segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Quando o latido é maior do que o cachorro

Por João Paulo da Silva

Ainda não sei dizer exatamente quanto tempo vai durar a euforia mundial em torno da eleição de Barack Obama. Talvez dure o suficiente para causar muitos estragos e desenganos entre os milhões que votaram desejando mudança. Ou não. Talvez, quem sabe, nem dure tanto tempo assim, pois as principais peças do tabuleiro de xadrez já começaram a se mexer.
Com seu neoliberalismo afiado e suas guerras assassinas, a Era Bush deixou na história uma enorme mancha de sangue, um déficit fiscal gigantesco e um recorde de impopularidade. Amargando uma rejeição de mais de 70%, o xerife texano acabou sujando demais a imagem da espoliação imperialista. Os milhões que disseram “sim” ao Barack estavam, na verdade, dizendo “não” à política representada por Bush. Não foi à toa que a campanha de Obama se apoiou no slogan de “mudança”.
Tudo o que a grande burguesia norte-americana desejava era um novo rosto para camuflar sua política de rapina pelo mundo. Precisava de alguém que pudesse segurar a crescente onda de insatisfação no planeta, alguém que criasse esperanças de dias melhores nos corações de uma infinidade de pessoas. Era preciso alguém que fizesse tudo isso, e que continuasse com os saques do imperialismo. A burguesia norte-americana encontrou no jovem, negro e carismático senador de Illinois o rosto ideal.
Entretanto, muitos podem argumentar: “Ora, mas você vai negar que a eleição do primeiro presidente negro dos EUA é um marco na história desse país?”. Não, de modo algum. Isto é inegável, sobretudo em um lugar que tem a história marcada pela desgraça do racismo. Mas o fato é que, em alguns momentos da vida, é preciso ceder um pouco para não perder tudo. O imperialismo fez uma concessão histórica ao permitir que um negro chegasse à presidência. No entanto, só o fez porque estava em jogo algo mais importante do que a cor da pele. “Negócios são negócios. E não se pode fazer uma omelete sem quebrar alguns ovos.”, imagino que estejam dizendo agora os magnatas.
De todo modo, Obama sofreu bem menos do que a maioria dos negros pobres de seu país. Formou-se em Direito em Harvard e se tornou um patrício. É um fiel defensor dos interesses capitalistas. E isso também não se pode negar. Ele e McCain foram financiados pelos mesmos senhores. O setor financeiro, por exemplo, agraciou os dois candidatos com quantias semelhantes. Os bancos, seguradoras e imobiliárias deram a McCain cerca de US$ 15 milhões. Obama recebeu US$ 16 milhões.
O que há ao redor de Obama é uma grande ilusão, em especial por parte dos trabalhadores negros e latinos. E isso é outra coisa inegável. O problema com as ilusões é que elas, além de atrasar as vidas, costumam deixar profundas decepções entre as pessoas. Obama passou toda a campanha ligando seu nome à palavra mudança. No discurso da vitória, reforçou a idéia com a frase “a mudança chegou à América”. Não há o que estranhar até aqui. Esquisito seria se ele ganhasse as eleições dizendo a verdade. Algo como “Olhem, eu sou o continuísmo! Atenção! Vou salvar os capitalistas e deixar os pobres e negros a ver navios!”. Isso, sim, seria estranho. Obama é a representação típica daquela imagem na qual o latido é maior do que o cachorro. Com promessas mentirosas e apoiado num discurso de transformação, o democrata latiu muito alto e acabou gerando ilusões. Mas, definitivamente, não é o cachorro grande que os povos oprimidos pensam que ele é.
Bush vai sair e deixar um pepino para Obama descascar. O aprofundamento da crise econômica não irá permitir titubeações. Ou se estará de um lado ou se estará do outro. E o presidente eleito nem de longe se assemelha a um vacilante. Antes mesmo de assumir a Casa Branca, já deu demonstrações do lado que escolheu. Ainda durante a campanha, enquanto milhões de famílias perdiam suas casas, Obama aprovou o plano de Bush de US$ 700 bilhões para socorrer os bancos. No que diz respeito às guerras, falou em tirar tropas do Iraque e colocar no Afeganistão, o que na prática não muda nada. Também já engrossou o discurso pra cima do Paquistão e do Irã, prometendo apontar os canhões de sua “democracia” para este último se continuar insistindo com essa história de pesquisa nuclear.
Já eleito, Obama começou a montar sua equipe de governo. Em meio aos escolhidos, alguns republicanos estão cotados para o governo. É pra acabar com essa conversa de que há diferenças entre democratas e republicanos. A confusão vai ficar mesmo é na cabeça de quem achou que a mudança havia chegado.
Mundo afora, as revistas estampam manchetes nas quais ponderam: seria Barack Obama um messias? Talvez. Mas um messias que veio para salvar apenas um dos lados, pois a história dos homens já mostrou a impossibilidade de salvar os dois. O mundo adora Obama. E o capitalismo também.

sábado, 25 de outubro de 2008

Por que Lula acordou na crise

24/10/2008



Três motivos levaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a acordar em relação à crise econômica internacional e os seus efeitos sobre o Brasil.

Na viagem internacional da semana passada, quando visitou cinco países em três continentes, Lula viu que a crise tinha atravessado não apenas o Atlântico, mas também o Índico e o Pacífico. Ou seja, era global mesmo.

Ouviu na Índia, segundo auxiliares, que o país já sentia efeitos na economia real. A Índia é um dos países emergentes que mais crescem no mundo. Na visita de um ano antes, Lula encontrara uma nação muito confiante no cenário econômico. O cenário agora é outro.

De volta ao Brasil, Lula teve contato com o segundo dos motivos que o fizeram abandonar o tom otimista e assumir uma avaliação pública mais realista.

O setor financeiro brasileiro fora vendido ao presidente como sólido, mas essa informação estava parcialmente incorreta. Ele ficou sabendo que há, sim, riscos pontuais. Medidas já adotadas pelo Banco Central haviam surtido pouco efeito. Pequenos bancos estavam sofrendo muito, e poderia sobrar até para instituição de grande porte.

Ou seja, confusão no sistema financeiro neste momento, quando o crédito começa a destravar, seria um tiro no pé do crescimento econômico do ano que vem.

O terceiro motivo tocou na alta popularidade. Empresas da chamada economia real fizeram chegar ao governo que poderiam viver fortes problemas no segundo semestre de 2009. Essas companhias empregam muita gente. Tudo o que Lula não deseja é uma onda de desemprego na virada de 2009 para 2010, seus dois últimos anos no poder. O petista espera deixar o Palácio do Planalto com boa avaliação e sonha eleger a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, como sucessora.

Reunidos, os três motivos explicam a rápida edição da medida provisória 443, articulada no intervalo d e uma semana. Essa MP tem alcance mais amplo do que medidas adotadas em países ricos. O governo brasileiro não possui a munição dos EUA nem da Inglaterra, mas criou um instrumento legal que permite aos bancos oficiais se tornar sócios de qualquer empresa brasileira em dificuldade.

A MP 443 é uma medida pontual que vale por um pacote.

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Maré baixa e maré alta

A medida provisória 443 tem sido chamada de MP da estatização. Mas Lula foi bem claro. Se necessário, vai usar os bancos oficiais para comprar participação acionária de empresas, sobretudo da economia real. No entanto, deseja vender tais ações na maré alta e mostrar que usou dinheiro público de forma responsável.

Ressalva: eventuais compras do Banco do Brasil no setor financeiro que reforcem o cacife da instituição do ponto de vista estratégico poderão ser definitivas.

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Em ondas

Um integrante do governo Lula que participou das crises na administração FHC fez um alerta importante ao Palácio do Planalto. Crises internacionais acontecem em ondas. Por isso, o governo não deveria baixar a guarda e achar que o Brasil sofreria apenas uma marola.

Kennedy Alencar, 40, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.Também é comentarista do telejornal "RedeTVNews", no ar de segunda a sábado às 21h10.

E-mail: kalencar@folhasp.com.br

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O que é preciso para ser candidato

Jolivaldo Freitas

O que leva uma pessoa a se candidatar a prefeito de uma cidade, de qualquer porte, é algo a se pensar com muita atenção. O candidato deve ter algum tipo de desvio, não é possível que assim não seja. Em sã consciência, quem gostaria de ser comparado a juiz de futebol ou gastar um dinheirão para se eleger, sabendo que não vai receber de volta e que por mais que se esforce não vai agradar a todos.
O candidato é uma figura digna de estudo dos mais renomados psicólogos lá do Mont Serrat, que disputam com os profissionais da Boa Viagem o cetro de melhores cérebros da Cidade Baixa. Um candidato para conseguir voto bebe na mesma caneca do banguela. Aceita tomar café em copo com o fundo sujo e cheio de borra. Almoça várias vezes no mesmo dia e come de buchada de bode a meninico de carneiro, sem direito a fazer cara feia, mesmo sendo vegetariano.
O candidato come comida sem sal, come comida com muito sal. Come feijoada fria e toma cerveja quente. Come em lata de goiabada fazendo a vez de prato, e tira um cochilo no colchão de onde o dono da casa expulsa Rex e suas pulgas. Aperta mão de cotó, beija criança remelenta e chama de “minha linda” menina que de tão feia o espelho arrebenta. Bate pênalti ou dá o primeiro chute em torneio de futebol dentro do curral.
Para piorar tem de dar bom dia a maluco, abraço no bêbado e acenar para os desconhecidos, como se fossem amigos de infância. Tem sempre de estar com uns trocados no bolso, pois sempre vai aparecer aquela mãe com a criança no colo pedindo dinheiro pro remédio ou para comprar leite e aproveitar para falar mal do marido ausente.
Candidato bom vai a velório de quem não conhece, nunca ouviu falar e nem sabe quem é, faz discurso tão tocante que até mesmo ele acredita e chora de verdade, deixando filhos e viúva abestalhados de ver e ouvir e vaidosos pela presença tão ilustre num momento de dor. È preciso mostrar que é macho e, portanto, tem de subir no lombo do jegue e participar da corrida. Tem de matar um boi para acalmar a fome dos acólitos. Tem de conviver dentro de casa com todo tipo de gente, que o chama pelo nome, come o que tem no fogão, bebe o que tem na geladeira e ainda mexe com suas filhas. Caras que nunca viu na vida, mas candidato não pode fechar as portas.
Coisa ruim de agüentar é carregar nos braços afilhado da hora, e ali mesmo, ter de comprar o enxoval do bebê, pois não basta o candidato ser compadre. Tem de participar. Pior é quando seguram em seu braço e à voz pequena alguém, garante no pé do ouvido, que soube de boca pequena que ele está eleito. E pede um adjutório. Muitos garantem ter milhares de votos e na hora do vamos ver nem ele votou no candidato. Mas não deixou de pegar uma graninha para a gasolina.
Candidato tem de participar de debate em escolinha, vendo que a diretora da escola está feliz com sua presença e a criançada esperando o sinal de ir embora. É preciso ajudar a bater laje, mesmo sabendo que vai ter de se encher de antiinflamatório para diminuir as dores da hérnia de disco. Tem de pisar na lama e pular cerca. Tem de subir escadas que vão dar no céu e enfrentar cachorro vira-lata. Não pode esquecer de chamar todo mundo pelo nome. Candidato bom tem de ter boa memória.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

CONTABILIDADE DELIRANTE

Severino Francisco



As Olimpíadas de Pequim terminram, mas os jornais e sites continuam realizando uma contabilidade delirante sobre a relação entre os investimentos do país nos chamados esportes amadores e o número de medalhas obtidas. Numa conta digna do Chapeleiro Maluco, de Alice no país das maravilhas, alguns jornalistas argumentam que o Brasil teria investido R$ 654,7 milhões, logo cada medalha custaria R$ 50,4 milhões. Suponhamos que você tenha cinco filhos se preparando para o vestibular e gastou, durante um ano, R$ 60 mil reais. Ao final do ano, só três passaram pela triagem do vestibular, portanto, cada filho aprovado custou R$ 20 mil reais.
Enquanto isso, as questões verdadeiramente relevantes não entram na pauta e escapam de nossa atenção. Somente vozes isoladas e lúcidas têm clamado no deserto para lembrar que o ranking que deveria efetivamente nos preocupar era o da educação, da saúde e distribuição de renda. Uma dessas vozes é a do Juca Kfouri e a outra é a do senador Cristovam Buarque. Juca acha que, em vez de ficarmos ressabiados, nós deveríamos dar graças aos deuses pelo fato do Brasil ter ganho só três medalhas de ouro. O Brasil precisa é associar uma política de esporte a educação, saúde e inclusão social. As medalhas são apenas conseqüência. Ele lembra que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cada dólar investido em esporte economiza três em saúde.

Se não me engano, no ano passado,
um grupo de uma das torcidas organizadas do Corinthians visitou o campo aonde os jogadores treinavam e fez a ameaça: “Ô meu, nossa alegria de fim de ano depende de vocês. Vocês não podem perder porque senão nós vamos sofrer gozações da torcida do Palmeiras”. Que pobreza de espírito! É assim que nós estamos nos relacionando com o esporte. Nós queremos transferir e purgar todas as nossas frustrações históricas no futebol ou nos esportes olímpicos. Em vez de espaço para aprender a ganhar, perder e superar, o esporte se degradou em campo para o exercício do ódio.

Por isso, em respeito ao seu amor pelo futebol
, o cantor Lobão decidiu se desconectar completamente dos estádios, da televisão e do Flamengo. Não agüentou mais ver a camisa do seu time invadida pela logomarca do patrocinador, um torcedor do Flamengo querendo matar o outro só porque este torcia para o Vasco, os jogadores saindo na revista Caras e virando pagodeiros mauricinhos: “Logo eles compram um carro Mitsubishi e se envolvem em um desastre igual às duplas de música sertaneja. Depois, um faz a carreira solo e o outro a carreira subsolo”.

Com certeza, existe uma relação entre a deterioração dos esportes e a ausência de uma política de educação. Somente 12% das escolas brasileiras contam com uma quadra de esportes. Enquanto isso, o que rouba a cena é a discussão se os brasileiros “amarelam” ou não na hora da decisão. As meninas do vôlei deram uma bela lição do esporte como espaço de educação, superação, aprendizagem com os revezes. E sem perder a singularidade brasileira.
Francamente, não tenho inveja nenhuma daqueles e daquelas robôs programados para sentirem a emoção na hora certa. Foi sensacional as meninas do vôlei mandando beijos para a avó, a tia e a mãe depois da vitória. É isso que nós não podemos perder. Está tudo virado de cabeça para baixo. O ranking que nós não podemos perder é o da educação, da saúde, da inclusão social e do trabalho.


sábado, 2 de agosto de 2008

O MUNDO JÁ NÃO É MAIS O MESMO


Autor desconhecido.


O mundo já não é mais o mesmo há muito tempo. O chavão popular, repetido pelos mais velhos naquela singela comparação, "no meu tempo era melhor", nunca vestiu tão perfeito tal qual uma luva como em 2008., "os dias passam voando" - a sensação de que vivemos o século XXI nunca foi tão presente. A velocidade domina o cotidiano com uma sucessão de pequenos dramas, grandes tragédias, momentos ternos, palavras doces, outras nem tanto. Entre quedas, empurrões e arranhões, aos trancos e barrancos, regado a lágrimas ou iluminado em sorrisos, lá se vai 2008

E as promessas de ano novo? Para alguns o mundo prometeu ser um "tiquinho" mais leve, outro "tantinho" mais lento, que é para dar tempo de contemplar.

Olhando para o álbum de fotografias (digital, lógico), do ano velho, cenas que, à primeira vista, parecem, jamais serão esquecidas. Com certeza serão, dentro de mais um ano, talvez dois, depende do grau de apego de cada um às suas lembranças. O certo, certíssimo mesmo, é que, quando começar a faxina do armário e a limpeza do corpo e da alma para esperar 2009, os fatos de 2008 aparecerão meio descoloridos, esquálidos e espremidinhos lá nos recônditos da memória, sufocados pelo excesso de informação que 2009, ainda nem nascido, já traz na bagagem.

"O que passou, passou". Outro chavão? Aaaaah, mas assim fica fácil escrever um texto que se pretende um abre alas para a retrospectiva de 2007. De chavão em chavão se faz um editorial. Mas, neste ano veloz, em que a TV Digital engatinha no Brasil, nada vai passar assim tão depressa. Talvez, a faxina para liberar espaço no disco rígido e receber 2010, opa, avancei demais no tempo, "rebubina a fita", para receber 2009, precise de doses generosas de sal grosso, litros de alfazema e caixas com tampas resistentes para guardar momentos que, lá vai um chavão: "ficarão marcados na história".

E de 2007?

Dá para esquecer que a Fonte Nova desabou? Naquela que já é considerada uma das piores tragédias do esporte baiano, talvez até nacional? E o estoicismo de D. Luiz Flávio Cappio, 23 dias seguidos sem botar um naco de pão na boca, tudo em prol de levar a Bahia e o resto do Brasil a refletir sobre a faraônica obra de transposição do rio São Francisco? Com certeza os livros de história vão guardar registros, nem que seja num cantinho de pé de página, do embate entre as vontades do bispo e do presidente Lula. Nessa queda de braço compassada pelas contas do rosário, ganhou a vontade do presidente.

Alguém vai conseguir esquecer que 2007 foi o ano das tragédias aéreas? Caiu avião da TAM, caiu avião na Tailândia, caiu boeing na Nigéria, caiu bimotor na Bahia. Dois: um em Maracangalha - coitado de Caymmi, ainda bem que ele não vai mais lá e se for, que não vá de avião - e outro pertinho, ali mesmo no aeroporto internacional de Salvador.

Que a voz de "Tutto" Pavarotti não vai mais embalar as propagandas de cartão de crédito e carro do ano, vocês lembram? E que Boris Yeltsin se foi, levando com ele os ecos de uma era? E os artistas e músicos e bailarinos e cineastas e jogadores de futebol, heim? Paulo Autran, Nair Belo, Maurice Bejárt, Ingmar Bergman, o meia Cléber... todos deixam uma lacuna futuramente preenchida pelas “promessas da nova geração”.

Dá para ignorar o mico presidencial assistido em cadeia nacional pelo mundo todo? “Por que no te calas”. De um lado o rei Juan Carlos, investido de toda a sua antiqüíssima majestade espanhola. Do outro, Hugo Chávez, um homem que consegue misturar de uma só vez as qualidades de herói do povo e pedra no sapato, sem falar na chatice, porque Chávez é uma mala.

Outro contêiner pesado em 2007, George Bush, que merece o troféu Sem Noção de Ouro. Na boca do presidente americano só falta ouvirmos a frase celebrizada pelo ratinho do desenho animado: “Amanhã faremos o que fizemos hoje, tentar dominar o mundo Pink”.

Mas, como diz um amigo meu, repetindo a frase já passada de boca em boca à exaustão por milhares de brasileiros: “A Copa de 2014 é nossa”. Se o caneco virá, aguerridamente conquistado nos gramados nacionais, só o futuro sabe. Mas ao sonhar com 2014, ao planejar os estádios de 2014, ao construir os hotéis de 2014, ao escolher o uniforme canarinho de 2014, não estamos avançando no futuro e trazendo-o para cá, para seis anos antes, para o nosso presente?

Pois então, que 2008 passe para a história da memória coletiva mundial como o ano em que os ponteiros do tempo endoidaram e o século XXI desfilou inteirinho bem diante dos nossos incrédulos olhos.

domingo, 27 de julho de 2008

OBAMA, CANDIDATO DO MUNDO, E UMA FALA DE JABOR

Reinaldo Azevedo

Se em meu ofício, ou arte severa,/ Vou labutando, na quietude/ Da noite, enquanto, à luz cantante/ De encapelada lua jazem/ Tantos amantes que entre os braços/ As próprias dores vão estreitando —/ Não é por pão, nem por ambição,/ Nem para em palcos de marfim/ Pavonear-me, trocando encantos,/ Mas pelo simples salário pago/ Pelo secreto coração deles. (Dylan Thomas – Tradução de Mário Faustino)

Sábado, Julho 26, 2008

Sempre se disse, num rasgo hiperbólico, que o presidente dos Estados Unidos é tão importante e tem tanta influência que deveria ser eleito numa espécie de pleito mundial. Pois é. Tanto Barack Obama como John McCain — e o democrata com mais sucesso — parecem querer fazer valer essa máxima. Estão interessados em conquistar o olhar estrangeiro, como a marcar o encerramento de oito anos do suposto isolacionismo de George W. Bush. Um se encontra com o presidente da Colômbia e com o dalai-lama. Outro discursa em Berlim e posa depois ao lado de Sarkozy, na França. Há, evidentemente, uma diferença brutal de carisma entre eles — o democrata, um janota negro a quem certo entusiasmo pretende atribuir virtudes redentoras, vai seduzindo milhões por onde passa.

Se eu pudesse votar, vocês sabem em quem eu votaria: em McCain. Até agora, não entendi de onde vem tanto encanto com Obama. Entendo, claro, que as esquerdas do mundo o vejam como o anti-Bush — e, pois, um suposto avesso de tudo o que faz, sei lá, a direita nojenta... Mas a verdade é que ele também não é exatamente o que dele se diz.

Admiro muita coisa em Arnaldo Jabor. Já tivemos uma conversa agradável, cordial, simpática. Mas o comentário que ele fez ontem, no Jornal da Globo, parece-me ser o emblema de uma ilusão que não é só dele. Reproduzo e comento em seguida:

“O mal sempre vence. Ou quase sempre. Mas pode ser que história, às vezes, se canse do erro e tenha espasmos de mudança. Depois de uma década do que Norman Mailer chamou de ‘tempestade de bosta’, de egoísmo, de elogio da guerra, desprezo pelos pobres, atraso mental, fundamentalismos estúpidos, pode ser que Obama seja um desejo histórico novo, não só do maior país, mas do mundo. Obama encarna os melhores temas do progresso humano, psicológicos, filosóficos, éticos. Ele representa a diferença diante do mesmo. A diferença que a razão trouxe para a humanidade e que o negro trouxe para a América. O que seria da América sem o jazz? E não é apenas a pessoa do Obama. Obama é que pode eleger uma nova América, que estava anestesiada sob os pés dos reacionários. Não só a América, mas o mundo também tem uma possibilidade de riquezas, hoje, de milagres científicos, culturais, que estão sendo subusados, esmagados pela estupidez dos velhos reacionários, como Bush e esse McCain, maquiado de democrata, mas da mesma laia. Um vento novo como Obama pode não apenas combater o mal do mundo, mas restaurar um bem perdido. Se bem que, às vezes, a gente pensa: é bom demais para ser verdade”

Essa fala de Jabor explica as 200 mil pessoas em Berlim e o sucesso que o homem faz mundo afora. Acostumamo-nos a ver o nosso comentarista e cineasta a desconstruir o óbvio. Quando ele o repete, vê-se que o faz também com talento, embora a gente sinta falta da novidade, não é? Comentarei, abaixo, trecho a trecho a sua fala. Ele agora em vermelho e eu em azul.

O mal sempre vence. Ou quase sempre. Mas pode ser que história, às vezes, se canse do erro e tenha espasmos de mudança. Depois de uma década do que Norman Mailer chamou de ‘tempestade de bosta’, de egoísmo, de elogio da guerra, desprezo pelos pobres, atraso mental, fundamentalismos estúpidos, pode ser que Obama seja um desejo histórico novo, não só do maior país, mas do mundo.
Poderia ser só força de expressão, mas não é: Jabor realmente trabalha com a idéia de que a história tem uma espécie de cérebro — irracional quase sempre, racional às vezes. Um dos mitos do pensamento de esquerda, de que, parece, ele ainda não se livrou, é o de que a história tem um sentido e se move segundo uma ética — ainda que perversa. Pensar Obama segundo essa perspectiva não deixa de ser encantador porque seríamos tentados a vê-lo como um demiurgo. Mas, infelizmente, a história não tem cérebro nem sentido predeterminado.
Não concordo que o mundo tenha vivido sob os auspícios do "desprezo pelos pobres" (o mundo nunca comeu tanto), do "elogio da guerra" (estou entre os que a consideraram necessária) ou do "atraso mental"
. Mas isso é questão de gosto. O que repudio, a aí com muita dureza, é o registro dos “fundamentalismos estúpidos”. Parece-me que Jabor esta se referindo a dois: ao islâmico, de Osama Bin Laden, e ao cristão, de George W. Bush. Aí deixa de ser questão de gosto ou de diferença de análise. No primeiro ano do governo Bush, os EUA foram vítimas de ataques planejados quando Clinton era o presidente. Ainda que os americanos tivessem ido à guerra em nome da cruz, restaria a Jabor demonstrar que o “terrorismo cristão” ameaça a estabilidade do mundo tanto quanto o islâmico. Não dá! Postas as coisas assim, terroristas e vítimas ficam em pé de igualdade moral. E eu abomino esse pensamento.

Obama encarna os melhores temas do progresso humano, psicológicos, filosóficos, éticos. Ele representa a diferença diante do mesmo.
Por quê? O que ele exibe, até hoje, além do discurso? E não faz tanta diferença, não, Jabor. Ele já recuou de sua promessa de retirar tropas do Iraque. Já falou em aumentar a presença americana no Afeganistão. Disse que, se preciso, invade até o aliado Paquistão — e aí você veria o que é, de fato, o inferno. E diz ao Irã rigorosamente o que anda dizendo George Bush. Ele só não quebrou a cara até agora porque sabe, quando necessario, representar a "mesmice diante do mesmo".

A diferença que a razão trouxe para a humanidade e que o negro trouxe para a América. O que seria da América sem o jazz?
Epa! Não seria difícil demonstrar que a razão matou tanto quanto a crença — na verdade, mais. Os maiores assassinos da história não estavam a serviço de um fundamentalismo religioso, mas de uma razão de estado. Eu não sei o que seria da América sem o jazz ou do Brasil sem o samba. O que sei é que a pele negra de Obama vem das terras tomadas pelo Islã, que é, vamos dizer, bem pouco musical...

E não é apenas a pessoa do Obama. Obama é que pode eleger uma nova América, que estava anestesiada sob os pés dos reacionários. Não só a América, mas o mundo também tem uma possibilidade de riquezas, hoje, de milagres científicos, culturais, que estão sendo subusados, esmagados pela estupidez dos velhos reacionários, como Bush e esse McCain, maquiado de democrata, mas da mesma laia.
Se eu pedisse para Jabor dizer quais são os grandes progressos da América e do mundo que aguardam Bush deixar o poder para sair da gaveta, ele certamente não conseguiria dizer. Porque inexistem. Ainda que ele me dissesse que Bush não dá dinheiro oficial, sei lá, para pesquisas com células-tronco embrionárias, a gente sabe que o país não depende do dinheiro oficial para fazer ciência — mesmo quando moralmente condenável.
Jabor gosta de Obama e não gosta de McCain. Ok. Mas não é verdade — e não é porque os fatos o desmentem — que o candidato republicano seja “da mesma laia” de Bush. Ele foi mais crítico dos desacertos da guerra no Iraque do que Obama. Só não é irresponsável o bastante para dizer que vai tirar as tropas do país neste ou naquele prazos. Porque esta será uma das promessas que Obama não vai cumprir se for eleito.


Um vento novo como Obama pode não apenas combater o mal do mundo, mas restaurar um bem perdido. Se bem que, às vezes, a gente pensa: é bom demais para ser verdade”
Isso de combater o “mal do mundo” é só flerte com o messianismo. Qual é “o” mal do mundo? McCain teria ajudado a fazer um “bem” ao mundo se sua posição — contrária ao pacote agrícola votada pelo Congresso Americano e contrária ao imposto de importação do etanol brasileiro — tivesse saído vitoriosa. Mas ele foi derrotada pelos democratas, com o voto entusiasmado de Obama, que se mostrou nada menos do que um democrata protecionista de velha estirpe.
Não tem nada de “bom demais pra ser verdade”, não. A parte de mim que pondera torce para que Obama perca a eleição. Uma outra, um tanto cínica, torce por sua vitória apenas para ver desvanecer-se uma ilusão.

Por que comento a fala de Jabor? Só para torrar a sua paciência? Não! Este seu texto está sendo redigido, com variantes de estilo e segundo o talento de cada autor, em várias partes do mundo. Nunca um político de trajetória tão curta — e um tanto controversa — despertou tantas simpatias como Obama. E jamais se cobrou tão pouco de alguém. Dele jamais se exige que diga como vai fazer isso e aquilo. Basta que diga que vai fazer. E se abre, então, um mundo de esperanças.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Escola das Américas. Lula e Chávez não são tão diferentes", afirma Wallerstein

HERANÇA MALDITA

ANA FLOR
colaboração para a Folha, em Nairóbi

A chegada ao poder das esquerdas em muitos países latino-americanos ocorreu por conta de uma perda real de poder político dos EUA. A opinião é do sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein, 76, pesquisador sênior na Universidade Yale e autor de "O Declínio do Poder Americano".

Depois de chegar ao poder, os governos de esquerda na região enfrentam o desafio de se manter no poder, o que só ocorrerá, segundo Wallerstein, se trabalharem para construir progresso social. O sociólogo compara Lula a Chávez e diz: "Eles não são tão diferentes assim". Presença assídua no Fórum Social, Wallerstein falou à
Folha, em Nairóbi, no Quênia.

FOLHA - O sr. é um freqüentador assíduo do Fórum Social Mundial. Qual o mérito do encontro?
IMMANUEL WALLERSTEIN
- Foi um feito enorme, que começou com uma iniciativa de um grupo de brasileiros, mas teve uma aceitação global porque preencheu uma necessidade de indivíduos e grupos sociais que lutam contra opressão, globalização e neoliberalismo. É o acontecimento mais importante de resistência na atualidade".

FOLHA - Como o sr. vê a situação atual da América Latina?
WALLERSTEIN
- Nós vimos, nos últimos cinco anos, o crescimento de movimentos de esquerda da América Latina, com menor simpatia e influência dos EUA. Isto não teria acontecido algum tempo atrás por causa da influência e poder dos EUA na região no passado. É desconfortável para os EUA ter tantos governos de esquerda no seu quintal. O que mudou? Não o pensamento na América Latina, nem a política dos EUA. O que mudou foi o declínio de poder político real dos EUA no mundo. A região se beneficiou da distração dos EUA em outras partes do mundo para fazer um movimento mais à esquerda. Os EUA vivem uma perda real de poder político.

FOLHA - Quais os desafios desses novos governos?
WALLERSTEIN
- O desafio atual dos governos de esquerda da América Latina é o de se sustentarem e, se quiserem se manter no poder, mostrar progresso social de verdade. Foi isso que colocou Lula numa situação difícil, as expectativas do povo e as promessas não cumpridas. Mas ele recebeu uma segunda chance. Terá de mostrar resultados reais se quiser manter seu grupo no poder. Este é o desafio em todos os países: como se manter no poder sendo de esquerda. A alternativa é que deixem de ser de esquerda, mas não é desejável.

FOLHA - Na sua opinião, o presidente Lula ainda é de esquerda?
WALLERSTEIN
- Sim, acredito que ainda é um líder de centro-esquerda. Tanto que reúne movimentos sociais --o MST o critica, mas o apóia-- e intelectuais, como Emir Sader, que é um crítico do governo, mas ainda acredita na proposta de Lula. Comparado a [Hugo] Chávez [presidente da Venezuela], Lula pode não parecer de esquerda. Mas eles não são tão diferentes. Lula fala bem de Chávez e Chávez fala bem de Lula. Por mais que outras forças tentem colocá-los em pontas diferentes, eles compartilham uma proximidade.

Em 2005, no Fórum de Porto Alegre, Chávez foi recebido por uma massa enorme da esquerda no Brasil. Ao discursar, ele disse que apesar de eles não gostarem do que iam ouvir, ele falaria que Lula era um homem bom. O público não gostou, mas Chávez fez questão de ir ao Brasil e mostrar que apóia Lula.

A "IstoÉ" que chega às bancas neste fim de semana revela que o governo Lula continuou mandando soldados para a famiferada Escola das Américas, aquela que treinou torturadores e militares de várias ditaduras latino-americanas, inclusive a brasileira, nos anos de chumbo.

Desde 2004, segundo a reportagem de Francisco Alves Filho, foram enviados, pelo menos, 15 militares.

A escola mudou de nome, mas ainda é alvo de protestos de entidades ligadas a direitos humanos mundo afora. Hoje, faz propaganda da doutrina Bush de antiterrorismo, guerra ao narcotráfico e prepara soldados latinos para a guerra no Iraque. Argentina, Bolívia, Venezuela e Uruguai, por considerá-la antidemocrática, diz a "IstoÉ", deixaram de enviar soldados para a "School of the Americas", hoje rebatizada de "Whinsec"

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quinta-feira, 19 de junho de 2008

UM TOQUE NOS PODRES PODERES


RUTH DE AQUINO

(Redatora chefe da revista Época)


Somos uns boçais, ou não? Na semana que passou, eu me senti assim. O escrúpulo foi nocauteado no ringue do ultimate fighting. Senti o golpe baixo quando o Tribunal Superior Eleitoral voltou a permitir candidatos com ficha suja em 2008. Depois, me aplicaram um CSS na virilha. O juiz não viu. E querem me obrigar a assumir a conta social da inflação. Para deixar Lulalá feliz e dar mais 10% aos bravos lutadores que vivem de Bolsa-Família. Cadê as regras do jogo? O jogo eleitoral, não a briga de galos.

Fiquei aturdida quando ninguém quis enfrentar o deputado peso pesado Álvaro Lins, do PMDB. Lins, para quem não sabe, foi chefe da Polícia Civil do ex-governador Garotinho, do Rio de Janeiro. Pode ser cassado por formação de quadrilha, corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo a máfia de caça-níqueis. Pode e não pode. Seus bens foram confiscados. Eram nove os deputados do Conselho de Ética listados para relatar o processo contra Lins. Um a um, foram fugindo. Quem ficou com a tocha ética na mão é um ex-vereador de Itaboraí, no Rio, candidato a prefeito da cidade, médico e deputado estadual do PSC. Ah, ele foi a favor da libertação de Lins na primeira prisão em flagrante. Quem sabe Lins vai acabar como o operador do mensalão, Marcos Valério? Este foi condenado na semana passada a dois salários mínimos de multa e trabalhos comunitários. Lins deve estar morrendo de medo.

O que Lins tem a ver com as calças? E com os fundilhos rotos aceitos pelo TSE? E com a nova e matreira CPMF? E com a cesta básica do PT?

Vamos lá, se alguém engolir sopa de números. Estamos em ano eleitoral. No primeiro trimestre de 2008, a economia cresceu. O governo, guloso, gastou 5,8% a mais. Para cobrir esses gastos, os impostos aumentaram 8%. Nos primeiros quatro meses, o governo arrecadou R$ 33,6 bilhões a mais. Quase tanto quanto os R$ 40 bilhões da falecida CPMF. A inflação subiu. Quem vai fechar essa conta? Quem, além de arcar com a carga tributária (36% do PIB), vai dar um extra para a saúde, vai colocar R$ 1 bilhão a mais por ano de alimento na mesa dos pobres? Nós, os contribuintes beneficentes.

Em ano eleitoral, o governo aumentou o Bolsa-Família, criou
outro imposto e quer nos obrigar a pagar a conta

Como bradou Caetano Veloso, será que essa nossa estúpida retórica terá de soar, terá de se ouvir por mais zil anos?

O prefeito do Rio, Cesar Maia, incansável pesquisador e consultor virtual, cita um importante jurista anônimo para revelar algo incrível: os crimes de que o deputado Álvaro Lins é acusado teriam sido cometidos antes de seu mandato. Portanto, a Assembléia não poderia julgar Lins. Porque não teria havido quebra de decoro parlamentar. “Basta ver”, continua o sagaz Cesar Maia, “as listas de parlamentares com problemas de diversos tipos publicados na imprensa”.

Voltamos assim à briga de galos. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu na terça-feira, por quatro votos a três, que políticos respondendo a processos criminais estão livres para disputar eleições. Desde que não tenham sido condenados em instância final. Já era assim. Mas os brasileiros, otimistas, achavam que as regras mudariam para melhor nas eleições municipais deste ano. Porque presunção de inocência não vale para simples mortais.

O que vale para mim, para você, o que vale para quem busca emprego na vida real não faz muito sentido para o vale-tudo político. Currículo, referências, ficha pregressa. Se houver alguma suspeita contra uma empregada doméstica, babá, um motorista, operário, professor, jornalista, administrador, a ficha é considerada suja. As regras do mercado são implacáveis. Para disputar cargo público, aí o sujeito pode tudo.

Queria muito aproximar o meu cantar vagabundo daqueles que velam pela alegria do mundo. Quem sabe o Senado derrube a CSS como inconstitucional? Quem sabe os tribunais regionais eleitorais se rebelem para exigir ficha limpa de candidatos? Quem sabe se julgue direito Álvaro Lins? Na moral.

É um toque. Lula não acabou de dizer que nada substitui o toque?

terça-feira, 13 de maio de 2008

Maconha: a perigosa passeata


Publicada em 16/04/2008 às 13h17m

Por Milton Corrêa da Costa

A anunciada passeata do dia 4 de maio no Arpoador, no Rio, em favor da liberação da maconha, constitui uma perigosa ameaça à nossa juventude. Almejando mostrar a sociedade que é possível viver num (falso) "mundo colorido", sob o pretexto da liberdade desenfreada e de enfraquecer o poder do tráfico, alguns dependentes irão propor, mais uma vez, a liberação da maconha.

Três conseqüências advirão de tal permissividade: a diminuição do estigma social, a redução do preço e o aumento do consumo. Uma porção de maconha custará o mesmo que um saquinho de chá e em qualquer esquina ou no pátio de uma escola não haverá problema em fumar um baseado. Imaginem um piloto de avião que resolve, antes do vôo, fazer uso de maconha ou cheirar cocaína?

Liberar a droga significa escancarar, ainda mais, a perigosa porta de entrada para o caminho da destruição, por onde ingressarão mais e mais jovens. O resultado na Holanda não foi dos mais promissores. Cerca de 5 mil dos 25 mil dependentes lá existentes são responsáveis pela metade dos crimes leves. O uso da maconha subiu 400% em razão da liberação.

Os altos impostos que pagamos com o tratamento de vítimas do alcoolismo e do tabagismo no Brasil já seria um bom exemplo para inviabilizar tal proposta. Drogas não agregam valores nem desenvolvem talentos. O uso de drogas, além dos danos físicos e psicológicos, causa o dano social com a chamada "síndrome amotivacional", onde as atividades esportivas, os estudos e o trabalho são seriamente afetados. O consumo de cocaína, comprovadamente, causa danos irreversíveis ao cérebro. A maconha, segundo a pesquisadora americana Karen Bola, que visitou o Brasil no ano passado, causa a perda de memória.

A maconha e o álcool são a porta de entrada para outras drogas, principalmente nas chamadas festas "rave", onde jovens de classe média perdem a vida por consumo excessivo de ecstasy, a exemplo do que ocorreu em outubro passado, num evento em Itaboraí, no Rio, com o jovem Lucas Amendola Maiorano, de apenas 17 anos. Todo o cuidado é pouco. Os pais devem estar, portanto, permanentemente alertas sobre a mudança de comportamento dos filhos. Se o jovem conhecesse os males da droga antes do consumo, certamente que não a usaria. Quem se ama não se droga.

Milton Corrêa é tenente coronel da PMERJ na reserva

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segunda-feira, 24 de março de 2008

Mierda, no. Poca mierda”

Janio Lopo

Editor de Política
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Matéria do jornalista Luciano Reis Porto, no blog Pimenta na Muqueca, confirma que somos, verdadeiramente, na visão dos espanhóis, “ um país de mierda.” Até bem pouco tempo, eles nos aprisionavam e nos deportavam a partir das dependências de seus aeroportos. Em alguns casos, davam-nos pontapés na bunda ainda quando estávamos dentro do avião.
O vexame era localizado. Agora, não. A perseguição a brasileiro, como se persegue cachorro com raiva, passou a ser em locais públicos. Óbvio que as nossas autoridades de Brasília não sabem de nada. Primeiro, porque representações diplomáticas brasileiras na Espanha (e na maioria dos outros países) servem apenas para participar de eventos sociais. Segundo, parece que a assessoria do presidente Lula (e o próprio) fazem questão de não ler jornais, pois dão trabalho e só trazem notícias ruim do ponto do vista do Planalto. Tudo bem, já começo a me acostumar que o meu país é mesmo um país de “mierda”, como já nos rotularam os espanhóis. Pô, mas pelo menos que eles dêem menos ênfase a expressão e passem a nos considerar um país de pouca” mierda”. Leia o material produzido por Porto:
“Como se sabe, a Espanha recrudesceu o seu controle sobre os brasileiros que chegam ao país. Já é mais de 1.000 o número de barrados no Aeroporto Internacional de Barajas (Madri) nestes três primeiros meses do ano. É mais de um terço dos retidos em todo o ano de 2007 - algo em torno de 3.000 pessoas, segundo o Consulado Geral do Brasil em Madri.
Mas, como se não bastassem o extremado e injustificável endurecimento das autoridades espanholas, os reiterados relatos de vexações, humilhações, maus-tratos; como se não bastasse a ocorrência de situações que beiram ao cárcere privado, uma vez que pessoas estão passando horas e horas trancadas, sem comunicação e sem comida e água...agora parece que começou uma verdadeira caça às bruxas!
Na noite do último dia 17 de março, autoridades do serviço de imigração, acompanhadas por uma dezena de policiais armados de metralhadora, foram à porta da Sala Macumba, em Madri, local do show dos cantores brasileiros Edson e Hudson, passar em revista todo e qualquer brasileiro que adentrava no recinto. Exigiam, sob pena de detenção, a apresentação de documentos.
As pessoas, extremamente constrangidas, foram obrigadas a passar longo tempo nas filas, sob o frio, e se submeterem a mais esse ato vexatório.
Sabendo que esse tipo de controle não é rotina, paira já entre os brasileiros uma certa sensação de medo e insegurança: o que era supostamente apenas rigidez no combate à imigração legal, parece ter se convertido em intimidação, em intolerância, em perseguição e ameaça para com um coletivo específico de imigrantes.
E o que é pior: tudo isso está aparecendo e se revelando como uma política de Estado. O caráter oficial dessas ações é o mais preocupante. Não é possível dizer em que medida isso é ou não retaliação ao Brasil, em virtude da decisão do governo de aplicar o princípio da reciprocidade no tratamento dos espanhóis que chegam ao nosso território. Se for, estamos, mais uma vez, diante de um fato que não se ajusta às boas relações que Espanha e Brasil sempre tiveram, relações essas baseadas no respeito à soberania e livres de ranços imperialistas ou colonialistas.
De qualquer forma, urge ações concretas por parte do governo brasileiro a fim de restabelecer a normalidade dessa situação”.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Não estou mais, DIVIDINDO O QUE LEIO PARA MULTIPLICAR OPINIÕES

QUANDO CRIEI ESTE BLOG, IMAGINEI QUE PODERIA FACILITAR A COMUNICAÇÃO ENTRE AS PESSOAS MAIS PRÓXIMAS, TROCAR OPINIÕES, PROMOVER QUESTIONAMENTOS, ENFIM, MOVIMENTAR CONHECIMENTOS. ESQUECI QUE O FATO SIMPLESMENTE DE QUERER NÃO SIGNIFICARIA QUE COM UM MUNDO DE INFORMAÇÕES COMO O DISPONÍVEL NA INTERNET , O DESEJO DE UM AUTODIDATA NÃO PODERIA ESTIMULAR AS PESSOAS A ACESSAR EXATAMENTE ESTA PÁGINA. RECONHECENDO ESTA SITUAÇÃO EM TEMPO, ESTA É A ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO DE “ BEM-TE-VI”.

ESTE BLOG, PASSA A SER APENAS UM ARQUIVO PESSOAL, FAREI MEUS REGISTROS AQUI E ACABAREI DE VEZ COM A PAPELADA NA MINHA SACOLA CINZA, ARQUIVO EXTENSO DE INFORMAÇÕES DESTACADAS QUE ENCONTRO POR AÍ. PELO MENOS MINHA ESPOSA NÃO RECLAMARÁ MAIS DO ACÚMULO DE TANTO PAPEL.

A nossa cultura vai mal, e a nossa civilidade ainda pior.

Estamos falando da cultura segundo a antropologia, que avalia a totalidade de padrões aprendidos e desenvolvidos pelo ser humano . Costuma-se definir um bom nível de conhecimentos como “mais cultura” já para a sociologia, desenvolvimento cultural é ver um mundo como um todo, saber apreciar uma ópera e também rituais de uma tribo.

Não concordo com quem chama de cultura elitista, a formação esmerada e dedicada de algumas pessoas, ao tempo em que reconheço que no lado prático já não é lá muito interessante ser diferenciado pelos conhecimentos amplos se na hora da troca, o saldo e bem negativo. Sempre senti vontade de saber muito, diante de dificuldades me restou admirar algumas figuras com inteligência acima da média, destacando-se assim, na política, na literatura, na música, no teatro e também na televisão.

“Entre as coisas que me surpreendem e humilham, figura esta, fundamental, que é a cultura de meus amigos e conhecidos. Não só a cultura no sentido clássico, mas também o conhecimento imediato das coisas e fatos que lhe estão sob os olhos no dia-a-dia da existência. Quem está a meu lado sempre leu mais livros do que eu, conhece mais política do que eu, já esteve em mais países do que eu, já teve mais casos sentimentais do que eu, estudou mais do que eu, praticou e pratica mais esportes. Paro e me pergunto que fiz dos meus anos de vida. Já fui atropelado e sofri alguns acidentes, como explosão, queda e afogamento. Mas entre os acidentados não estou na primeira fila. Tenho vários amigos que já caíram de avião, outros de cavalo, alguns sofreram pavorosos desastres de automóveis, um esteve preso num armário enquanto uma casa (não a dele, é claro!) se incendiava, outro ajudou a salvar o navio Madalena em meio a tremendas ondas que ameaçavam arrebentar sua lancha a todo momento.

Que fiz eu de minha vida? Em matéria de cultura encontro imediatamente quinhentas pessoas, só entre as que eu conheço, que sabem mais línguas do que eu, leram mais, falam melhor e mais logicamente, conhecem mais de teatro e citam com precisão escolas filosóficas, afirmando que tal pensamento pertence a esta e contradiz aquela. Que fiz eu? De esportes ignoro tudo, não sei sequer contar os pontos de vôlei, só assisti até hoje a uma partida de pólo, nunca joguei futebol e quando vou ver esses jogos desse esporte, só consigo reconhecer os jogadores mais famosos. Esqueço o nome de todos, e no domingo seguinte já não sei mais o escore da partida a que assisto neste. Nado mal, corro pedras, jamais consegui me levantar num esqui aquático, não guio lancha, joguei golfe uma vez, tênis seis meses, não entendo de velejar (o que já me causou uma grande humilhação diante de esportivíssimas americanas de quinze anos que me conduziram num passeio lá na terra delas), e, em matéria de mares, nunca lhes sei os ventos e fico parvo com o senso de direção de muitos e muitos de meus amigos que jamais supus tomassem nada de brisa e tufões. Guio, mas o motor de meu carro é para mim um mistério indevassável. Sei apenas abrir o capô e contemplar a máquina, atitude metafísica que até hoje não pôs carro algum em marcha.

Seria eu então um homem dedicado á cultura propriamente dita, aos livros, ao estudo, ao amor da leitura e do pensamento? Não, pois meu pensamento é confuso e minha leitura parca. Conheço homens, dos que não vivem de escrever, que pensam muito melhor do que eu e leram muito mais, sem contar os especialistas, que conhecem livro pelo cheiro.

Entre os que viajam também não sou dos que tenham viajado mais. Com o agravante de que nunca sei bem onde estou, não conheço a distância que vai de Roma a Paris, nem sei se Marselha está ao Sul ou ao Norte da Itália. Fico boquiaberto quando vejo amigos meus apontarem estátuas e falarem sobre os personagens que elas representam com uma facilidade com que falariam de si próprios. Mesmo o conhecimento de nomes, pessoas e fatos adquiridos em viagens eu o esqueço em três semanas. Mas não adianta o leitor querer me consolar, dizendo que talvez eu seja um bonvivã, porque nunca o fui dos maiores, tendo minha vida sido conduzida sempre numa certa disciplina, necessária a quem veio de muito longe. Donde o amigo poderá concluir então que eu sou um trabalhador infatigável, um esforçado, um detonado. E isso também não é verdade porque, com raras exceções, nunca trabalhei demasiadamente e cada vez procuro trabalhar menos, numa conquista ao mesmo tempo prática e filosófica. Bebo? Bebo mal e ocasionalmente. Não sei quando a bebida é boa ou falsificada. Não sei o nome dos vinhos mais triviais e sempre me esqueço qual é o restaurante em que eles fazem um prato que certa vez eu adorei. Por mais jantares a que tenha ido e por melhores alguns lugares que tenha freqüentado, devo sempre esperar que alguém se sirva na minha frente para não pegar o talher errado e o copo idem. Além do que não como muito, nem tenho nenhuma particular predileção por comer. Gosto então da vida calma, sou um praticante da meditação e do ioga? Nunca dos que mais o são. Por outro lado a extrema agitação também não me é familiar.

Que fiz da minha vida? Quando há um acidente de rua, vem-me o pavor de tomar partido, pois nunca tenho realmente a convicção do lado certo. Se fala o mais poderoso eu sou inclinado a ficar de seu lado por uma tendência a defender os que hoje são mais comumente acusados de todos os males, vítimas do tempo. Se fala o mais humilde sinto-me inclinado a defendê-lo por um ancestralismo que me faz seu irmão, por idéias arraigadas que fazem com que todo homem queira lutar instintivamente pelo mais fraco. Por quê? Não sei. Sou bom de guardar nomes, caras, datas? Já disse que não. Sempre esqueço o nome dos conhecidos e troco o dos amigos mais íntimos num fenômeno parifásico que só a loucura mesma explicaria ou então a bobeira nata que Deus me deu. E política meu conhecimento chega ao máximo de saber que o Sr. Lula pertence ao PT, Fernando Henrique ao PSDB, e creio que há alguns outros partidos também. Mas mesmo essas convicções não são inabaláveis e, se alguém me pegar desprevenido e fizer dessas letras e nomes outras combinações, lá vou eu a aceitá-las, embrulhado e tonto, até que outro interlocutor crie para mim novas combinações e novas confusões.

Mas peguem um puro e simples crime e eu nunca sei quem matou a empregada e em meu peito jamais se chegou a criar uma suspeita sólida a respeito do poeta de Minas. Isso, aliás é o máximo a que vou – sei que houve um crime em Minas Gerais, alguém matou alguém. O morto não está na lista de minhas lembranças, não sei de quem se trata. Sei que o indiciado assassino é um poeta, vi sua cara barbada e meio calva em muitos jornais e revistas. Mas meus conhecidos sabem de tudo. As mulheres de meus conhecidos então nem se fala. Que fiz eu de minha vida? – me pergunto de novo, honestamente, com a surpresa e a amargura com que o Senhor perguntava: “Caim, que fizeste de teu irmão?” Pois boêmio não sou, embora tenha gasto milhares de noites solto pelas ruas. Mas os boêmios me consideram um arrivista da boemia assim como os homens cultos me consideram um marginal da cultura. E os esportistas a mesma coisa com relação aos parcos esportes que pratico. Todos com carradas de razão.

E nem a maior parte do meu tempo foi gasta em conquistas amorosas, pois nesse terreno o Porfírio Rubirosa, se me conhecesse, me olharia com o mesmo desprezo com que me olham conhecidos galãs nacionais.

Dessa mente confusa, dessa existência confusa, dessas mal-traçadas-linhas de viver creio que só resta mesmo uma conclusão a que durante anos e anos me recusei por orgulho e vergonha – sou, por natureza e formação, um humorista

.

( Millôr Fernandes. Publicada no livro AS CEM MELHORES CRÔNICAS BRASILEIRAS


Fui atraído na Internet a participar de uma página bem intencionada com o nome de “Cultura Assimilada” com a intenção de trazer a discussão uma nova perspectiva de cultura. Pois bem, fiquei curioso e interessado, mas logo me decepcionei. Pobre de quem criou a comunidade e pobre de mim simples autodidata, um sonhador.

Ouvi uma senhora lamentando na fila do supermercado: “Cultura não é mais importante”. Importante é, mas estamos aprendendo a viver sem ela.

“A noção de nação , por exemplo, não nos é inata. Sem educação, é bem possível que um indivíduo não consiga se identificar com nada mais abrangente que sua família, ou grupo de amigos,” Outras coisas que achamos que nascemos com, mas na verdade são habilidades adquiridas são a capacidade de raciocínio lógico e pensamento crítico. De maneira alguma nascemos com eles. Pode-se argumentar que nascemos com a capacidade de adquiri-los, assim como nascemos com a capacidade de falar, mas não nascemos sabendo uma língua. Aprender a falar português e a raciocinar criticamente e logicamente são habilidades duramente conquistadas, a troco de grande trabalho que se estende por anos.

Paralelo a um curso superior se atrela a formação do cidadão, antes da formatura seria preciso aprender a viver em sociedade. É tanta gente se achando expressões, sem humildade, mas que de segunda a sexta não muda uma vírgula da realidade.


“Se todos os reitores das nossas universidades prestassem vestibular, seriam reprovados. Porque eles esqueceram. E fizeram isso porque são burros? Não. Eles fizeram isso porque são inteligentes. Porque a memória não carrega coisas que não têm função. Também seriam reprovados os professores universitários e os dos cursinhos só passariam na própria disciplina..

Eu seria reprovado. Tudo foi perdido. Já a caixa dos brinquedos está cheia de objetos que não servem para nada. Não há formas de usá-los como ferramentas. Lá estão a poesia de Fernando Pessoa, as sonatas de Mozart, as telas de Monet, pores-de-sol, beijos, perfumes, coisas que apenas nos dão felicidade. Assim se resume a educação.

Na Idade Média, época em que surgiu, a Universidade era o centro do saber. Para ela se dirigiam aqueles que queriam adquirir sabedoria, palavra que não tinha nenhuma relação com conhecimento técnico ou prático. A fama de ser o centro do saber é, talvez, o único resquício da instituição em nosso tempo. Todo o resto se perdeu. .


UMA DISCUSSÃO INTERESSANTE ENTRE DOIS EDUCADORES;

OPINIÃO A : De fato, para que serve saber números complexos, que os holandeses invadiram Olinda em 1630, balancear equações químicas ou saber o que José de Alencar escreveu há mais de 150 anos num português que nem se usa mais?

OPINIÃO B:. É preciso saber nossa história, como viemos a ser, qual nosso lugar na história mais abrangente da humanidade, que idéias formaram nossa cultura. Então, sim, é importante para você se sentir e ser brasileiro, saber que os holandeses invadiram Olinda e o que José de Alencar escreveu, porque essas coisas ajudaram a formar e compõem nossa nação até hoje. Mesmo que o português escrito por Alencar não seja mais usado, ou que um aluno ache o enredo de Iracema mais chato que o filme do Homem-aranha, é preciso conhecer suas idéias, sua linguagem, porque elas são a base do que temos hoje, no centro da nossa nação, da qual você, queira ou não, faz parte.


Que confusão!

Saindo desse caminho , entrando noutra vereda, nos encontramos com os “sensacionais” da mídia. Tanta gente se achando padrão, falando com uma autoridade, ocupando espaços gigantescos, enfim , ganharam a batalha.

Já se passaram alguns anos da afirmação de Henrique Mohr:

“A televisão já se perdeu totalmente na ganância pelo poder e lança para a massa telespectadora uma cultura de alienação social.”


Meu ceticismo não é para ser levado a sério, às minhas posições faltam, como disse Raimundo Freire, angulação científíca. Ainda mais que estou desistindo das “buscas” das pesquisas pelo “bom saber” e indo de encontro do “simples” da pedra mais ou menos bruta em começo de lapidação, nem por isso menos interessante.

Sempre fiz um esforço para me informar da melhor maneira possível, descobrir por que às vezes predomina-se o “sim” outras o “não” e ainda as “interrogações”. Indo neste caminho me senti solitário. Não adiantou provocar em ocasiões pertinentes, a troca de idéias, não prestaram atenção nem para opinar. Quando a contragosto entram na conversa é para desmanchar o que é evidente.

Tenho que fazer justiça a condição de bem informada e da cultura bem utilizada da minha esposa, demonstrada ora como ouvinte, noutras dialogando e ainda contestando, direito legítimo de quem tem opinião bem formada.

Chega de conversa. Depois de aposentado, fora os minutos de leitura, vou ao encontro de Timba cognome de José Arlindo, de Zé Eduardo, de Manoel de Tó e outros, caboclos de conversa fácil e boa, na sombra das minhas fruteiras. Verei as notícias na televisão, sem me envolver muito, convencido que me faltam forças para entrar numa luta desigual com minha única arma , o voto. Se achatarem demais o meu benefício de aposentado, os meus pés de aipim me socorrerão a custo zero. Vou me matricular, prestar mais atenção à vida do homem do mato, é como bem disse um certo blogueiro:

“Eu ando muito cansado de ver, por exemplo, aquele tal de Alemão do BBB. Cansei de ver que continuam a valorizar a ignorância, o nada, o vazio que ele representa. Cansei de ver que continuam a valorizar aqueles notáveis que nenhuma contribuição efetiva trazem ao planeta. Alguns, inclusive, estão se dizendo cansados. Cansei de axé, de pagode e de sertanejo de baixo nível. Cansei de acompanhar tantos campeonatos de futebol e cansei de esperar a novela acabar para o jogo começar.

Cansei de ter celular que ora funciona, ora não funciona. Cansei de ter uma internet que ainda cai. Cansei de ter de engolir pacotes de tevês fechadas. Cansei de falar com operadores de telemarketing. Cansei do gerúndio. A lista é enorme e continua nas próximas semanas.

A saber: vamos fazer encontros semanais em algum lugar para protestar sobre essas e demais coisas que nos cansam sobremaneira?”

Nem disso eu quero saber......

FUIIII!!!!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A INUTILIDADE DAS LEIS


Peter Kropotkin


A um exame atento, as milhares de leis que existem para regular a humanidade parecem estar divididas em três categorias principais: proteção da propriedade, proteção dos indivíduos, proteção do governo. E analisando cada uma destas categorias, chegamos a uma única e inevitável conclusão lógica e necessária: a inutilidade e perniciosidade das leis.

Os socialistas sabem o que significa proteção da propriedade. As leis que regulam a propriedade não foram criadas para garantir, nem ao indivíduo nem à sociedade o gozo do produto do seu trabalho. Pelo contrário, elas foram criadas para despojar o produtor de uma parte daquilo que ele produziu e para garantir a outras pessoas a posse daquela porção do produto que foi roubado, ou do produtor em particular ou da sociedade em geral. Quando, por exemplo, a lei assegura ao Senhor Fulano de Tal o direito sobre uma casa, ela não está estabelecendo seu direito sobre uma casinha que ele mesmo tenha construído, ou a um prédio erguido com a ajuda de alguns amigos. Se fosse assim, seus direitos nem seriam questionados. Mas pelo contrário, a lei está estabelecendo seus direitos sobre uma casa que não é fruto do seu trabalho, em primeiro lugar porque ele a fez construir por outros, aos quais nem sequer pagou o preço justo pelo trabalho realizado e, depois, porque a casa representa um valor social que ele não poderia ter produzido para si. A lei, no caso, está estabelecendo o seu direito a algo que pertence a todas as pessoas em geral e a nenhuma em particular. A mesma casa construída nos confins da Sibéria não teria o mesmo valor que tem numa cidade grande e, como sabemos, este valor é o resultado de cerca de 50 gerações de homens que construíram a cidade, embelezaram-na, dotando-a de água e gás, belas avenidas, universidades, teatros, lojas, vias férreas e estradas que levam a todas as direções. Assim, ao reconhecer os direitos do Sr. Fulano a uma determinada casa em Paris, Londres ou Rouen, a lei está lhe reservando, injustamente, certa porção do produto do trabalho da humanidade, como um todo. E é precisamente porque essa apropriação - e todas as outras formas de propriedade que tenham as mesmas características - é uma injustiça gritante que são necessários todo um arsenal de leis e um exército de soldados, policiais e juízes para mantê-las contra o bom senso e o sentimento de justiça inerentes à humanidade.

A metade das nossas leis - o código civil de cada país - não serve a qualquer outro propósito senão o de manter esta apropriação, este monopólio em benefício de determinados indivíduos em detrimento de toda a humanidade. Três quartos das causas julgadas pelos tribunais não são nada mais do que disputas entre monopolistas - dois ladrões lutando pela posse do produto de seus roubos. E muitas das nossas leis criminais têm o mesmo objetivo em vista, tendo sido criadas para manter o trabalhador numa posição de subordinação em relação ao patrão, proporcionando a segurança necessária para que a exploração continue.

Quanto a garantir ao produtor o produto do seu trabalho, não há qualquer lei que ao menos tente fazê-lo, já que isso é algo tão simples, tão natural, de tal modo integrado aos usos e costumes da humanidade, que o Direito nem sequer cogitou disso. O banditismo às escancaras, com espada na mão, não é uma característica da nossa época. Nem jamais dois trabalhadores chegam a disputar o produto do seu trabalho. Se têm um desentendimento, eles o resolvem chamando uma terceira pessoa, sem que haja necessidade de recorrer à lei. O único ser capaz de arrancar de outro o produto do seu trabalho é o proprietário que interfere sempre para ficar com a parte do leão. Quanto à humanidade em geral, ela em toda a parte respeita o direito de cada um àquilo que ele mesmo criou, sem recorrer a qualquer lei especial.

Como todas as leis sobre propriedade, que enchem grossos volumes de Códigos de Direito e fazem as delícias de nossos advogados, não têm qualquer outro objetivo senão o de proteger a apropriação injusta, garantir que certos indivíduos se apropriem indevidamente do trabalho de outros seres humanos, não há nenhuma razão que justifique a sua existência. No dia da Revolução, os revolucionários sociais estão firmemente decididos a acabar com todas elas. E na verdade, nada mais justo do que fazer-se uma grande fogueira ao ar livre lançando nela todas as leis que tratassem dos assim chamados "direitos de propriedade", todos os títulos de propriedade, todos os registros e escrituras: em uma palavra, tudo aquilo que tivesse qualquer ligação com uma instituição que logo será vista como uma nódoa da humanidade, tão humilhante quanto a escravidão ou o servilismo de outras épocas.

As observações que acabamos de fazer a respeito das leis sobre a propriedade poderiam ser aplicadas também à segunda categoria de leis: aquelas destinadas a manter os governos, ou seja, as leis constitucionais. É outra vez um arsenal de leis, decretos, disposições, decisões de conselhos e o que mais houver, criados com o fim de proteger as diversas formas de governo, seja ele representativo, delegado ou usurpado, sob cujo tacão a humanidade se contorce. Sabemos bem - e os anarquistas não cansam de demosntrá-lo em suas eternas críticas contra as várias formas de governo - que a missão de todos os governos, monárquicos, constitucionais ou republicanos, é proteger e manter através da força, os privilégios das classes dominantes - a aristocracia, o clero e os comerciantes. Mais de um terço de todas as leis que existem - a cada país tem milhares delas que regulam os impostos, as taxas, a organização dos departamentos ministeriais e suas repartições, as Forças Armadas, a Polícia, a Igreja, etc. - não tem qualquer outro objetivo senão manter, remendar e desenvolver a máquina administrativa. E esta máquina, por sua vez, funciona quase que exclusivamente para proteger os privilégios da classe dominante. Analise estas leis, observe-as em ação no dia-a-dia e descobrirá que nenhuma delas merece ser preservada.

Sobre estas leis não pode haver duas opiniões diversas - não apenas os anarquistas como os radicais mais ou menos revolucionários concordam que a única coisa a fazer com as leis que tratam da organização dos governos seria arremessá-las ao fogo.

Resta considerar a terceira categoria, aquela que diz respeito à proteção dos indivíduos e ao combate e prevenção do "crime", a mais importante delas, já que a maior parte dos preconceitos a ela estão vinculados; porque, se desfruta de uma certa consideração especial, é em conseqüência da crença de que este tipo de lei é absolutamente indispensável à manutenção da segurança em nossas sociedades.

Essas leis, criadas a partir das práticas mais úteis às comunidades humanas, foram mais tarde aproveitadas pelos governantes como um dos meios para justificar sua própria dominação. A autoridade dos chefes das tribos, das famílias mais ricas da cidade e do rei dependia da função de juízes que desempenham o mesmo nos nossos dias: sempre que é discutida a necessidade da existência de um governo é o seu papel como juíz supremo que está sendo posto em questão. "Se não houvesse governo, os homens acabariam por destruir-se uns aos outros" - diz o orador da aldeia. "O principal objetivo de todos os governos é assegurar a cada acusado o direito de ser julgado por doze homens honestos", afirmou Burke. Pois bem, apesar de todos os preconceitos que ainda existem em torno do tema, já é tempo de que os anarquistas declarem, em alto e bom som, que esta categoria de lei é tão inútil e injuriosa quanto as precedentes.

Em primeiro lugar, quanto aos assim chamados "crimes" - assaltos contra pessoas - é sabido que pelo menos 2/3 e freqüentemente 3/4 deles são instigados pelo desejo de apossar-se da fortuna alheia. Esta imenas classe de "crimes e delitos" desaparecerá no dia em que a propriedade privada deixar de existir. "Mas - dirão alguns - se não tivermos leis para contê-los e castigos para detê-los, sempre haverá bandidos para tentar contra a vida de seus semelhantes, que levarão a mão à faca em todas as lutas nas quais se envolverem e vingarão a mais insignificante ofensa com a morte". Este refrão é repetido sempre que se põe em dúvida o direito que a sociedade tem de punir os criminosos.

Entretanto, há um fato relacionado a este assunto que hoje já foi suficientemente provado: a severidade da pena não diminui a quantidade de crimes. Enforque e esquarteje os criminosos se quiser, e o número de crimes continuará igual. Elimine a pena de morte e não terá um crime a mais, eles diminuirão até. As estatísticas o provam. Mas se a colheita for boa, o pão barato e fizer bom tempo, o número de crimes cairá imediatamente. Isso também pode ser provado pelas estatísticas. A quantidade de crimes sempre aumenta ou diminui em proporção direta aos preços dos alimentos e ao estado do tempo. Não que a fome seja a causa de todos os crimes. Não é este o caso. Mas se a colheita é boa, e os alimentos podem ser comprados a um preço acessível quando o sol brilha, os homens, de coração mais leve e menos infelizes que de costume, não se entregam a paixões sombrias, nem mergulham a faca no peito de seu semelhante por motivos banais.

Além do mais, é também sabido que o medo do castigo nunca impediu que qualquer crime fosse cometido. Aquele que mata seu vizinho por vingança ou miséria, não pensa muito nas conseqüências; e houve, até hoje, bem poucos assassinos que não estivessem firmemente convencidos de que não deveriam ter sido acusados.

Não falando de uma sociedade em que o homem receberá uma educação melhor, em que o desenvolvimento de todas as suas faculdades e a possibilidade de exercê-las irá proporcionar-lhe tantas alegrias que ele não procurará envenená-las com remorsos - mesmo numa sociedade como a nossa, mesmo com estes tristes produtos da miséria que hoje vemos entre o povo das grandes cidades. No dia em que os criminosos não sofrerem mais qualquer castigo, o número de crimes não aumentará e é extremamente provável que, pelo contrário, sofra o decréscimo por criminosos reincidentes, homens que a prisão embruteceu.

Somos continuamente lembrados dos benefícios que a lei confere e dos efeitos benéficos do castigo, mas terão aqueles que nos falam tentado alguma vez fazer um balanço entre os benefícios atribuídos às leis e castigos e os efeitos degradantes que esses castigos tiveram sobre a humanidade? Tente calcular todas as perversas paixões que os atrozes castigos infligidos em nossas ruas despertaram na humanidade. O homem é o animal mais cruel que existe na face da terra. E quem terá estimulado e desenvolvido esses instintos cruéis, desconhecidos mesmo entre os macacos, senão o rei, o juíz e os padres apoiados em leis que permitiam que a pele fosse arrancada em tiras, o breu fervente derramado sobre as feridas, os membros arrancados, os ossos esmagados, os homens despedaçados para que sua autoridade fosse mantida? Tente avaliar a torrente de depravação libertada entre a sociedade humana pela política de delação encorajada pelos juízes e paga em dinheiro vivo pelos governos, a pretexto de auxiliar na descoberta de "crimes". Basta apenas que entre nas prisões e veja no que se transforma um homem privado da liberdade e encerrado com outros seres depravados, mergulhados no vício e na corrupção que escorre das próprias paredes das nossas prisões. Basta lembrar que, quanto mais reformas sofrem estas prisões, mais detestáveis se tornam. Nossas modernas prisões-modelo são mil vezes mais abomináveis do que as masmorras da Idade Média. Finalmente, basta lembrar da corrupção e depravação que existem entre os homens, alimentadas pela idéia da obediência - que é a própria essência da lei - da punição; da autoridade arrogando-se o direito de punir, de julgar sem considerar nem a nossa consciência, nem a estima de nossos amigos; da necessidade de que hajam carrascos, carcereiros e informantes - em uma palavra, de todos os atributos da lei e da autoridade. Pense em tudo isto e certamente concordará conosco quando afirmamos que uma lei que inflige punições é uma abominação que deveria deixar de existir.

Povos sem organização politica e, portanto, menos depravados do que nós entenderam perfeitamente que o homem a quem chamam de "criminoso" é simplesmente um infeliz; que a solução não é açoitá-lo, acorrentá-lo ou matá-lo no cadafalso ou na prisão, mas ajudá-lo como a um irmão, dispensando-lhe um tratamento baseado na igualdade e nos costumes em vigor entre os homens honestos. Na próxima revolução, esperamos que o grito de guerra seja: "Queimem as guilhotinas, destruam as prisões, expulsem os juízes, os policiais e os informantes - a raça mais imunda que existe sobre a face da terra; tratem como a um irmão o homem que foi levado pela paixão a praticar o mal contra seu semelhante; e, sobretudo, retirem dos ignóbeis produtos da ociosidade da classe média a possibilidade de exibir seus vícios sob cores atraentes, e estejam certos de que apenas uns poucos crimes violnetos virão perturbar a nossa sociedade".

Os principais incentivadores do crime são a ociosidade, a lei - leis que regem a propriedade, o governo, as punições e os delitos - e a autoridade que toma a seu cargo a criação e aplicação destas leis.

Chega de leis! Chega de juízes! Liberdade, igualdade e solidariedade humana são as únicas barreiras efetivas que podemos opor aos instintos anti-sociais de alguns seres que vivem entre nós.

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Referência da fonte: KROPOTKIN, Peter. A inutilidade das leis. In: WOODCOCK, George. Os grandes escritos anarquistas, 2 ed. Tradução de Júlia Tettamanzi e Betina Becker. Porto Alegre: L & PM Editores, 1981, pág. 101-6.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

A CPI que tinha (quase) tudo para não dar certo


Carlos Azevedo

Ela cumpriu seu papel e, com toda a certeza, não acabou em “pizza”

A CPI da Câmara dos Deputados sobre a crise no futebol tinha pouca chance de dar certo. A iniciativa do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) foi recebida com incredulidade. A disparidade de forças era imensa: de um lado, o deputado de um partido com sete parlamentares na bancada; de outro, o todo-poderoso Ricardo Teixeira, presidente da CBF, virtual “dono” do futebol brasileiro, montado nos milhões da CBF, que usa como se fossem seus; e mais o séquito de dirigentes de federações e de clubes, de empresários e jornalistas que “comem em suas mãos”. Sem esquecer a “bancada da bola”, formada por algumas dezenas de deputados federais e senadores que defendem a CBF no Congresso e em troca recebem ajuda financeira (ilegal, diga-se) para suas campanhas eleitorais.

Gargalhadas na Embaixada da CBF em Brasília
No início de 1999, quando Aldo Rebelo começou a colher assinaturas para a CPI para analisar a regularidade do contrato entre a CBF e a NIKE, houve sonoras gargalhadas na “Embaixada da CBF” em Brasília, na mansão alugada pela CBF e que custou 660 mil reais em despesas só em 2000. Ali, em partidas de futebol, festas concorridas, bem servidas de comidas, bebidas e outras atrações, parlamentares e cartolas confraternizavam e punham-se ao dispor do magnata da CBF. Desde 1998 era a sede da “bancada da bola”.
Para surpresa dos cartolas, Aldo conseguiu o número necessário de assinaturas. A reação foi imediata. Líderes dos grandes partidos pressionaram suas bancadas para retirar as assinaturas. A certa altura, a luta parecia inglória: a cada assinatura conquistada, duas eram retiradas. Mas Aldo conseguiu 206 (são necessárias 171) e seu pedido de abertura da CPI foi acolhido pela Mesa da Câmara.
Como havia conseguido? Algum cochilo da maioria parlamentar. Ricardo Teixeira continuou desdenhando: como uma CPI poderia investigar os negócios de duas empresas privadas? (ele achava que a CBF era uma empresa privada). Aos jornalistas dizia com arrogância que Aldo era um deputado desconhecido querendo aparecer. Mandou Zagallo e Wanderley Luxemburgo enviarem cartas ao Congresso dizendo que na seleção não sofriam ingerência da Nike e, portanto, a CPI era desnecessária.
Desencadeou-se uma campanha contra a CPI, de tal forma que Michel Temer, então presidente da Câmara, resolveu dá-la como extinta. Aldo avisou-o de que iria ao Supremo Federal porque Temer estava desrespeitando o artigo 5º da Constituição: depois de acolhida uma CPI não pode mais ser extinta, a não ser por decisão da própria CPI. Temer recuou.
Os cartolas pararam de rir. Então, a “bancada da bola” jogou pesado. CPIs adormecidas nos meandros da Câmara foram desencavadas e postas a funcionar. A CPI da CBF-Nike teve de amargar o oitavo lugar na fila.
Mas os escândalos no futebol se agravaram. Tanto que o Senado também decidiu abrir uma CPI para investigar os problemas do futebol. A competição entre as duas Casas do Congresso falou mais alto que o lobby da “bancada da bola”. A Câmara dos Deputados apressou-se em instalar sua CPI. Assim, por um golpe do acaso, em 17 de outubro de 2000, dezenove meses depois de requerida, a CPI da CBF-Nike, a CPI improvável, acabou afinal instalada.
Mas ninguém queria participar de uma CPI sem futuro. Os maiores partidos recusaram-se a assumir a sua presidência. Já que Aldo Rebelo havia sido o inspirador desse trambolho, ele que a assumisse. Nos meses seguintes, vários líderes haveriam de se arrepender muitas vezes dessa decisão. Aldo aceitou a presidência e Sílvio Torres, deputado do PSDB, foi indicado para relator. A “bancada da bola” correu para participar formando folgada maioria. E a CPI iniciou seus trabalhos sob a mais completa descrença de jornalistas, parlamentares e torcedores. “Não dura 15 dias”; “a cartolagem vai mandar e desmandar”, era o mínimo que se dizia.

Direção firme e flexibilidade política
Mas não foi assim. Na presidência, Aldo impediu que desviassem a CPI de rumo. Aproveitou a confusão inicial e contradições dentro da “bancada da bola”, como o ressentimento de Eurico Miranda contra Ricardo Teixeira, para obter vitórias fundamentais logo no início dos trabalhos. Evitava as manobras dilatórias: “temos que nos concentrar no alvo principal ”, dizia. Conseguiu a façanha de aprovar requerimentos pedindo a quebra do sigilo fiscal e bancário da CBF, de Ricardo Teixeira, da Traffic e de José Hawilla. A votação foi apertada, 14 a 11, nominal, e com muita discussão. A partir desse momento já ninguém ria na CBF e adjacências.
Em represália, a “bancada da bola” passou a bloquear a votação de outros requerimentos importantes, como o pedido de quebra de sigilo das empresas de Ricardo Teixeira. Mas a CPI já contava com o material básico. Faltava investigar. Uma pequena equipe de assessores concentrou-se nos alvos principais e empenhou-se durante alguns meses em rastrear as declarações de renda e as movimentações bancárias. Mas precisava de tempo para investigar. Sabendo disso, a “bancada da bola” movimentou-se para encerrar logo os trabalhos da CPI. Líderes de vários partidos foram convencidos e chegaram até a marcar data para seu fim, 31 de março. Entretanto, os resultados iam aparecendo: a investigação sobre passaportes falsos, feitas pelos deputados Jurandil Juarez (PMDB-AP) e Pedro Celso (PT-DF) repercutia internacionalmente. A denúncia da falsificação de identidade e de tráfico de jogadores menores de idade, feita pelo deputado Eduardo Campos (PSB-PE), mostrou o mundo cão dos subterrâneos do futebol, dos empresários e agentes exploradores. Outros deputados, como Dr. Rosinha (PT-PR), investigavam nos Estados e divulgavam novas informações. Esses fatos e as denúncias que a CPI ia fazendo à imprensa, as incansáveis negociações de Aldo e Sílvio Torres com os líderes, iam adiando o seu fim.

A batalha decisiva
Havia sobretudo uma pressão para que Ricardo Teixeira fosse logo ouvido pela CPI. Mas ela ainda não havia reunido todos as informações necessárias para interrogá-lo com eficiência. A CPI conseguiu afinal fazer uma diligência na contabilidade da CBF em sua sede no Rio de Janeiro. Foi possível montar um quadro das irregularidades cometidas na CBF e na grande maioria das 27 federações.
A batalha decisiva seria o depoimento de Ricardo Teixeira. Os deputados que estavam decididos a investigar, e que eram minoria na Comissão, prepararam-se seriamente para o depoimento de 10 de abril. Não subestimaram Ricardo Teixeira. E conseguiram surpreendê-lo. Teixeira não respondeu à maioria das perguntas, fugiu, dizia que não sabia, balbuciava, prometia respostas posteriores. Apresentou dados falsos, mentiu. Sem argumentos, a “bancada da bola” assistiu impotente à derrota do seu chefe.
Depois de um depoimento de nove horas ficou evidente a responsabilidade de Teixeira na má administração da CBF, no uso indevido de seus recursos, nas doações ilegais para políticos em campanha eleitoral, na cooptação e corrupção de dirigentes de federações, na desorganização do futebol brasileiro. E vieram a público preciosos indícios do nebuloso enriquecimento do presidente da CBF e de seus amigos e sócios, da evasão de divisas, da lavagem de dinheiro, da sonegação fiscal.
A uma hora da madrugada de 11 de abril de 2001 havia um fato novo: a CPI improvável, aquela que tinha tudo para não dar certo, vencera a batalha decisiva.

O relatório não foi aprovado, mas valeu
Derrotada, a “bancada da bola” anunciou que iria rejeitar o relatório que estava sendo elaborado sob a direção do deputado Sílvio Torres. Se queria intimidar o relator, foi inútil. Ao tomarem conhecimento do texto, os deputados que apoiavam Teixeira decidiram produzir “outro” relatório, ou melhor, retiraram do texto todas as denúncias e pedidos de indiciamento e produziram um “mostrengo”, um texto sem pé nem cabeça. Em suma, queriam emascular o documento, destruir o trabalho de oito meses. Cumpriam à risca as determinações de Ricardo Teixeira cujo objetivo era impedir de qualquer jeito sua incriminação e, de quebra, desacreditar a CPI. Contavam com folgada maioria e estavam certos de sua vitória. Depois de muitas horas de negociações com a maioria irredutível, Aldo Rebelo e os outros deputados que haviam se empenhado nas investigações, convenceram-se de que as gestões eram infrutíferas e concordaram entre si em tomar uma medida extrema: encerrar a CPI sem que o relatório fosse votado.
A “bancada da bola”, inconformada, armou uma pantomima anti-regimental e “votou” o simulacro de relatório. Inútil, não tinha esse poder. Por sua atitude, aliás, esses deputados viriam a ser depois advertidos pelo Corregedor da Câmara dos Deputados.
O relatório não foi aprovado. Mas a CPI não terminou sem relatório. Porque o texto produzido continuou sendo válido. Foi levado ao Ministério Público, à Receita Federal, Polícia Federal, ao Ministro do Esporte, e oferecido como subsídio à CPI do Futebol do Senado. O texto de mais de 800 páginas foi distribuído à imprensa e colocado à disposição do público no sítio da Câmara Federal. A CPI CBF-Nike havia cumprido seu papel.

Os frutos da CPI
A seguir, um resumo dos resultados da CPI:
Contrato CBF-Nike. A CPI investigou detalhadamente o contrato CBF-Nike e tornou evidente a supremacia da multinacional de material esportivo sobre a CBF e sua interferência indevida na seleção brasileira de futebol;
Parceria CBF-Empresas. A CPI escancarou os meandros das parcerias entre a CBF e empresas de marketing esportivo e agentes que enriquecem fabulosamente enquanto o futebol brasileiro mergulha na falência;
Corrupção das federações. Estudou em profundidade a caótica administração do futebol comandada pela CBF, as espúrias relações da entidade nacional com as federações estaduais, que levaram à deterioração da organização confederativa e à transformação das entidades em casas de negócio, sujeitas ao continuísmo, nepotismo e corrupção, à ausência de calendários e outros desmandos;
Administração ruinosa da CBF. A CPI trouxe a público as contas da CBF. O seu relatório mostrou à exaustão a administração ruinosa da entidade, cujos recursos são malbaratados em despesas duvidosas e não justificadas, em altos salários e remunerações indevidas; em doações políticas destinadas a sustentar influências no Parlamento, para desempenhar o papel de “bancada da bola”;
Empréstimos externos da CBF, evasão de divisas. A CPI produziu um estudo detalhado sobre empréstimos tomados pela CBF no Exterior, junto ao Delta Bank, a juros extorsivos e em condições altamente desfavoráveis. Comprovou que os juros eram incompatíveis com os que à época estavam sendo praticados no mercado financeiro, e que tais negócios resultaram em elevados prejuízos para a entidade, com indícios de evasão de divisas. A argumentação de que outras empresas brasileiras haviam tomado empréstimos com juros semelhantes foi desmentida pelas próprias empresas citadas por ele. E o Banco até hoje não conseguiu explicar essas operações suspeitas;
Remuneração ilegal da diretoria da CBF. A CPI demonstrou que as remunerações recebidas pela diretoria da CBF desde 1998 são ilegais porque estão em desacordo com o seu Estatuto de entidade de direito privado sem fins lucrativos. E encaminhou ao Ministério Público pedido de ação civil para que se promova a devolução desses recursos à CBF;
Ricardo Teixeira usa recursos da CBF para pagar sua contas com advogados. O relatório da CPI comprova que o senhor Ricardo Teixeira, presidente da CBF há três gestões, usa os recursos da entidade máxima do futebol como se fosse uma de suas empresas. Por exemplo, fez a CBF pagar despesas com sete escritórios de advocacia para defesa de seus interesses como pessoa física;
Empresas de Hélio Viana sonegam impostos. A CPI trouxe a público as incongruências da contabilidade do grupo de empresas pertencentes a Hélio Viana, sócio de Edson Arantes do Nascimento – Pelé – na Pelé Sports Marketing, em que a movimentação financeira de valores vultosos não é declarada à Receita Federal;
Passaportes falsos, tráfico de menores. O relatório apresenta os resultados das investigações e denúncias feitas pela CPI em plano internacional quanto às máfias de passaportes falsos de jogadores de futebol, de falsificação de identidade e tráfico de crianças, atletas menores de idade levados para serem explorados em outros países. A CPI fez recomendações à FIFA, às autoridades brasileiras, à CBF e apresentou proposta de mudança de legislação para prevenir esses crimes;
Indiciamentos. Em suas conclusões a CPI propôs o indiciamento de 31 pessoas (Ricardo Teixeira, 13 propostas de indiciamento; Hélio Viana, 5; Juan Figer, 5; e mais 19 indiciamentos de dirigentes de federações, agentes, empresários de futebol e outros intermediários).
Projeto de Lei. A CPI não se limitou a fazer denúncias e pedir os indiciamentos. Apresentou um acurado e abrangente projeto de lei, que já está tramitando na Câmara, que visa à criação do “Estatuto do Esporte”. É uma proposta completa de modernização da legislação sobre o Desporto Nacional, e inclui uma sugestão para a criação de um Ministério do Desporto, separado do setor de Turismo. Quem leu esse projeto – e infelizmente foram poucos até agora – avaliou que traz progressos importantes para a legislação desportiva.
Definitivamente, a CPI CBF-Nike não acabou em “pizza”.

Carlos Azevedo é jornalista.