terça-feira, 15 de dezembro de 2015

84 anos, primeira consulta comigo. Articulada e atenta. Lá pelas tantas percebi que fazia uso de uma medicação antipsicótica.
– Faz tempo que a senhora usa esse remédio?
– Uns seis meses.
– E por que, exatamente?
– Meu juízo fugiu e me deixou maluquinha dentro de casa. O remédio foi atrás, trouxe ele de volta, mas de vez em quando ele ainda escapa pela janela.
– O que a senhora acha de fechar a janela?
– Dá muito certo não, doutor, porque eu não aguento ficar o tempo todo com o juízo dentro da cabeça.
Nem eu.
Olhava encartes de LPs antigos, e brinquedos. Semana passada, umas cambraias guardadas na arca de couro e  xícaras de beiço fino. A camisola bordada a mão pela avó, que a irmã vestiu no batizado, uma fotografia da árvore de natal com bolas, sinos, aladins e lâmpadas translúcidas, naquele material que, caído, estilhaçava no chão.
Não há dúvida: viver ficou mais concreto, mas a beleza perdeu filigranas.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

minha pãe




Digo sempre e reafirmo: minhas saudades são no plural. Não ligo para as regras do português. Não quando sinto o que carrego diária e a todo instante, em meu coração. Hoje, se estivesse por aqui faria 92 anos. Minha mãe, minha pãe amaaada! E como não acredito em coincidências, recebi ontem essa mensagem (desconheço a autoria) que diz um pouco de quem ela foi, é e sempre será:
“Mãe lê pensamento, tem premonição, sonhos estranhos. Conhece cara de choro, de gripe, de medo, entra sem bater, liga de madrugada, pede favor chato, palpita e implica com amigos, namorados, escolhas. Mãe dá a roupa do corpo, tempo, dinheiro, conselho, cuidado, proteção. Mãe dá um jeito, dá nó, dá bronca, dá força. Mãe cura cólica, porre, tristeza, pânico noturno, medos. Espanta monstros, pesadelos, mosquitos e perigos. Mãe tem intuição e é messiânica: mãe salva! Mãe guarda tesouros, conta histórias e tem lembranças. Mãe é arquivo! Mãe exagera, exaure, extrapola. Mãe transborda, inunda, transcende...