terça-feira, 15 de dezembro de 2015

84 anos, primeira consulta comigo. Articulada e atenta. Lá pelas tantas percebi que fazia uso de uma medicação antipsicótica.
– Faz tempo que a senhora usa esse remédio?
– Uns seis meses.
– E por que, exatamente?
– Meu juízo fugiu e me deixou maluquinha dentro de casa. O remédio foi atrás, trouxe ele de volta, mas de vez em quando ele ainda escapa pela janela.
– O que a senhora acha de fechar a janela?
– Dá muito certo não, doutor, porque eu não aguento ficar o tempo todo com o juízo dentro da cabeça.
Nem eu.
Olhava encartes de LPs antigos, e brinquedos. Semana passada, umas cambraias guardadas na arca de couro e  xícaras de beiço fino. A camisola bordada a mão pela avó, que a irmã vestiu no batizado, uma fotografia da árvore de natal com bolas, sinos, aladins e lâmpadas translúcidas, naquele material que, caído, estilhaçava no chão.
Não há dúvida: viver ficou mais concreto, mas a beleza perdeu filigranas.