanto, não gera certezas, mas axiomas – princípios aceitos pelo senso comum, embora indemonstráveis na prática.

Limites do conhecimento
Os axiomas são o ponto de partida para o segundo tipo de raciocínio na lógica aristotélica: a dedução ou silogismo, que faz o caminho inverso à indução, estabelecendo fatos particulares a partir de verdades supostamente universais. O silogismo clássico é formado por duas afi rmativas iniciais – as premissas – e uma conclusão. Premissas verdadeiras necessariamente produzem uma conclusão válida. O exemplo dado por Aristóteles e repetido nos manuais de lógica ao longo de séculos é o seguinte: “Todos os homens são mortais; Sócrates é um homem; logo, Sócrates é mortal”. O silogismo é como uma máquina de raciocínios coerentes – mas, se partir de premissas falsas, produzirá conclusões coerentemente mentirosas. Considere a seguinte dedução: “Todos os homens são anfíbios; Sócrates é um homem; logo, quando menino, Sócrates tinha brânquias e vivia debaixo d’água”. A conclusão é absurda porque uma das premissas também o é: o mecanismo lógico, no entanto, permanece intacto. Daí o alerta lançado por Aristóteles contra o perigo dos sofismas – argumentos que distorcem a lógica para criar um verniz de razão.

Ao destrinchar essas engrenagens, Aristóteles plantou a semente do pensamento científi co – mas também deixou (talvez sem perceber) um implícito grão de insegurança no coração de todo conhecimento humano. Como podemos ter certeza absoluta de que nossos axiomas estão corretos, de que nosso bom senso não é mera especulação e de que nossos sentidos nos revelam o real? Visão, audição, tato, paladar e olfato formam uma redoma deliciosa ou terrível da qual não podemos escapar: e aqui dentro nosso intelecto tem de se haver como puder. Essa ponta solta seria puxada no século 17 pelo filósofo irlandês George Berkeley – para quem os sentidos são ilusões, e a realidade, uma fantasia da mente. A saga da lógica aristotélica alimentou não apenas a fé racional da ciência, mas também os extremos lúdicos do ceticismo – para o qual tudo o que sabemos e pensamos talvez não passe de um fascinante sofisma.

Além desse insolúvel duelo entre o conhecimento e a incerteza, Aristóteles deixou um legado moral ao afi rmar a dignidade da vida contemplativa. Para ele, o intelecto e o gosto estético são os maiores dons humanos – e nossa felicidade possível está na fruição desinteressada dessas faculdades: “o funcionamento da inteligência é um fi m em si mesmo, e em si mesmo encontra o prazer que o faz funcionar mais”. Em meio ao caos do mundo, o sábio aristotélico sempre encontrará refúgio no cálido império da refl exão. Alexandre, caçador de glórias e homem de ação por excelência, ignorou magnifi camente os preceitos de seu professor, que assim defi ne o ideal de conduta humana na obra Ética a Nicômaco: “O sábio tem modos serenos; sua voz é grave; sua ação é comedida. Suporta os acidentes da vida com dignidade e graça, tirando o máximo proveito das circunstâncias. Ele é o melhor amigo de si mesmo e se delicia com a privacidade, ao passo que o homem sem virtudes é inimigo de si próprio e teme, acima de tudo, a solidão”.

Descartes A razão

Filosofia



Com sua fé racional e metódica, o filósofo francês inaugurou a modernidade varrendo o entulho no terreno da mente

texto José Francisco Botelho | ilustração Estudio Area

Considerado por muitos o fundador da filosofia moderna, o francês René Descartes foi um dos mais charmosos heróis e um dos mais atacados vilões na história do pensamento. Matemático brilhante e cientista profundamente inspirado, ele legou à reflexão filosófica certo viés mecanicista que ainda não a abandonou de todo – por isso foi acusado de plantar uma semente de frieza no coração do pensamento ocidental. Contudo, foi esse amante dos números e das combinações geométricas quem produziu o sopro de vida mais revolucionário a enfunar as velas da filosofia desde os tempos de Aristóteles – e não é de espantar que sua jornada intelectual tenha dado frutos mistos. Paladino da razão, ele impôs a si mesmo uma missão demasiado formidável: encontrar um método unificado para a decifração dos múltiplos enigmas do universo, desde as profundezas da física até as alturas da teologia, passando pelos dramas da vida humana. Em sua busca impetuosa por conhecimento, Descartes estudou a trajetória dos astros, dissecou cadáveres, embrenhou-se em selvas algébricas, especulou sobre a natureza divina e tentou solucionar as misteriosas imbricações do corpo e da alma – aplicando a tudo a mesma fé racional e metódica.

Pensador de interesses infinitos, Descartes foi também um dos estilistas mais rematados e menos pedantes na literatura filosófica. Suas obras contêm voos narrativos de dar inveja a muitos ficcionistas – em vez de nos empurrar conclusões prontas, o autor dos clássicos Discurso do Método e Meditações Metafísicas preferiu narrar, passo a passo e com translúcida franqueza, os caminhos e descaminhos de suas reflexões. Ler Descartes é pensar junto com ele – e, mesmo quando discordamos de suas conclusões, é impossível não admirar a sinceridade e o esmero de seu relato. Nisso, ele simboliza o inverso daquela figura tão comum nos dias de hoje: a do especialista hermético, que jamais abandona a proteção e o conforto dos jargões. Espécie de romancista do pensamento abstrato, René Descartes quis dirigir-se de forma franca e compreensível a todos os seres dotados de razão e bom senso – e nisso ele triunfou com maestria poucas vezes igualada. Foi, acima de tudo, o filósofo da clareza.

DescartesFilósofo, físico e matemático, René Descartes, o pensador que introduziu a dúvida na filosofia, nasceu na França em 1596 e morreu na gélida Estocolmo (Suécia) em 1650.

Cheio de opiniõesDescartes nasceu na região francesa de La Touraine em 1596, no seio de uma família abastada. Sua mãe morreu de tuberculose antes que o filho completasse 1 ano; o pai era um ocupadíssimo magistrado que passava a maior parte do ano longe de casa. Pálido, frágil, sempre assolado por tosses e febres, René teve uma infância solitária e hipocondríaca. Aos 8 anos, foi estudar como interno no célebre colégio jesuíta de La Flèche – lá, a agudeza de sua mente logo se tornou tão proverbial quanto sua delicadeza física. Os professores permitiam que ele ficasse na cama até o meiodia, e o pequeno Descartes aproveitava as manhãs para devorar livros atrás de livros, bem acomodado entre travesseiros e lençóis (sem dúvida, um método dos mais eficazes para aquisição de conhecimento). As tardes eram dedicadas ao esporte típico de um cavalheiro: a esgrima. Apesar das tribulações respiratórias, René tornou-se um espadachim de respeito e chegou mesmo a escrever um tratado sobre armas brancas. O gosto pela solidão, a indolência matinal e a dupla habilidade com palavras e com floretes foram traços que o acompanhariam pelo resto da vida.

Entre os doutos jesuítas, Descartes desfrutou os rigorosos benefícios de uma educação clássica: leu os gregos e os latinos, encantou-se bem cedo pela poesia e encontrou na matemática a paixão de sua vida. Ainda muito jovem, contudo, seu entusiasmo erudito deu lugar a um crescente escândalo intelectual. Transitando pelas obras dos grandes filósofos de diversas épocas, Descartes não encontrou soluções definitivas para os enigmas da alma e do universo, mas uma infindável e encarniçada batalha de opiniões: Aristóteles quase sempre discordava de Platão; ambos eram desprezados pelos céticos, que por sua vez caíam na zombaria dos cínicos; e os batalhões de escolásticos medievais – todos igualmente sábios e pios – sequer concordavam em qual seria a melhor forma de provar a existência de Deus... Anos mais tarde ele escreveria em um de seus trechos autobiográficos: “Considerando quantas opiniões diversas, sustentadas por homens excelsos, havia sobre uma única e mesma matéria, eu reputava quase como falso tudo quanto era apenas verossímil... Pois nada se poderia imaginar de tão estranho e de tão pouco crível que algum dos filósofos já não houvesse dito”.

Exasperado com tamanha algazarra, Descartes decidiu abandonar as querelas eruditas e buscar iluminação no “grande livro do mundo”. Em 1618, viajou aos Países Baixos e alistou-se no exército do príncipe de Orange, que combatia uma invasão espanhola (Descartes, que era católico sincero, combateu ao lado dos protestantes – mais uma interessante esquisitice na vida desse andarilho excêntrico). Mais tarde, serviu nas tropas do duque Maximiliano da Bavária, participando nos primeiros embates da Guerra dos Trinta Anos. Nessa época, a filosofia ainda era para ele mais uma inquietação que um ofício. Até que um dia, aos 23 anos, em meio a andanças militares, Descartes teve a revelação que mudou os rumos de sua vida.

No inverno de 1619, as tropas do duque Maximiliano da Baviera estavam estacionadas na aldeia de Ulm, no sul da Alemanha. A neve tombava com abundância e ventos gélidos varriam o lugarejo. O exército inimigo estava bem longe e os soldados não tinham muito que fazer. Para escapar ao frio, Descartes passava a maior parte do tempo enfurnado em um quarto aquecido, aproveitando o ócio para meditar. Como sempre, atormentava- o a velha questão: por que haveria tanta discórdia entre os sábios? Qual seria o método correto para decifrar o universo? No dia 10 de novembro, a resposta subitamente surgiu, na forma de uma metáfora arquitetônica. Descartes imaginou, primeiramente, uma cidade construída ao sabor das gerações humanas, com prédios acumulando-se ao léu. Em seguida, pensou em uma cidade perfeitamente planejada por um único arquiteto, com ruas alinhadas em traçado impecável. Por fim, concluiu: “Não há tanta perfeição nas obras compostas pela mão de diversos mestres, como naquelas em que um só trabalhou. Assim, os edifícios construídos por um só arquiteto são mais belos que aqueles que muitos tentaram reformar... E parece-me que as ideias que avolumaram pouco a pouco, compostas pelas opiniões de muitas pessoas, não se acham tão próximas da verdade quanto o simples raciocínio de um homem de bom senso”.
Autonomia mentalOu seja: na busca pela verdade, as ponderações de um único indivíduo podem valer mais que todo o peso das tradições acumuladas. O que Descartes descobriu no aconchego da estufa, enquanto a neve caía lá fora, foi o valor absoluto da autonomia intelectual. Para pensar corretamente, é preciso antes abolir todos os privilégios e toda a autoridade dos mestres; é preciso colocar em cheque todos os pressupostos, todas as filiações, todos os medos, e valerse apenas daquilo que é comum à humanidade inteira: a razão.

O dom de distinguir o falso do verdadeiro existe em todos os homens, argumenta Descartes – o problema é que a maioria deles utiliza esse instrumento de forma rasteira, contentando-se com verdades parciais ou incompletas, que foram herdadas e não conquistadas. Antes de construir seu próprio edifício filosófico, Descartes decidiu varrer o entulho no terreno da mente – e só poderia fazer isso atacando impiedosamente os alicerces de tudo aquilo em que acreditava. Para chegar à mínima das certezas, era preciso mergulhar de cabeça no oceano da dúvida. E eis aí um dos aparentes paradoxos que fazem de Descartes um dos personagens inesquecíveis na saga do pensamento mundial. Racionalista fervoroso, sedento de verdades absolutas, o eclético espadachim de La Touraine duelou a vida inteira contra a incerteza – mas acabou concluindo que só se derrota esse portentoso adversário com as armas que ele próprio nos fornece. Duvidar metodicamente de tudo, até que a mente depare com algum princípio inquestionável – essa é a essência da “dúvida cartesiana”, cerne do método racional, que o filósofo-matemático tratou de aplicar a todas as equações do universo.

Descartes descobriu que, para pensar corretamente, é preciso abolir todos os privilégios e toda a autoridade dos mestres e valer-se daquilo que é comum à humanidade inteira: a razão

O primeiro alvo da dúvida cartesiana são nossas certezas mais imediatas – aquelas fornecidas pelos sentidos. Imerso em reflexão no calor da estufa bávara, Descartes se pergunta: será mesmo verdade que estou aqui, num quarto aquecido, com a neve a tombar copiosamente lá fora? Certamente, é isso que os sentidos afirmam – contudo, quando sonhamos, também acreditamos na realidade do sonho, e só ao acordar descobrimos que tudo foi ilusão... Para ilustrar o escopo radical de sua dúvida, Descartes elabora uma hipótese com delicioso sabor fantástico: imaginemos que o mundo seja governado por um espírito maligno; imaginemos que essa divindade embusteira tenha criado nossa mente com o único intuito de nos enganar; nesse caso, como poderíamos ter certeza quanto ao testemunho de nossos sentidos, ou mesmo quanto às verdades aparentemente óbvias da matemática? “Ora, quem me poderá assegurar que esse deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo, nenhum lugar e que, não obstante, eu tenha os sentimentos de todas essas coisas?”, escreve o pensador nas Meditações Metafísicas. “E pode ocorrer mesmo que esse deus tenha desejado que eu me engane todas as vezes em que faço a adição de dois mais três, ou em que enumero os lados de um quadrado”. Ou seja: tudo o que vemos, ouvimos, pensamos e calculamos pode não passar de uma fraude cósmica, e o conhecimento humano talvez seja apenas uma magnífica tirada de humor diabólico.

E é precisamente nesse ponto, quando a consistência do conhecimento está prestes a se dissolver em sonho ou em pesadelo, que Descartes efetua sua estocada magistral: nem mesmo o mais poderoso dos demônios, nem mesmo o mais astuto dos deuses poderia me enganar e me iludir se eu não existisse. Ainda que eu duvide de tudo, não posso duvidar de minha própria dúvida e, por conseguinte, de meu próprio pensamento. Da dúvida extrema, Descartes faz emergir sua primeira certeza, cunhada na frase mais famosa da filosofia: “Penso, logo existo”. O pensamento, e não a matéria, é a evidência de que existimos – sobre essa verdade dura como pedra, arduamente resgatada no naufrágio das falsas certezas, Descartes ergue o monumento reformado de sua filosofia.

Após o período passado no exército, Descartes dedicou o resto da vida à reflexão. Exilou-se na Holanda, onde viveu totalmente sozinho, lendo, pensando, fazendo experimentos dos mais variados e relatando por escrito suas aventuras mentais. Por mais que buscasse a solidão, seus livros correram a Europa atraindo tanto discípulos quanto detratores – e o grande misantropo acabou vitimado por sua própria fama. Em 1649, a rainha Cristina da Dinamarca – que tinha suas veleidades intelectuais, como tantos monarcas da época – resolveu contratar Descartes como instrutor pessoal em assuntos filosóficos. Em uma carta, o pensador recusou educadamente o convite. Cristina insistiu, levemente ofendida. Com medo de incorrer na ira de uma soberana, Descartes acabou cedendo. Cristina exigiu três aulas por semana – todas às 5 da manhã. Por alguns meses, Descartes foi obrigado a acordar de madrugada, no inclemente inverno escandinavo – verdadeiro suplício para um dorminhoco hipocondríaco. Por causa dos caprichos de sua real pupila, o autor das Meditações Metafísicas foi fatalmente derrubado por uma pneumonia em 11 de fevereiro de 1650.

Mais que um método, mais que uma doutrina, ele nos deixou um símbolo. Seu intelecto ao mesmo tempo sereno e atribulado, oscilante entre o sonho e a realidade, sempre em busca de um inatingível graal filosófico, serviria nos séculos seguintes como um farol hipnótico para as mentes inquietas – e como eterno convite ou eterno desafio à coragem de pensar.

sábado, 23 de julho de 2011

O crack e a classe média

Alex Ferraz
Em Tempo
Publicada: 23/07/2011 | Atualizada: 23/07/2011

Como era de esperar, o crack invade a classe média. De droga consumida em guetos miseráveis, passa agora aos salões e baladas, levando no seu caminho a saúde mental e física de milhares de jovens (e de muitos adultos já de meia idade), dizimando vidas em curtíssimo espaço de tempo.
Como é de esperar, certamente as autoridades de saúde pública do país permanecerão mudas, como fazem diante da cocaína. O curioso é que essas mesmas autoridades dedicam-se com sistemática insistência ao combate ao incentivo de drogas legais, como o álcool e o cigarro (no que devem ser aplaudidas), mas fecham os olhos para a avalanche de drogas ilícitas letais, como crack e, agora, o ainda mais devastador óxi.
Ora, senhores, quem conhece o mecanismo mental do ser humano sabe que campanhas sazonais - como aquelas de cuidado com o trânsito veiculadas somente na Semana do Trânsito ou de prevenção à Aids apenas no Dia Internacional da Luta Contra Aids - de nada adiantam. Já disse aqui e repito: se realmente se deseja reduzir o consumo de drogas letais e tratar os doentes que delas dependem, só há uma saída (além, claro, do combate ao tráfico), qual seja uma campanha permanente, de choque, abrangendo todo o território nacional (pois a droga já quebrou todas as fronteiras) e, ao lado disso, extensa, competente e funcional rede de acolhimento para dependentes. O resto é pura demagogia.

Motoqueiros e
mortoqueiros (I)
Aumenta a olhos vistos, a cada dia, o caos no trânsito das grandes cidades brasileiras devido ao número excessivo de motos, pilotadas quase sempre por indivíduos irresponsáveis, que não respeitam sinal fechado, fazem outras misérias mil nas ruas e ainda agridem motoristas quando sofrem um acidente provocado por eles mesmos.

Motoqueiros e
mortoqueiros (II)
Com isso, é claro, aumenta assustadoramente o número de mortes de pilotos de motos.
Em São Paulo, segundo dados do próprio sindicato dos motoboys, ocorrem, no mínimo, duas mortes por dia.
Gente, metam na cabeça que moto de baixa cilindrada em excesso, usada para trabalho, é coisa de país miserável. Não é motivo para orgulho.

Jurisprudência
perfeita (I)
A juíza Sônia Maria Mazzetto Moroso, titular da 1ª Vara Criminal de Itajaí (SC), assinou no sábado passado (17) o documento que a torna casada com a servidora pública municipal Lilian Regina Terres. Trata-se da primeira união civil homoafetiva registrada em Santa Catarina, após a decisão do Supremo Tribunal Federal, segundo noticiado pelo site Espaço Vital.

Jurisprudência
perfeita (II)
“É a primeira pelo menos no estado de Santa Catarina e eu sou a primeira juíza brasileira a assumir”, comemorou Sônia. Ela e Lilian já tinham um relacionamento estável antes da união oficial. O casal se uniu no dia 29 de maio do ano passado, numa cerimônia abençoada pela religião umbandista.
O juiz Roberto Ramos Alvim, da Vara de Família da comarca, autorizou o casamento civil das duas mulheres. O ato foi, então, celebrado no Cartório Heusi.

Jurisprudência
perfeita (III)
Bem, se dúvidas ainda havia na cabeça de alguns magistrados que se recusam a acompanhar os novos tempos, creio que este casamento criou a jurisprudência perfeita, por assim dizer.
Enquanto isso, se preparem, muitos grupelhos medievais continuarão se debatendo na lama do preconceito e até fazendo atentados.
Mas a civilidade vencerá. Afinal, houve tempo em que negros eram escravizados e espancados e até pouco tempo atrás (historicamente falando) sequer votavam, nos EUA, país mais poderoso do mundo que hoje tem um presidente negro.

1 NORTE - Acaba neste domingo, 24, a Liquida Norte, primeira grande liquidação do Salvador Norte Shopping, que reúne mais de 180 lojas de eletroeletrônicos, moda, calçados, acessórios e artigos para o lar com descontos de até 70%.

2 CINEMA - Vai começar o VII Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual – CineFuturo. O evento, um dos mais movimentados do calendário cultural de Salvador, acontece de 25 a 30 deste mês, no Teatro Castro Alves (Campo Grande) Goethe Institut/ICBA (Vitória) Sala Walter da Silveira e Sala Alexandre Robatto (Biblioteca Pública dos Barris) e Hotel Sol Victória Marina (Vitória).

3 LETRAS - Com o tema “Vampiros na Literatura”, o Seminário Novas Letras promove no próximo dia 29, às 14h, na Escola Manuel Cruz, em Cajazeiras 11, uma programação voltada para o público jovem.

Publicada: 23/07/2011 Atualizada: 23/07/2011

Sete medidas simples para evitar Alzheimer


Publicada: 23/07/2011 02:16| Atualizada: 23/07/2011 01:48

BBC Brasil

De acordo com o estudo dos cientistas da Universidade da Califórnia, em São Francisco, a metade dos casos da doença no mundo se deve a falta de medidas de saúde e basta uma redução de 25% nos sete fatores de risco para evitar até 3 milhões de casos.

Os sete fatores são ligados a estilo de vida: não fumar, ter uma dieta saudável, prevenir o diabetes, controlar a pressão arterial, combater a depressão, fazer mais atividades físicas e aumentar o nível de educação.

Os detalhes da investigação foram divulgados na revista científica The Lancet e apresentados na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, que ocorre em Paris.

Causas – As causas do mal de Alzheimer, forma mais comum de demência, ainda não são totalmente conhecidas. Mas, os estudos demonstraram que vários fatores estão ligados à doença, incluindo fatores genéticos, idade e estilo de vida.
Pesquisas já realizadas mostraram que vários fatores de risco podem ser modificados para evitar a doença, como por exemplo, doenças cardiovasculares, níveis de atividade física, estímulo mental e dieta. Mas, até o momento, não estava claro até que ponto uma pessoa poderia evitar o Alzheimer modificando algum destes fatores de risco.

Para conseguir esta resposta, os pesquisadores usaram um modelo matemático sobre os riscos do Alzheimer no mundo todo. Com este modelo, os cientistas calcularam a porcentagem global de casos de Alzheimer que poderiam ser atribuídos a diabetes, hipertensão, obesidade, tabagismo, depressão, baixo nível de educação e falta de atividade física.
Os resultados mostraram que a metade dos casos da doença no mundo parece ser causada por estes fatores, que estão ligados ao estilo de vida e podem ser modificados.

Educação – O fator que parece causar a maior porcentagem de casos da doença, segundo os pesquisadores, é o baixo nível educacional (19%), seguido pelo tabagismo (14%), falta de atividade física (13%), depressão (11%), hipertensão na meia idade (5%), obesidade na meia idade (2%) e diabetes (2%).

Juntos, estes sete fatores de risco contribuem para os 17,2 milhões de casos de Alzheimer no mundo, o que corresponde a 51% dos casos globais da doença.

“Nos surpreendeu descobrir em nosso modelo que os fatores de estilo de vida, como o baixo nível educacional, falta de atividade física e tabagismo parecem contribuir para um número maior de casos de Alzheimer do que as doenças cardiovasculares”, disse Deborah Barnes, que liderou o estudo.

“Mas isto sugere que mudanças relativamente simples no estilo de vida podem ter um impacto dramático no número de casos de Alzheimer no decorrer do tempo”, acrescentou.

A pesquisadora destacou, no entanto, que estes são apenas cálculos matemáticos e serão necessários estudos mais amplos em várias populações para comprovar estes dados. Mesmo assim, segundo os pesquisadores, estes cálculos são uma “suposição importante “ e qualquer coisa que ajude a evitar a grande carga que esta doença significa para os serviços de saúde é positiva.

Memórias vão, mas as emoções ficam

Segundo pesquisa realizada nos Estados Unidos, indivíduos com problemas de perda de memória esquecem uma conversa ou um momento engraçado, por exemplo. Mas, ainda assim, as sensações associadas com as experiências podem permanecer, com melhoria no humor e no bem-estar.

O trabalho, feito por cientistas da Universidade do Iowa, será publicado esta semana no site e em breve na edição impressa da revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

Os pesquisadores mostraram a pessoas com problemas de retenção de memória pequenos filmes alegres e tristes. Embora os participantes não tenham conseguido lembrar o que assistiram, o estudo verificou que eles mantiveram as emoções suscitadas pelos filmes.

Os autores do trabalho afirmam que os resultados têm implicações diretas para portadores da doença de Alzheimer. “Uma simples visita ou um telefonema de algum membro da família pode ter uma influência positiva na felicidade do paciente, mesmo que ele rapidamente esqueça que a visita ou a chamada tenha ocorrido”, disse Justin Feinstein, um dos autores do estudo.

“Por outro lado, a contínua indiferença por parte dos profissionais de saúde do local onde o paciente está internado pode deixá-lo mais triste, frustrado e solitário, ainda que ele não saiba os motivos por estar se sentindo dessa forma”, afirmou. Os pesquisadores avaliaram cinco casos neurológicos raros de pacientes com danos no hipocampo, parte do cérebro crítica para a transferência de memórias de curto prazo para o armazenamento de longo termo. Danos no hipocampo fazem com que memórias desapareçam.

Esse mesmo tipo de amnésia é um sinal inicial de Alzheimer.
“Ainda que não se lembrassem dos filmes, eles sentiam a emoção. Tristeza tendeu a durar mais tempo do que a alegria, mas as duas emoções permaneceram por muito mais tempo do que a memória dos filmes”, disse Feinstein.

Os resultados do estudo vão contra a noção popular de que apagar uma memória dolorosa poderia abolir o sofrimento psicológico. Também reforçam a importância de atender necessidades emocionais de portadores de Alzheimer, que, de acordo com estimativas, poderá atingir mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo por volta de 2050.

Publicada: 23/07/2011 02:16| Atualizada: 23/07/2011 01:48

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Pensar

Pensar

Um pouco de disciplina cai bem

Alguns confundem com rigidez. No entanto, para ser alguém disciplinado é preciso ter a mente aberta, saber priorizar e fazer escolhas. O resultado disso não é uma agenda engessada e sim mais leve. E, o melhor, é possível trazer essa ordem para sua vida

Texto Roberta De Lucca • Fotos Dercílio

Na primeira página de Grito de Guerra da Mãe-Tigre, a sino-americana Amy Chua afirma, sem o menor constrangimento, ter educado suas duas filhas dentro de um rigoroso ideário que estipula que elas não podem, entre 11 regras, tirar nota abaixo de A nem tocar qualquer instrumento senão piano ou violino. Foi baseada no estilo chinês de educação que essa professora de Direito da Universidade de Yale, filha de imigrantes e nascida nos Estados Unidos, criou uma polêmica no início deste ano quando seu livro chegou às prateleiras norte-americanas (no Brasil foi editado, recentemente, pela Intrínseca). Afinal, Amy criticou os pais ocidentais, tachando-os de altamente permissivos em relação ao padrão chinês, que se dedica a formar cidadãos competitivos e aptos a serem os melhores.

O pano de fundo dessa teoria está embasado na disciplina e a meta é uma só: fazer com que Sophia e Louisa sejam perfeitas. As teorias de Amy são no mínimo desconcertantes. Confesso que eu nem tinha lido 20 páginas e minha vontade era deixar o livro de lado. Não achei bacana ler que a "mãe chinesa", como ela se autodefine, deixou a filha de então 3 anos fora de casa e sem agasalho numa temperatura abaixo de zero porque ela se recusou a aprender a tocar piano. E me perguntei: isso é disciplina?

O filósofo e educador Mario Sergio Cortella nem pestaneja para dizer que "a mãe chinesa adestra os filhos e forma pessoas eficientes, e isso tem eficácia para algumas coisas. Por outro lado, tira a autonomia da pessoa". Na visão de Cortella, um ser bem treinado como as filhas de Amy não necessariamente é disciplinado e, o mais importante, não é livre, porque está preso a regras rígidas. O disciplinado consegue riscar todas as tarefas marcadas na agenda e ainda tem tempo para se divertir ou simplesmente não fazer nada.

Vem do berço
O primeiro contato do ser humano com a disciplina acontece ainda no berço. "Na relação entre mãe e bebê já se estabelece um sistema de organização", diz Vladimir Safatle, professor da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Segundo ele, a mãe determina quando vai alimentar o bebê (ela pode estar no banho quando o rebento chora e ele tem de esperar para mamar), e assim começa a ser criado o ritmo de vida da criança. Depois surgem outras normas, como a hora de brincar, estudar e por aí afora. Com tudo isso reunido, cada indivíduo cresce, é educado e se encaixa nesse modus vivendi.

As rotinas aprendidas no colégio ajudam a criança a se organizar no tempo, já que tendo um período estabelecido para as tarefas ela aprende a noção de começo, meio e fim de execução de algo. "Rotinas são importantes porque ajudam a criança e a família a serem organizadas e dão senso de disciplina", explica a coordenadora do Núcleo de Cultura, Estudos e Pesquisas do Brincar e da Educação Infantil da PUC-SP, Maria Ângela Barbato Carneiro. Na prática, significa que as pessoas conseguem planejar e cumprir todas as metas para aquele dia. Não encare isso como coisa de gente metódica. A disciplina não é sinônimo de vida ultrarregrada. Ao contrário, é ouro puro na mão de quem quer fazer as coisas com agilidade e qualidade para, no fi m das contas, ter tempo livre para viver.

Ter um plano B
"A disciplina permite fazer algo em menos tempo e com mais eficiência, muitas vezes até além do esperado", afirma Cortella. O consultor de recursos humanos Marco Antonio Lampoglia, da Active Educação e Desenvolvimento Humano, de São Paulo, explica que existem dois tipos de "tempo" para se realizar algo: o cronológico e o psicológico. "No primeiro você cria o cronograma para o que tem de fazer e desenha o caminho que leva ao objetivo. Já o tempo psicológico é aquele em que a pessoa tem de ter persistência para dar conta de tudo e ainda enfrentar as dificuldades eventuais." Nesse ponto, o disciplinado sempre tem um plano B para lidar com imprevistos - de qualquer natureza.

Imagine que você vai para o litoral no fim de semana com a família. Quando chega lá, chove sem parar e nem você nem seu marido se lembraram de pegar jogos ou DVDs para distrair a garotada, que sobe pelas paredes porque não pode ir à praia. "Não pensar na possibilidade da chuva é não ter um plano B. É não ter a mente organizada e disciplinada para contar com o imprevisto", diz Lampoglia. Agora visualize essa situação no campo do trabalho ou do estudo e o resultado é o mesmo. Quem se organiza e tem disciplina não se trumbica, diria o Velho Guerreiro Chacrinha.

Tem solução
Gabriel Amorim, mestre de kung fu em São Paulo, é constantemente procurado por gente que quer aprender a luta para ser mais organizado. Ele explica que as artes marciais se baseiam na tríade disciplina, paciência e perseverança. Unindo esses três elementos, o praticante tem sucesso no tatame e em outras esferas da vida. Aplique esse conceito no dia a dia e veja como a disciplina requer paciência (tempo) para se chegar à meta e perseverança para vencer os contratempos. E adicione a essa fórmula o comprometimento - sim, porque sem ele pode-se perder o foco, a rota e até as botas na busca pela chegada ao objetivo.

Quem tem disciplina e comprometimento sabe o caminho, mas nem por isso deve acionar o piloto automático. "Ter uma rotina para fazer as coisas não significa executá-las com monotonia", diz o filósofo Cortella. A monotonia é reflexo de algo autômato, feito sem pensar. "Como o treinamento militar, que faz o soldado marchar para a esquerda e a direita para ser condicionado a obedecer ordens e a não refletir."

Quem se detém para pensar também abre os olhos às tentações, como um convite para uma festa na semana de terminar a monografia do mestrado. "O disciplinado tem de definir prioridades e abrir mão de algumas coisas a fim de cumprir sua meta. É importante saber dizer não", afirma Américo Marques Ferreira, da consultoria empresarial AMF Parceria, de São Paulo.

O filósofo Safatle é enfático ao afirmar que todo mundo internaliza um conjunto de disciplinas - até mesmo os indisciplinados. Para ele é tudo uma questão de projeção do uso do tempo. Claro que quando as ações atingem o outro, como chegar atrasado a um compromisso, é sinal de que essa pessoa não consegue programar suas atividades, seu dia. Mas nem tudo está perdido para quem convive com as pendências da agenda desorganizada. "Estudos comprovam que para instalar ou desinstalar um novo hábito, são necessárias cerca de seis semanas. É um processo gradativo de adequação que pede prática regular", afirma o consultor Ferreira.

Digamos que tornar-se disciplinado requer o compromisso e a força de vontade semelhantes ao que é necessário para uma pessoa engatar firme no regime e perder os almejados 5 quilos. Quem estiver comprometido com isso certamente chega lá. Quem não estiver vai continuar vivendo como sempre o fez, já que no mundo há espaço para disciplinados e indisciplinados. A diferença está no que foi dito por Mario Cortella lá no começo deste texto: o disciplinado é um ser livre porque dá conta do recado e ganha tempo para curtir a vida, enquanto o indisciplinado está às voltas com sua desorganização.

No trabalho
Os especialistas em recursos humanos e consultoria empresarial Marco Antonio Lampoglia e Américo Marques Ferreira dão algumas ideias para ajudá-lo a ser mais disciplinado.

1) Se você tem muitas tarefas para fazer, uma sugestão para priorizá-las é determinar o tempo de execução de cada uma.

2) Depois de estabelecer quais são as mais importantes, comece pela mais difícil ou a que dará mais trabalho.

3) Pode parecer excesso de zelo, mas tenha sempre um plano B para contornar os imprevistos com agilidade.

4) Vai participar ou coordenar uma reunião? Então, uma boa sugestão é evitar conversas desnecessárias, que tomam tempo e desviam o foco.

5)
Se você trabalha em casa, seja rigoroso com horários, determinando quando começa e termina a jornada.

6)
Observe-se e perceba quanto tempo você demora para fazer algumas tarefas. Isso ajuda na hora de eleger prioridades.

7) Comprometa-se com o que faz. Isso o ajudará a entregar tudo no prazo.

Engolir sapo

Grandes Temas


Por que toleramos ou ficamos calados diante de algo que nos desagrada?

Elisa Correa

"Por que toleramos ou ficamos calados diante de algo que nos desagrada? Posso ter sido qualquer coisa, menos blasfemador." O teólogo e filósofo italiano Giordano Bruno teria pronunciado essas palavras no dia de sua execução, 17 de fevereiro de 1600, em Roma. Ele se recusou a negar suas opiniões religiosas e a teoria do astrônomo alemão Johannes Kepler de que a Terra girava em torno do Sol. Por isso, foi condenado, preso e queimado vivo. Dezesseis anos mais tarde, foi a vez de o astrônomo Galileu Galilei ser perseguido pela Igreja Católica. Depois de construir um telescópio para observar o céu, Galileu confirmou a teo ria heliocêntrica e foi parar diante do tribunal do Santo Ofício. Para escapar das acusações de heresia e da fogueira da Inquisição, negou suas descobertas. Apesar de muito longe na História, o dilema enfrentado por Giordano Bruno e Galileu se mantém atual. Mesmo sem correr o risco de acabar na fogueira, continuamos a enfrentar a questão: defender nossas posições com unhas e dentes, sem temer as consequências, ou... engolir sapo.

"Engolir sapo significa tolerar coisas ou situações desagradáveis sem responder, por incapacidade ou conveniência", diz o escritor e professor Ari Riboldi, autor do livro O Bode Expiatório (editora Age), no qual explica a origem de palavras, expressões e ditados populares com nomes de animais. Segundo ele, uma das possíveis versões sobre a gênese da expressão viria do texto bíblico. De acordo com a tradição judaico-cristã, o deus Javé enviou dez pragas sobre o faraó e o povo do Egito, pelas mãos de Moisés. A finalidade era convencer o faraó a libertar o povo hebreu, escravo no Egito, permitindo que ele partisse para a nova terra sob o comando de Moisés. O episódio das pragas faz parte dos capítulos 7º a 12º do Êxodo, livro do Antigo Testamento - a segunda praga, a infestação de rãs, é narrada no capítulo 8º. Elas tomaram conta das casas, quartos, leitos, pratos e de todos os ambientes habitados pelo faraó e pelos egípcios. Ao morrerem, ficaram aos montes infestando os locais e causando doenças. "O texto bíblico menciona rãs e não sapos, mas tratase apenas de uma versão", diz Riboldi.

O bonzinho Origens da expressão à parte, quem vive engolindo sapos sofre muito: tem dificuldade para dizer não, fica calado ou concorda com o outro em situações polêmicas só para evitar conflitos, ignora os próprios desejos para não gerar mágoas. "A pessoa não expressa seu sentimento e opinião simplesmente por medo da reação negativa de seu interlocutor. Essa atitude tem a ver com a cultura, com crenças que estão no modelo mental guiando nosso comportamento para a passividade em situações em que nos sentimos ameaçados ou com riscos de perdas", explica Vera Martins, especialista em medicina comportamental, diretora da Assertiva Consultores, de São Paulo, e autora do livro Seja Assertivo! (editora Campus).

Depois vem aquela sensação de impotência e frustração por não conseguir expressar os sentimentos, por achar que tem sempre alguém determinando o que deve ser feito. E lá ficamos nós, nos sentindo incompreendidos e manipulados, remoendo uma mistura de raiva e culpa enquanto pensamos no que deveríamos ter dito no momento que já passou. Como consequência, nossa autoestima e confiança despencam no mesmo ritmo com que perdemos o respeito dos outros, que passam a não nos levar mais em conta. Muitas vezes, o engolidor de sapos se esconde atrás da figura do bonzinho, aquele sujeito sempre preocupado em agradar - para ser aceito e querido. "Ele usa uma linguagem extremamente cuidadosa, porém é violento consigo mesmo, pois cede seus direitos em prol do outro", diz Vera. Na verdade, as atitudes do bonzinho são alimentadas por uma expectativa de reciprocidade: ele se posiciona passivamente na situação, sendo agradável e condescendente, esperando que o outro também faça o mesmo. Quando isso não acontece, a raiva aparece.

Corpo e mente Se engolir sapos pode ser considerado uma estratégia de proteção, de permanência na chamada zona de conforto, precisamos saber que sofreremos consequências deletérias por não defender nossas posições. "A raiva é uma das emoções que as pessoas têm mais dificuldade de manifestar. Muitos enterram a agressividade durante anos e têm pavor do que pode acontecer, caso resolvam desabafar. Acham que qualquer demonstração desse sentimento vai magoar os outros", afirmam Robert Alberti e Michael Emmons no livro Como se Tornar mais Confiante e Assertivo (editora Sextante). "Engolir sapo é o mesmo que engolir a raiva, uma emoção protetora que nos avisa quando algo está errado. E ela estimula à ação. O estrago físico, emocional e mental de quem não põe isso para fora é arrasador com o passar do tempo, favorecendo diversas doenças", diz Vera. É o que também adverte o psiquiatra e psicanalista Ricardo Almeida Prado, do programa de atendimento e estudos de somatização da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Todo fenômeno que se passa com o ser humano é psicossomático, porque a psique está todo o tempo presente." Segundo ele, existem algumas doenças em que essa correlação se torna mais evidente, como alergias, asma brônquica, dermatites, síndrome do intestino irritável e fibromialgia. No entanto, ainda são poucas as pessoas que percebem essa associação. "Às vezes você sai de uma reunião com uma enorme dor de cabeça, termina um almoço com muita dor de estômago e não percebe que isso está associado ao fato de não ter se posicionado como gostaria. Quando chega em casa, pensa em tudo o que deveria ter falado e não teve coragem naquele momento. E se sente muito mal por isso", diz Denise Gimenez Ramos, psicóloga e professora titular do programa de pós-graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP.

Essa separação entre corpo e mente vem do Iluminismo. E, se por um lado permitiu um grande desenvolvimento tecnológico e científico, nos deixou como herança a dificuldade de relacionar os problemas de saúde com nossa própria história. "É muito mais fácil pensar que a doença é gerada por um problema físico, porque é como se a gente não tivesse nada a ver com aquilo. Se você pensar que ela tem uma origem psíquica, vai ter que pensar no quanto está implicado, em qual é sua responsabilidade", afirma Prado.

Que tal dizer não? Existe redenção para um contumaz engolidor de sapos? Adiantaria descontar a raiva contida, reverter a situação de desvalia e enfiar o pé na jaca? Valeria a pena aprender a reagir na mesma moeda? As respostas passam pela compreensão do conceito de assertividade. Quem é assertivo diz o que pensa com confiança e firmeza, consegue se expressar e defender suas posições de maneira afirmativa, sem perder a simpatia das pessoas. É alguém que não engole sapos - mas também não faz ninguém engolir. "Muitos acreditam que a pessoa assertiva é agressiva em situações de conflito e passiva quando não é conveniente se posicionar. Está errado, o comportamento assertivo é firme, focado na solução do problema, enquanto o não-assertivo é focado no culpado do problema", afirma Vera Martins.

Ter um comportamento nãoassertivo é sinônimo de engolir alguma coisa que não queremos, que alguém nos empurra goela abaixo. Mas por que permitimos, sem nos posicionar? Por medo. Não reagimos por receio da reprovação, da crítica. "As pessoas têm a fantasia de que se disserem ‘não’ vão perder o amor do outro. Isso é muito destrutivo, ela acaba expiando o sentimento de culpa na posição de submissão. Quando, na verdade, é o contrário: ao se posicionar, o outro percebe que existe uma pessoa, com opiniões próprias, que precisa ser considerada", diz Ricardo Prado.

Claro que, muitas vezes, é difícil ser assertivo no trabalho, por exemplo. O medo de represálias e até de perder o emprego pode falar mais alto. Sim, dentro de uma empresa existe uma hierarquia e regras que precisam ser respeitadas. Mas qual o limite disso? Como estar submetido a um determinado sistema sem perder a identidade, sem deixar de ser a pessoa que você deseja? "O assertivo avalia cada situação e decide se vale a pena se posicionar. Ele não engole sapos e sim recua estrategicamente, sentindo-se confortável na situação", afirma Vera.

Quem atura muita coisa calado acaba sendo agressivo em algum momento. Pessoas passivas no trabalho podem ser agressivas em casa, descarregando a raiva nos filhos, na mãe ou no companheiro porque se sentem mais seguras. Mesmo explodindo, acreditam que vão continuar sendo amadas. Quem recebe a agressão deve evitar reagir do mesmo jeito. "Senão vira uma guerra para ver quem humilha mais, quem pode mais. A atitude saudável é apontar para o outro a agressão e não devolver na mesma moeda", diz a psicóloga Denise Ramos.

O responsável é você Mas qual o caminho para atingir a assertividade? Como deixar para trás o comportamento passivo? Para começar, é preciso autoconhecimento. Os autores do livro Como se Tornar mais Confiante e Assertivo, Alberti e Emmons, afirmam que o treinamento para a assertividade evoluiu a partir da ideia de que as pessoas vivem melhor quando conseguem expressar o que querem e quando se sentem à vontade para dizer aos outros como gostariam de ser tratadas. "Algumas, porém, têm dificuldade para decidir o que querem da vida. Se você tem o hábito de fazer as coisas para os outros e acredita que o que deseja não é relevante, pode ser muito difícil descobrir o que realmente importa."

Também é preciso deixar de sentir culpa. Você não é culpado e sim responsável pelo que acontece em sua vida. Ninguém tem a obrigação de ler seus pensamentos se você não se posiciona. Ninguém vai adivinhar seus sentimentos enquanto você não se manifestar. Para ser assertivo é preciso, antes de mais nada, reconhecer que muitos sapos já foram engolidos. Mas talvez ajude olhar para eles de outra maneira. "Essa coisa de ver o sapo como um animal sujo, nojento, é muito do nosso país. Há lugares onde eles são adorados. Na cultura oriental, por exemplo, são tidos como portadores de boa sorte e fortuna", afirma Célio Haddad, especialista em anfíbios e professor titular do departamento de zoologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp/Rio Claro). Ele também lembra que na pele dos anfíbios existem muitas substâncias alucinógenas. "Essa é a raiz da lenda da princesa. Se você ‘beijar’ um sapo, entrar em contato com sua pele, depois de 5 minutos pode realmente ver um príncipe na sua frente."

Que tal firmar um compromisso?
Beije cada sapo que aparecer no caminho e transforme-o em um príncipe. Para cada sim dito contra a vontade, diga um não. Para cada desaforo que levar para casa, exponha suas opiniões. Assim, de sapo em sapo, você estará aprendendo a ser assertivo. Não é fácil. Mas certamente é bem menos indigesto.

Perfil do engolidor de sapos Bloqueador
Demonstra pessimismo e resistência em aceitar uma mudança, por medo de ser incompetente.

Procrastinador
Deixa tudo para depois. Sua vida é uma eterna crise, confirmando seu sentimento de incompetência.

Observador
Não se posiciona, prefere ouvir e fazer o que os outros decidem.

Amável e concordante
É educado, permissivo e concorda com tudo que o outro diz. É como se não tivesse opinião própria, pois normalmente acha a ideia do outro tão adequada que nem faz comentários.

Vítima
Reclama de tudo, coloca-se no papel de vítima, fazendo o outro se sentir culpado. Fonte: Vera Martins, especialista em medicina comportamental

domingo, 17 de julho de 2011

A doença infantil do consumismo

A doença infantil do consumismo

17 de julho de 2011 | 0h 00

Daniel Piza - O Estado de S.Paulo

Folheio um livro que minha filha de 9 anos pediu para comprar, indicado por uma coleguinha, Monster High, de Lili Harrison (sim, título em inglês, editora brasileira ID), e me espanto com o número de grifes citado por página. É uma história de meninas numa cidade que estaria sendo ocupada por monstros, algo assim. Quando um carro passa em velocidade, não é isso que lemos, mas que "um utilitário esportivo verde, BMW, passou em velocidade". Se um menino monta barraca no acampamento, somos informados de que se trata de "uma barraca cáqui da Giga Tent". Se uma bolsa é apoiada, ficamos sabendo que ela também é verde, afinal a dona leu que "o verde é o novo preto" em alguma matéria ou anúncio (quando, obviamente, se pode distinguir uma do outro nas revistas). Celebridades como Shakira, Beyoncé e Feist são enumeradas. Um figurino pode ser "punk-gracinha"; um móvel, "Calvin Klein cor de berinjela"; a echarpe, "cor de fúcsia". Celulares tocam e posts tuítam o tempo todo, qualquer pessoa com mais de 30 é "velha" e a protagonista, uma adolescente que se chama Melody e fez cirurgia plástica no nariz.

Mas pulo para o final do livro e Melody diz a um amigo que "quando temos aparência diferente e as pessoas gostam de nós do mesmo jeito, sabemos que é pelos motivos certos" - ou seja, não por serem bonitas ou estilosas, prontas para "roubar o namorado delas". Depois de 380 páginas, portanto, eis a lição: "Quero que as pessoas parem de ter tanto medo das diferenças umas das outras". Bem, isso é no mínimo desonesto: se os gostos não dependem das aparências, por que insuflar de tal modo o frenesi consumista dos leitores mirins? Não é muito diferente de um seriado de TV como Pretty Little Liars, que interessa às espectadoras muito menos pelas questões existenciais do que pelos figurinos e penteados que as bonitinhas desfilam. Na escola da minha filha, há alunas que comemoram o aniversário ganhando dos pais um passeio de limusine e que não têm uma ou duas bonecas de determinada marca americana, mas 17 delas, e ainda organizam festas exclusivas para as coleguinhas que tenham a tal boneca.

O mundo da publicidade e da moda vive de alimentar esse consumismo, claro, e não por acaso ele é dirigido cada vez mais ao mundo infanto-juvenil, apostando em crianças mimadas que vão pressionar os pais a ter o que as outras têm, o que significa que dão pouco valor ao que já têm. Também não é por acaso que adultos se comportam cada vez mais como adolescentes tardios, como garotos de bermuda que não levam a vida a sério e mal sabem articular frases banais. E para eles os estilistas criam, ou melhor, copiam camisetas com estampas de araras ou coisas do gênero; vi outro dia na TV, por sinal, um deles usando uma camiseta com desenhos que imitam aquelas infames roupas de marinheiro que antigamente os pais impunham a crianças que não tinham poder de escolha... Será que, de tanto serem tratados com propagandas "Custa apenas R$ 99,99" (nunca dizem "cem"), os cidadãos se acostumaram a ser enganados? Isso explica também a cultura do Photoshop, que transforma celebridades em deusas de cera.

Essa infantilização do consumo tem muitas consequências visíveis em nosso tempo, como a ansiedade, que faz as pessoas cada vez buscarem mais muletas emocionais para a tal autoestima (de pílulas a plásticas, de vícios a fobias, de superstições a religiões), inclusive depositando grande expectativa em relacionamentos mais virtuais que reais. Há também o que já chamei de patrulha das aparências, em que uma pessoa exibir barriguinha ou ruga é algo condenado com sarros ou olhares, levando especialmente as mulheres a injeções e aspirações que só as deixam piores, para não falar das roupas de perua ou anacrônicas. Talvez mais sério ainda, cria uma exigência financeira que apenas uma minoria pode bancar; a maioria fica devendo ao banco mesmo, comprando objetos e carros em parcelas absurdas. Por fim, o convívio inteligente é afetado, aquele que pede cultura, maturidade, simplicidade e senso de ironia. Como as grifes, as opiniões são iguais, compradas na mesma gôndola mental.


Tenho o hábito feio de dobrar a ponta das páginas de um livro enquanto o leio, para marcar passagens preferidas, até mesmo para citar em meus comentários depois. Lendo Jakob Von Gunten, que é um diário de um garoto numa escola alemã, de repente me dei conta de que tinha dobrado quase todas as páginas. Marquei passagens como a da página 75: "Quando as pessoas alcançam sucesso e reconhecimento, notamos de imediato, porque, fartas de satisfação consigo mesmas, elas se tornam quase gordas, e a força das vaidades as incha feito balões, deixando-as irreconhecíveis. Que Deus proteja um homem do reconhecimento das multidões. Quando não o arruína, ele só faz confundi-lo e drenar suas forças". Gainsbourg que o diga.

A escola se chama Instituto Benjamenta e serve para amestrar meninos que serão criados da classe alta, ou seja, serve para que saibam ser servis. Curiosidade e contestação, portanto, são defeitos morais. "Nossos olhos dirigem-se constantemente para um vazio prenhe de reflexão, o que também constitui exigência do regulamento. Na verdade, não deveríamos ter olhos, porque olhos são insolentes e curiosos, e insolência e curiosidade são dignas de reprovação, se examinadas por quase todos os pontos de vista saudáveis." Não é difícil ver por onde se deu a influência sobre Kafka.

A educação preza pelo que chama de humildade, ou seja, a ausência de pensamento independente ("Pensar é resistir", diz o narrador); o trabalho dos pedagogos é apequenar os futuros adultos: "Eu, de minha parte, serei algo bem inferior e pequeno. A sensação que me diz que assim será é tão completa e inabalável como um fato consumado. Deus meu, e ainda assim tenho toda esta coragem de seguir vivendo? Que há comigo? Muitas vezes, sinto certo medo de mim, mas não por muito tempo. Não, não, confio em mim. Mas não é isso verdadeiramente cômico?".

Pode-se dizer que essa ironia amarga tem a ver com a época, com aquela antessala fúnebre da Primeira Guerra, mas Walser tem muito a dizer sobre o mundo atual, como dizem os clássicos. Ao descrever a multidão caminhando pelas ruas da cidade, fervilhando em sua diversidade aparente, Jakob comenta: "Todos buscam, todos anseiam por riquezas e bens fabulosos. As pessoas têm pressa. Não, elas se contêm, mas a pressa, o anseio, a aflição e o desassossego rebrilham, cintilantes, nos olhos ávidos. (...) E as pessoas olham tão perdidas". Grandes escritores não dizem o que gostamos de ouvir.

Cadernos do cinema. O melhor do documentário Serge Gainsbourg, que no Brasil ganhou o subtítulo O Homem Que Amava as Mulheres, é a recusa em glamourizar o personagem. Afinal, ninguém mais fácil de glamourizar: um artista feio que teve mulheres como Juliette Gréco, Brigitte Bardot e Jane Birkin, compôs canções para elas e, com uma delas, Je t"Aime... Moi Non Plus, provocou escândalo entre os conservadores por simular som de orgasmo feminino. Gainsbourg fuma por todos os poros e é perseguido por uma caricatura de si mesmo, liberdade poética que o filme tem bom gosto de usar apenas pontualmente, para simbolizar seu complexo de inferioridade, sua paranoia resultante da origem judaica e aparência física.

Como tantos famosos, sobretudo os que ganham fama mais pela vida do que pela obra (Gainsbourg queria ser um Aznavour, mas nunca se igualou), apesar do real talento que tinha, ele passou à autodestruição, agindo de modo maluco diante dos filhos e fazendo uma provocação ridícula com a Marselhesa em reggae. E terminou com uma mulher sem um décimo da classe das citadas. O documentário faz tudo isso sem deixar de ser afetivo e informativo.

Por que não me ufano. As pessoas que diziam com toda a certeza que o acidente do voo 3054 da TAM em 2007 não tinha relação nem mesmo indireta com a crise aérea estão agora obrigadas a se retratar. O Ministério Público Federal denunciou a então diretora da Anac, Denise Abreu (a do charutão), e dois diretores da empresa aérea por imprudência e negligência. Abreu é acusada de liberar a pista inclusive para dias de chuva sem a devida inspeção; os diretores, de terem permitido o pouso e não redirecionado o avião para aeroportos mais seguros, com melhores condições de operação e margem de erro. Ou seja, os riscos eram conhecidos e a devida prevenção não foi tomada; em outros aeroportos o desfecho poderia ter sido menos trágico. A Justiça tarda e falha, mas desta vez ninguém pode sair acusando apenas o piloto de tudo.