segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Quando o latido é maior do que o cachorro

Por João Paulo da Silva

Ainda não sei dizer exatamente quanto tempo vai durar a euforia mundial em torno da eleição de Barack Obama. Talvez dure o suficiente para causar muitos estragos e desenganos entre os milhões que votaram desejando mudança. Ou não. Talvez, quem sabe, nem dure tanto tempo assim, pois as principais peças do tabuleiro de xadrez já começaram a se mexer.
Com seu neoliberalismo afiado e suas guerras assassinas, a Era Bush deixou na história uma enorme mancha de sangue, um déficit fiscal gigantesco e um recorde de impopularidade. Amargando uma rejeição de mais de 70%, o xerife texano acabou sujando demais a imagem da espoliação imperialista. Os milhões que disseram “sim” ao Barack estavam, na verdade, dizendo “não” à política representada por Bush. Não foi à toa que a campanha de Obama se apoiou no slogan de “mudança”.
Tudo o que a grande burguesia norte-americana desejava era um novo rosto para camuflar sua política de rapina pelo mundo. Precisava de alguém que pudesse segurar a crescente onda de insatisfação no planeta, alguém que criasse esperanças de dias melhores nos corações de uma infinidade de pessoas. Era preciso alguém que fizesse tudo isso, e que continuasse com os saques do imperialismo. A burguesia norte-americana encontrou no jovem, negro e carismático senador de Illinois o rosto ideal.
Entretanto, muitos podem argumentar: “Ora, mas você vai negar que a eleição do primeiro presidente negro dos EUA é um marco na história desse país?”. Não, de modo algum. Isto é inegável, sobretudo em um lugar que tem a história marcada pela desgraça do racismo. Mas o fato é que, em alguns momentos da vida, é preciso ceder um pouco para não perder tudo. O imperialismo fez uma concessão histórica ao permitir que um negro chegasse à presidência. No entanto, só o fez porque estava em jogo algo mais importante do que a cor da pele. “Negócios são negócios. E não se pode fazer uma omelete sem quebrar alguns ovos.”, imagino que estejam dizendo agora os magnatas.
De todo modo, Obama sofreu bem menos do que a maioria dos negros pobres de seu país. Formou-se em Direito em Harvard e se tornou um patrício. É um fiel defensor dos interesses capitalistas. E isso também não se pode negar. Ele e McCain foram financiados pelos mesmos senhores. O setor financeiro, por exemplo, agraciou os dois candidatos com quantias semelhantes. Os bancos, seguradoras e imobiliárias deram a McCain cerca de US$ 15 milhões. Obama recebeu US$ 16 milhões.
O que há ao redor de Obama é uma grande ilusão, em especial por parte dos trabalhadores negros e latinos. E isso é outra coisa inegável. O problema com as ilusões é que elas, além de atrasar as vidas, costumam deixar profundas decepções entre as pessoas. Obama passou toda a campanha ligando seu nome à palavra mudança. No discurso da vitória, reforçou a idéia com a frase “a mudança chegou à América”. Não há o que estranhar até aqui. Esquisito seria se ele ganhasse as eleições dizendo a verdade. Algo como “Olhem, eu sou o continuísmo! Atenção! Vou salvar os capitalistas e deixar os pobres e negros a ver navios!”. Isso, sim, seria estranho. Obama é a representação típica daquela imagem na qual o latido é maior do que o cachorro. Com promessas mentirosas e apoiado num discurso de transformação, o democrata latiu muito alto e acabou gerando ilusões. Mas, definitivamente, não é o cachorro grande que os povos oprimidos pensam que ele é.
Bush vai sair e deixar um pepino para Obama descascar. O aprofundamento da crise econômica não irá permitir titubeações. Ou se estará de um lado ou se estará do outro. E o presidente eleito nem de longe se assemelha a um vacilante. Antes mesmo de assumir a Casa Branca, já deu demonstrações do lado que escolheu. Ainda durante a campanha, enquanto milhões de famílias perdiam suas casas, Obama aprovou o plano de Bush de US$ 700 bilhões para socorrer os bancos. No que diz respeito às guerras, falou em tirar tropas do Iraque e colocar no Afeganistão, o que na prática não muda nada. Também já engrossou o discurso pra cima do Paquistão e do Irã, prometendo apontar os canhões de sua “democracia” para este último se continuar insistindo com essa história de pesquisa nuclear.
Já eleito, Obama começou a montar sua equipe de governo. Em meio aos escolhidos, alguns republicanos estão cotados para o governo. É pra acabar com essa conversa de que há diferenças entre democratas e republicanos. A confusão vai ficar mesmo é na cabeça de quem achou que a mudança havia chegado.
Mundo afora, as revistas estampam manchetes nas quais ponderam: seria Barack Obama um messias? Talvez. Mas um messias que veio para salvar apenas um dos lados, pois a história dos homens já mostrou a impossibilidade de salvar os dois. O mundo adora Obama. E o capitalismo também.