domingo, 27 de julho de 2008

OBAMA, CANDIDATO DO MUNDO, E UMA FALA DE JABOR

Reinaldo Azevedo

Se em meu ofício, ou arte severa,/ Vou labutando, na quietude/ Da noite, enquanto, à luz cantante/ De encapelada lua jazem/ Tantos amantes que entre os braços/ As próprias dores vão estreitando —/ Não é por pão, nem por ambição,/ Nem para em palcos de marfim/ Pavonear-me, trocando encantos,/ Mas pelo simples salário pago/ Pelo secreto coração deles. (Dylan Thomas – Tradução de Mário Faustino)

Sábado, Julho 26, 2008

Sempre se disse, num rasgo hiperbólico, que o presidente dos Estados Unidos é tão importante e tem tanta influência que deveria ser eleito numa espécie de pleito mundial. Pois é. Tanto Barack Obama como John McCain — e o democrata com mais sucesso — parecem querer fazer valer essa máxima. Estão interessados em conquistar o olhar estrangeiro, como a marcar o encerramento de oito anos do suposto isolacionismo de George W. Bush. Um se encontra com o presidente da Colômbia e com o dalai-lama. Outro discursa em Berlim e posa depois ao lado de Sarkozy, na França. Há, evidentemente, uma diferença brutal de carisma entre eles — o democrata, um janota negro a quem certo entusiasmo pretende atribuir virtudes redentoras, vai seduzindo milhões por onde passa.

Se eu pudesse votar, vocês sabem em quem eu votaria: em McCain. Até agora, não entendi de onde vem tanto encanto com Obama. Entendo, claro, que as esquerdas do mundo o vejam como o anti-Bush — e, pois, um suposto avesso de tudo o que faz, sei lá, a direita nojenta... Mas a verdade é que ele também não é exatamente o que dele se diz.

Admiro muita coisa em Arnaldo Jabor. Já tivemos uma conversa agradável, cordial, simpática. Mas o comentário que ele fez ontem, no Jornal da Globo, parece-me ser o emblema de uma ilusão que não é só dele. Reproduzo e comento em seguida:

“O mal sempre vence. Ou quase sempre. Mas pode ser que história, às vezes, se canse do erro e tenha espasmos de mudança. Depois de uma década do que Norman Mailer chamou de ‘tempestade de bosta’, de egoísmo, de elogio da guerra, desprezo pelos pobres, atraso mental, fundamentalismos estúpidos, pode ser que Obama seja um desejo histórico novo, não só do maior país, mas do mundo. Obama encarna os melhores temas do progresso humano, psicológicos, filosóficos, éticos. Ele representa a diferença diante do mesmo. A diferença que a razão trouxe para a humanidade e que o negro trouxe para a América. O que seria da América sem o jazz? E não é apenas a pessoa do Obama. Obama é que pode eleger uma nova América, que estava anestesiada sob os pés dos reacionários. Não só a América, mas o mundo também tem uma possibilidade de riquezas, hoje, de milagres científicos, culturais, que estão sendo subusados, esmagados pela estupidez dos velhos reacionários, como Bush e esse McCain, maquiado de democrata, mas da mesma laia. Um vento novo como Obama pode não apenas combater o mal do mundo, mas restaurar um bem perdido. Se bem que, às vezes, a gente pensa: é bom demais para ser verdade”

Essa fala de Jabor explica as 200 mil pessoas em Berlim e o sucesso que o homem faz mundo afora. Acostumamo-nos a ver o nosso comentarista e cineasta a desconstruir o óbvio. Quando ele o repete, vê-se que o faz também com talento, embora a gente sinta falta da novidade, não é? Comentarei, abaixo, trecho a trecho a sua fala. Ele agora em vermelho e eu em azul.

O mal sempre vence. Ou quase sempre. Mas pode ser que história, às vezes, se canse do erro e tenha espasmos de mudança. Depois de uma década do que Norman Mailer chamou de ‘tempestade de bosta’, de egoísmo, de elogio da guerra, desprezo pelos pobres, atraso mental, fundamentalismos estúpidos, pode ser que Obama seja um desejo histórico novo, não só do maior país, mas do mundo.
Poderia ser só força de expressão, mas não é: Jabor realmente trabalha com a idéia de que a história tem uma espécie de cérebro — irracional quase sempre, racional às vezes. Um dos mitos do pensamento de esquerda, de que, parece, ele ainda não se livrou, é o de que a história tem um sentido e se move segundo uma ética — ainda que perversa. Pensar Obama segundo essa perspectiva não deixa de ser encantador porque seríamos tentados a vê-lo como um demiurgo. Mas, infelizmente, a história não tem cérebro nem sentido predeterminado.
Não concordo que o mundo tenha vivido sob os auspícios do "desprezo pelos pobres" (o mundo nunca comeu tanto), do "elogio da guerra" (estou entre os que a consideraram necessária) ou do "atraso mental"
. Mas isso é questão de gosto. O que repudio, a aí com muita dureza, é o registro dos “fundamentalismos estúpidos”. Parece-me que Jabor esta se referindo a dois: ao islâmico, de Osama Bin Laden, e ao cristão, de George W. Bush. Aí deixa de ser questão de gosto ou de diferença de análise. No primeiro ano do governo Bush, os EUA foram vítimas de ataques planejados quando Clinton era o presidente. Ainda que os americanos tivessem ido à guerra em nome da cruz, restaria a Jabor demonstrar que o “terrorismo cristão” ameaça a estabilidade do mundo tanto quanto o islâmico. Não dá! Postas as coisas assim, terroristas e vítimas ficam em pé de igualdade moral. E eu abomino esse pensamento.

Obama encarna os melhores temas do progresso humano, psicológicos, filosóficos, éticos. Ele representa a diferença diante do mesmo.
Por quê? O que ele exibe, até hoje, além do discurso? E não faz tanta diferença, não, Jabor. Ele já recuou de sua promessa de retirar tropas do Iraque. Já falou em aumentar a presença americana no Afeganistão. Disse que, se preciso, invade até o aliado Paquistão — e aí você veria o que é, de fato, o inferno. E diz ao Irã rigorosamente o que anda dizendo George Bush. Ele só não quebrou a cara até agora porque sabe, quando necessario, representar a "mesmice diante do mesmo".

A diferença que a razão trouxe para a humanidade e que o negro trouxe para a América. O que seria da América sem o jazz?
Epa! Não seria difícil demonstrar que a razão matou tanto quanto a crença — na verdade, mais. Os maiores assassinos da história não estavam a serviço de um fundamentalismo religioso, mas de uma razão de estado. Eu não sei o que seria da América sem o jazz ou do Brasil sem o samba. O que sei é que a pele negra de Obama vem das terras tomadas pelo Islã, que é, vamos dizer, bem pouco musical...

E não é apenas a pessoa do Obama. Obama é que pode eleger uma nova América, que estava anestesiada sob os pés dos reacionários. Não só a América, mas o mundo também tem uma possibilidade de riquezas, hoje, de milagres científicos, culturais, que estão sendo subusados, esmagados pela estupidez dos velhos reacionários, como Bush e esse McCain, maquiado de democrata, mas da mesma laia.
Se eu pedisse para Jabor dizer quais são os grandes progressos da América e do mundo que aguardam Bush deixar o poder para sair da gaveta, ele certamente não conseguiria dizer. Porque inexistem. Ainda que ele me dissesse que Bush não dá dinheiro oficial, sei lá, para pesquisas com células-tronco embrionárias, a gente sabe que o país não depende do dinheiro oficial para fazer ciência — mesmo quando moralmente condenável.
Jabor gosta de Obama e não gosta de McCain. Ok. Mas não é verdade — e não é porque os fatos o desmentem — que o candidato republicano seja “da mesma laia” de Bush. Ele foi mais crítico dos desacertos da guerra no Iraque do que Obama. Só não é irresponsável o bastante para dizer que vai tirar as tropas do país neste ou naquele prazos. Porque esta será uma das promessas que Obama não vai cumprir se for eleito.


Um vento novo como Obama pode não apenas combater o mal do mundo, mas restaurar um bem perdido. Se bem que, às vezes, a gente pensa: é bom demais para ser verdade”
Isso de combater o “mal do mundo” é só flerte com o messianismo. Qual é “o” mal do mundo? McCain teria ajudado a fazer um “bem” ao mundo se sua posição — contrária ao pacote agrícola votada pelo Congresso Americano e contrária ao imposto de importação do etanol brasileiro — tivesse saído vitoriosa. Mas ele foi derrotada pelos democratas, com o voto entusiasmado de Obama, que se mostrou nada menos do que um democrata protecionista de velha estirpe.
Não tem nada de “bom demais pra ser verdade”, não. A parte de mim que pondera torce para que Obama perca a eleição. Uma outra, um tanto cínica, torce por sua vitória apenas para ver desvanecer-se uma ilusão.

Por que comento a fala de Jabor? Só para torrar a sua paciência? Não! Este seu texto está sendo redigido, com variantes de estilo e segundo o talento de cada autor, em várias partes do mundo. Nunca um político de trajetória tão curta — e um tanto controversa — despertou tantas simpatias como Obama. E jamais se cobrou tão pouco de alguém. Dele jamais se exige que diga como vai fazer isso e aquilo. Basta que diga que vai fazer. E se abre, então, um mundo de esperanças.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Escola das Américas. Lula e Chávez não são tão diferentes", afirma Wallerstein

HERANÇA MALDITA

ANA FLOR
colaboração para a Folha, em Nairóbi

A chegada ao poder das esquerdas em muitos países latino-americanos ocorreu por conta de uma perda real de poder político dos EUA. A opinião é do sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein, 76, pesquisador sênior na Universidade Yale e autor de "O Declínio do Poder Americano".

Depois de chegar ao poder, os governos de esquerda na região enfrentam o desafio de se manter no poder, o que só ocorrerá, segundo Wallerstein, se trabalharem para construir progresso social. O sociólogo compara Lula a Chávez e diz: "Eles não são tão diferentes assim". Presença assídua no Fórum Social, Wallerstein falou à
Folha, em Nairóbi, no Quênia.

FOLHA - O sr. é um freqüentador assíduo do Fórum Social Mundial. Qual o mérito do encontro?
IMMANUEL WALLERSTEIN
- Foi um feito enorme, que começou com uma iniciativa de um grupo de brasileiros, mas teve uma aceitação global porque preencheu uma necessidade de indivíduos e grupos sociais que lutam contra opressão, globalização e neoliberalismo. É o acontecimento mais importante de resistência na atualidade".

FOLHA - Como o sr. vê a situação atual da América Latina?
WALLERSTEIN
- Nós vimos, nos últimos cinco anos, o crescimento de movimentos de esquerda da América Latina, com menor simpatia e influência dos EUA. Isto não teria acontecido algum tempo atrás por causa da influência e poder dos EUA na região no passado. É desconfortável para os EUA ter tantos governos de esquerda no seu quintal. O que mudou? Não o pensamento na América Latina, nem a política dos EUA. O que mudou foi o declínio de poder político real dos EUA no mundo. A região se beneficiou da distração dos EUA em outras partes do mundo para fazer um movimento mais à esquerda. Os EUA vivem uma perda real de poder político.

FOLHA - Quais os desafios desses novos governos?
WALLERSTEIN
- O desafio atual dos governos de esquerda da América Latina é o de se sustentarem e, se quiserem se manter no poder, mostrar progresso social de verdade. Foi isso que colocou Lula numa situação difícil, as expectativas do povo e as promessas não cumpridas. Mas ele recebeu uma segunda chance. Terá de mostrar resultados reais se quiser manter seu grupo no poder. Este é o desafio em todos os países: como se manter no poder sendo de esquerda. A alternativa é que deixem de ser de esquerda, mas não é desejável.

FOLHA - Na sua opinião, o presidente Lula ainda é de esquerda?
WALLERSTEIN
- Sim, acredito que ainda é um líder de centro-esquerda. Tanto que reúne movimentos sociais --o MST o critica, mas o apóia-- e intelectuais, como Emir Sader, que é um crítico do governo, mas ainda acredita na proposta de Lula. Comparado a [Hugo] Chávez [presidente da Venezuela], Lula pode não parecer de esquerda. Mas eles não são tão diferentes. Lula fala bem de Chávez e Chávez fala bem de Lula. Por mais que outras forças tentem colocá-los em pontas diferentes, eles compartilham uma proximidade.

Em 2005, no Fórum de Porto Alegre, Chávez foi recebido por uma massa enorme da esquerda no Brasil. Ao discursar, ele disse que apesar de eles não gostarem do que iam ouvir, ele falaria que Lula era um homem bom. O público não gostou, mas Chávez fez questão de ir ao Brasil e mostrar que apóia Lula.

A "IstoÉ" que chega às bancas neste fim de semana revela que o governo Lula continuou mandando soldados para a famiferada Escola das Américas, aquela que treinou torturadores e militares de várias ditaduras latino-americanas, inclusive a brasileira, nos anos de chumbo.

Desde 2004, segundo a reportagem de Francisco Alves Filho, foram enviados, pelo menos, 15 militares.

A escola mudou de nome, mas ainda é alvo de protestos de entidades ligadas a direitos humanos mundo afora. Hoje, faz propaganda da doutrina Bush de antiterrorismo, guerra ao narcotráfico e prepara soldados latinos para a guerra no Iraque. Argentina, Bolívia, Venezuela e Uruguai, por considerá-la antidemocrática, diz a "IstoÉ", deixaram de enviar soldados para a "School of the Americas", hoje rebatizada de "Whinsec"

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