sábado, 26 de abril de 2014

O direito de preferir um filho heterossexual


14/02/2014
 às 16:12 \ CulturaPoliticamente Correto

O direito de preferir um filho heterossexual

Mais um texto polêmico e longo, mas necessário. Peço que o leitor realmente deixe as habituais pedras de lado, e tente acompanhar meu raciocínio da forma mais civilizada e aberta possível. O que escrevo é uma reação ao que tenho visto por aí, cada vez mais, e que considero um dos maiores riscos modernos: o relativismo exacerbado dos “tolerantes”, que se mostra um tanto seletivo e intolerante na prática.
Antes de partir para os argumentos, um caveat: compreendo a revolta de muitos homossexuais diante do preconceito ou da homofobia, que em alguns casos acaba em agressão ou mesmo morte. Meu ponto é que o movimento gay passou do ponto, que o pêndulo exagerou para o outro lado, e que isso representa, inclusive, uma ameaça às liberdades individuais.
Tomo como base, aqui, o comentário de um leitor no tópico sobre Bolsonaro na Comissão de Direitos Humanos. Primeiro, ele rebate meu uso mais restrito do termo homofobia, ligado ao medo (e não à aversão), e depois conclui algo que julgo bizarro, mas sintomático dos tempos modernos. Diz ele:
Fobia: medo ou aversão…
E sim ter uma aversão a homossexualidade te faz homofobico, preferir que seu filho não seja também, visto que tu categoriza como algo ruim. Enquanto deveria ser neutro
Se para ser considerado homobóbico basta sentir aversão a dois homens se beijando, então muita gente é homofóbica sem saber. Creio que esta flexibilização do conceito é até prejudicial aos gays, pois banaliza a verdadeira homofobia.
Uma coisa é o sujeito não suportar gays, não tolerar sua existência assumida e pública; outra, que considero bem diferente, é ele simplesmente não gostar da ideia, não desejar estar perto, ou mesmo considerar algo imoral.
Já expliquei melhor aqui o novo conceito de “tolerância” vigente no mundo, com base em ótimo livro de D.A. Carson, teólogo canadense. Esta “tolerância” moderna, que exige a aceitação plena ou a completa indiferença diante de tudo, acaba sendo um tanto intolerante.
Vejam só: a pessoa se julga a mais tolerante do mundo, pois aceita tudo e todos como eles são; mas não aceita aquele que considera o homossexualismo algo imoral ou indecente. Não está clara a contradição? Ele não está sendo intolerante com o outro?
A frase final do leitor, destacada em negrito, é o resumo da doença da atualidade: o “neutralismo” exacerbado. Todos devem ser neutros em relação a qualquer valor estético, ético ou moral, caso contrário são intolerantes, preconceituosos, reacionários, carolas, conservadores.
Quantos não andam por aí afirmando que não sou mais um liberal por emitir meus julgamentos morais ou estéticos? É uma confusão enorme de conceitos, e uma muito perigosa. O liberal não tem de ser neutro coisa alguma.
Ele é liberal pois tolera as diferenças, dentro de um limite da própria sobrevivência da liberdade e da tolerância (não se tolera nazistas organizados, e não se deveria tolerar comunistas pelo mesmo motivo: desejam destruir a própria liberdade).
Mas é evidente que a pessoa tem total direito aos seus valores morais, e nem por isso deixa de ser liberal. Voltando à questão do homossexual, claro que um pai tem pleno direito de não ser neutro e de preferir um filho heterossexual.
Isso não faz dele um reacionário, muito menos um homofóbico. Da mesma forma que ele pode ter preferência por ter um filho flamenguista em vez de vascaíno, ou pode desejar um filho médico em vez de bailarino. Quem é o antiliberal? Não é aquele que pretende se meter até nas preferências alheias?
Um pai pode perfeitamente amar seu filho gay, respeitá-lo como indivíduo e até ter orgulho dele (não por ser gay, o que faria pouco sentido lógico, e sim por ser uma pessoa decente e de caráter). Mas ele pode continuar preferindo que o filho fosse heterossexual. Não há homofobia alguma aqui.
Creio estar escrevendo o óbvio. Mas confesso ficar estarrecido com a velocidade a qual esta obviedade se dissipou. Hoje, não são poucos os que confundem liberalismo com relativismo moral e tolerância com aceitação plena – ou pior, aprovação irrestrita – de quaisquer diferenças. Isso não é liberalismo coisa alguma.
O comentário do leitor poderia ser um exagero, um caso isolado. Infelizmente, acredito que é uma tendência crescente. Cansei de receber críticas de jovens que se dizem liberais ou libertários afirmando que é um absurdo eu me considerar um liberal se digo, abertamente, que considero moralmente superior a profissão de médica a de prostituta.
Eis o ponto em que chegamos: para ser um “liberal” moderno, o pai ou o filho devem ser indiferentes, neutros, entre ter uma filha ou uma mãe médica ou prostituta. Pergunto: aonde isso vai parar? Pode o mundo preservar valores decentes com uma mentalidade dessas?
Parte da explicação do fenômeno pode ser psicológica, relacionada ao narcisismo típico dos tempos atuais. Em nome da “autoestima” de todos, da crença de que todos são “especiais”, os pais não podem mais ter o direito de desejar coisas diferentes para seus filhos, pois isso pode ameaçar seus egos (e cada vez mais o mundo é egocêntrico).
Ninguém quer a separação umbilical entre pais e filhos, pois separar é perder, e é sempre doloroso. É preciso ser uno, indivisível. Portanto, os pais não podem mais ter certas expectativas em relação a seus filhos, desejos próprios, pois isso pode magoá-los na frente, se não atenderem a tais demandas. Eis o imperativo categórico de hoje: todos somos completamente neutros em relação a nossos filhos!
Somente isso seria, na lógica vigente, respeitar as liberdades individuais. O que é, naturalmente, uma distorção e tanto, digna de uma tirania de crianças mimadas, que recusam inclusive as liberdades dos próprios pais. Não é interessante? Não por acaso esse tipo de “libertarianismo” (ou licenciosidade) costuma atrair justamente os mais jovens.
Retorno ao caso do filho gay para fechar. Quem duvida que um homossexual pode ser uma ótima pessoa, cheia de valores e com bom caráter? Conheço alguns que se mostram infinitamente melhores do que muito machão por aí, e têm meu respeito ou minha admiração.
Mas que bem faremos a eles se negarmos o direito de outros não apreciarem homem com homem, se chamarmos qualquer coisa de homofobia, se colocarmos os interesses do movimento gay acima das liberdades individuais, que incluem o direito de não gostar de gays? Quem estaria sendo o intolerante nessa história?
Rodrigo Constantino

domingo, 20 de abril de 2014

mario benedetti

O uruguaio Mario Benedetti (1920-2009) escreveu algumas das grandes páginas da literatura latino-americana, em especial na sua obra-prima "A Trégua", romance publicado em 1960 e posteriormente filmado, concorrendo ao Oscar de melhor filme estrangeiro e que assombra por sua profundidade psicológica a agudeza na expressão e análise do drama humano. Extraí dois trechos da obra em questão. O primeiro dedico a alguns diretores de empresas, empresários, administradores, enfim. O segundo dedico a alguns médicos. Sei que os leitores reconhecerão muitos desses profissionais aqui pelo Brasil...

Para os diretores de empresas:

Imagino que eles, quando se refestelam em suas poltronas estofadas da sala da Diretoria, devem se sentir quase onipotentes, pelo menos tão perto do Olimpo quanto deve se sentir uma alma sórdida e negra. Chegaram ao máximo. (...) Para esta pobre gente, o máximo é chegar a sentar em cadeiras presidenciais, experimentar a sensação (que para outros seria por demais incômoda) de que alguns destinos estão em suas mãos, ter a ilusão de que resolvem, de que dispõem, de que são alguém. Hoje, contudo, enquanto os olhava, não conseguia considerar suas caras como pertencentes a Alguém, mas sim a Algo. Parecem-me coisas, não pessoas. (...) Mas são pessoas. Não parecem, mas são. E pessoas dignas de uma odiosa piedade, da mais infamante das piedades, porque a verdade é que eles formam para si uma casca de orgulho, um invólucro repugnante, uma sólida hipocrisia, mas no fundo são ocos. Asquerosos e ocos. E padecem da mais horrível variante da solidão: a solidão de quem não tem sequer a si mesmo.

Para os médicos:

Há médicos que gostam de aterrorizar, ao menos de anunciar a proximidade de terríveis complicações, de perigos indefinidos e implacáveis. Depois, se a realidade não é tão sinistra, sobrevém uma grande sensação de alívio, e o alívio familiar é, no mais das vezes, o melhor clima possível para pagar sem aborrecimento, até com gratidão, uma conta ABUSIVAMENTE ALTA. Quando alguém pergunta ao médico, com humildade, quase com vergonha, sentindo claramente o constrangimento de tocar em um tema tão vulgar e grosseiro diante de quem sacrifica sua vida e seu tempo pela saúde do próximo: “Quanto é, doutor?”, ele sempre diz, acompanhando suas palavras com um gesto generoso e compreensivo de desconforto: “Por favor, amigo, logo mais tratamos desse assunto. E não se apresse, pois comigo não haverá problemas.” (...) Depois, quando chega finalmente a hora de discutir o assunto, vem a conta gorda, em separado.

(A

aos babacas

Aos Babacas que Acreditam em Progresso

"Eu poderia ficar em casa. Poderia trancar a porta e brincar com tintas ou qualquer coisa assim. Mas, de alguma forma, tenho que sair, e ter a certeza que toda a humanidade é uma grande merda. Como se fosse mudar…"

Charles Bukowski


quando saio nas ruas pelas manhãs
percebo o quanto as ruas pelas manhãs
são um porre
(ah, quem dera fossem um porre):
aqueles montes de gente amontoada
que nem percebem que não passam de montes
aquelas gentes
apressadas
atarefadas
estressadas
esvaziadas
mecanizadas
pouco mais que nada

pra lá e pra cá como moscas tontas
a comprar merdas e pagar contas
seguindo aquela vida (f)útil
arrastando suas mori bundas
e afundando seus cus
nos seus carros do ânus
com aquele sorriso estúpido
de quem contribui para o progresso
(ainda há babacas que acreditam em progresso)
da sua cidade do seu país da civilização
certas de que estão certas
de que existe papai noel
desenvolvimento
e evolução...

quando saio nas ruas pelas manhãs
me deploro com o que há-de:
que é o lembrar de que o que vejo
trará o futuro da humanidade..

sexta-feira, 18 de abril de 2014

com diploma e sem emprego

Com diploma, sem emprego
Fizeram faculdade, mas não atuam na área. "Desemprego intelectual" afeta quatro em cada grupo de dez diplomados
RICARDO MENDONÇA

A crise de empregos que assola o país produz um fenômeno ainda pouco estudado pelos acadêmicos: o chamado desemprego intelectual. O conceito, criado na Itália, designa tanto aqueles profissionais com formação universitáriaque se sentam nos bancos de praça devorando os classificados de jornal, quanto aqueles que têm formação superior numa determinada área, mas trabalham em outra, totalmente diferente - e que geralmente exige menor escolaridade. É o caso do engenheiro que virou comerciante, da psicóloga que ganha a vida vendendo bombons caseiros e do arquiteto que garante que apenas 'está' taxista.
A pedido de ÉPOCA, o economista Cláudio Dedecca, professor da Unicamp, cruzou dados do Censo do ano 2000 para dimensionar o problema e chegou a dados inéditos. De acordo com seu estudo, restrito ao Estado de São Paulo, 37% das pessoas com formação superior exercem atividades profissionais que não exigem curso universitário. Mas, como aponta a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios, outros 3,7% da população com mais de 15 anos de estudo estão desempregados. Assim, pode-se estimar que pelo menos quatro em cada dez pessoas que investiram tempo, dinheiro e dedicação numa faculdade não aproveitam nada do conhecimento adquirido no mercado de trabalho.
SUPERGRADUADA SEM EMPREGO
Ela tem mestrado, doutorado e dois idiomas, mas não acha vaga
A engenheira civil Laura Bizzo, de 32 anos, tem mestrado e doutorado em universidade pública, fala inglês e francês. Mesmo assim, está há dois anos desempregada. Nesse período, apesar de ter enviado dezenas de currículos, tudo o que conseguiu foi uma entrevista: a empresa queria uma secretária bilíngüe. Como nada conseguiu, resolveu tentar o pós-doutorado. 'É triste. Teve consultor que me recomendou tirar o doutorado do currículo.'
Outro número surpreendente diz respeito à capital paulista, a maior cidade do país. Segundo o secretário municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, Márcio Pochmann, há em São Paulo mais desempregados entre os cidadãos com nível superior completo que entre os analfabetos - uma proporção de 45 mil contra 24 mil. Visto de perto, o número é um pouco menos assustador - a população de analfabetos em São Paulo é também quase a metade dos diplomados. Mesmo assim, o número revela uma realidade impensável alguns anos atrás. Hoje, bacharel e analfabeto têm a mesma probabilidade de cansar as pernas na fila do seguro-desemprego.
MAIS ESCOLARIDADE, MENOS DINHEIRO
Nas últimas décadas, enquanto o nível educacional melhorou, o país parou de crescer
PIB
Educação
Taxa média de crescimento da economia ao ano
Média de pessoas que terminaram o ensino superior por ano
1968 a 1980
9,0%
148 mil
1981 a 1990
1,7%
232 mil
1991 a 2000
2,9%
272 mil
2001
1,1%**
396 mil*
* Último dado disponível
** 2001 a 2003, com previsão de crescimento de 0,5% para 2003
Fontes: IBGE e Inep
Outras evidências do fenômeno do diplomado desempregado ou mal-empregado podem ser vistas no dia-a-dia das empresas de recolocação profissional. 'Programas de trainee hoje chegam a ter 5 mil candidatos para 30 vagas. É estarrecedor', diz João Rodrigues Filho, vice-presidente do Grupo Foco, uma consultoria de RH. O perfil dos desempregados com diploma é variado. Vai do jovem recém-formado que ainda não achou o primeiro emprego ao ex-funcionário de estatal que foi demitido na privatização e não consegue achar um trabalho. A economista Vanilda Paiva, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estuda a deterioração das condições de vida de médicos e professores e detectou um fenômeno curioso em escolas e hospitais do Rio de Janeiro. 'Para complementar a renda, que caiu muito, professoras e médicas compram produtos domésticos no atacado e os vendem, como camelôs, no ambiente de trabalho. Vendem também bolo, sutiã, perfume, coisas que muitas não podem mais comprar em shopping', explica. Parte desses sacoleiros são profissionais que trabalhavam nesses lugares e foram demitidos recentemente.
No Brasil, o desemprego das pessoas que não têm estudo é um fenômeno maior e mais grave. Mestres ou doutores, ainda que fiquem mofando em casa, não são encontrados nos cruzamentos pedindo esmola. A falta de vagas para os diplomados, no entanto, traz problemas inéditos para o país, e que de maneira alguma devem ser desprezados. O primeiro tem a ver com o desperdício de investimento. Com enormes restrições orçamentárias, o Brasil tem muita dificuldade para conseguir educar adequadamente a população, o que resulta numa mão-de-obra pouco qualificada e pouco produtiva. Dos 87 milhões de brasileiros com idade entre 20 e 59 anos, apenas 6,2% têm ensino superior completo. Logo, o país não poderia dar-se ao luxo de subaproveitar os poucos formados que tem. É paradoxal que faltem vagas para diplomados num país onde a escolaridade média é de apenas seis anos. Mais grave é quando se constata que esse dispêndio em educação muitas vezes foi feito pelo próprio Estado, no caso dos que se formaram em universidades públicas. De acordo com o cálculo mais recente (de 1998) do Ministério da Educação, um estudante de instituição pública no Brasil custa cerca de R$ 9.800 por ano. Em cinco anos, portanto, um estudante consome quase R$ 50 mil do Estado. É muito investimento para ser aplicado somente na pesquisa de anúncios classificados.
ARQUITETA-PINTORA
Formada há 21 anos, só conseguiu trabalhar dois anos na área
A arquiteta Margarida Maschietto, de 44 anos, é formada desde 1982, mas trabalhou apenas dois anos em sua área. Quando engravidou, deixou o serviço, pois o salário não pagava sequer a creche. Nunca mais conseguiu voltar. A solução foi partir para a decoração e pequenos serviços. Atualmente ela trabalha com pintura de tecidos, o que considera 'um exercício de criatividade', já que rende pouco. 'Ainda mando currículos, mas é tudo em vão. Estou há muito tempo fora do mercado', diz.
#Q:Com diploma, sem emprego - continuação:#
VAGAS, SÓ PARA GANHAR POUCO
De 1989 a 2001, em cada dez vagas criadas no mercado de trabalho, sete foram para atividades de baixa remuneração
3 para serviços domésticos
2 para ambulantes
1 para limpeza
1 para segurança
Embora não haja estatísticas sobre isso, supõe-se que, na maioria dos casos, o investimento em educação não foi feito pelo Estado, mas por uma família, que bancou uma faculdade particular, crente que ela iria garantir melhores condições de vida a seus herdeiros. 'O que dizer a alguém que ouviu a vida inteira que precisava estudar para ter uma carreira e agora não consegue nem o primeiro emprego?', pergunta o consultor Francisco Ramirez, vice-presidente da Fesa, empresa de recrutamento de executivos. Segundo ele, a quantidade de gente qualificada que procura sua empresa nunca foi tão grande como nos últimos dois anos. 'Na minha época, a situação era o inverso. Eu me formei em psicologia em 1972 e, oito dias após a formatura, já estava empregado no RH do Citibank, trabalhando como selecionador de pessoal. Era um cargo importante dado a um recém-formado numa empresa de porte, algo impossível de imaginar hoje', conta.
O aumento da dificuldade dos diplomados no mercado de trabalho se explica por uma conjunção de fatores que mistura baixo crescimento econômico, demografia e aumento notável do número de pessoas com nível superior, o que não é exatamente ruim. Dos três itens, quase só se ouve falar do primeiro. Desde o fim do 'milagre econômico', nos anos 70, a economia do país está praticamente parada. De 1968 a 1980, o Brasil cresceu, em média, 9% ao ano. Em 1973, o Produto Interno Bruto (PIB) saltou incríveis 14%. Com isso, havia escassez de mão-de-obra em todos os níveis. Sobravam empregos no comércio e nas indústrias, do chão de fábrica ao escritório de engenharia. Dos anos 80 para cá, no entanto, houve redução drástica desse ritmo. O período que vai de 1981 a 1990 terminou batizado como 'a década perdida', e nos anos 90 a expectativa de reversão não se concretizou - o decênio foi apelidado de 'década frustrada', com números na faixa dos 3%. A taxa de 2003 será ainda mais medíocre, abaixo de 1%. De acordo com os economistas, o Brasil precisaria crescer 5% ao ano para conseguir empregar a mão-de-obra despejada anualmente no mercado.
EMPRESÁRIO FORÇADO 
Para não ser pego de surpresa, pediu a conta e abriu um negócio
O economista e engenheiro Sokan Young, de 51 anos, encontrou na agência de turismo da família a saída para a falta de emprego. Formado pela Universidade de São Paulo, ele chegou a fazer até mestrado. Mas a sólida formação não foi suficiente para Sokan resistir à crise dos anos 90. Depois de 15 anos na Mercedes-Benz, entrou no programa de demissão voluntária quando a empresa ameaçou sair do país, em 1989, e nunca mais exerceu a engenharia. 'Toda a minha qualificação, paga pela sociedade, foi perdida', diz.
A falta de crescimento econômico provoca desemprego duradouro e arrocho salarial entre os que têm menos estudo, problemas gravíssimos que potencializam a pobreza. Para os que estudaram, o drama é a falta de vagas compatíveis com o conhecimento adquirido - o que também se traduz em remunerações menores. Numa apresentação recente feita para a Comissão de Políticas Públicas para a Juventude da Câmara dos Deputados, Pochmann mostrou que de 1989 a 2001 foram criados 19,5 milhões de vagas no mercado de trabalho brasileiro e cortados outros 7,7 milhões. Por si só, o saldo de 11,8 milhões já ficou muito abaixo da 'demanda' de 17,7 milhões de pessoas que entraram no mercado nesse mesmo período. Há, porém, um segundo problema. Das vagas criadas, sete em cada dez foram para ocupações de baixíssima remuneração, como empregada doméstica, camelô e segurança de boate.
Na cidade de São Paulo há 45 mil desempregados com diploma na mão. A situação é pior que entre os analfabetos - são 24 mil procurando emprego
Outro fator que dificulta a conquista de um emprego é o demográfico. Os jovens que hoje saem da faculdade são a última leva de um tempo em que a população crescia 3% ao ano, índice bem superior ao atual. Com isso, a concorrência entre pessoas da mesma idade é enorme. Nos anos 70, quando a economia do país crescia bem, a taxa alta de fecundidade ajudava, pois garantia mão-de-obra para sustentar o crescimento. Quando o país parou de crescer, o aumento populacional virou um problema. Como a população brasileira agora cresce 1,5% ao ano, os filhos dos jovens desempregados de hoje provavelmente não terão tantos problemas para se empregar. Calcula-se que o mercado deixará de sofrer com a pressão demográfica entre 2005 e 2010.
A terceira causa do aumento da dificuldade dos diplomados é a melhoria da escolaridade do brasileiro nos últimos anos. Esse dado, em tese, seria positivo. Mas, quando o país não cresce, ele potencializa o desemprego intelectual. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), do fim dos anos 70 até a metade dos anos 90 o número de diplomados no Brasil cresceu de 200 mil por ano para 250 mil, ou seja, 25% em duas décadas. A partir de 1995, porém, o ritmo ficou muito mais acelerado. Em 2001, o total de formandos saltou para 396 mil, um aumento de quase 60% em meia década. 'Nos últimos anos, o diploma se desvalorizou no mundo inteiro. No Brasil, sem crescimento econômico, mas com a explosão da oferta de bacharéis, a desvalorização foi ainda maior', diz o economista Cláudio Salm, ex-professor da UFRJ. 'Isso não quer dizer que não vale a pena fazer faculdade. Como a desigualdade dos salários no Brasil é enorme, o diploma ainda é um diferencial', completa.
O economista Dedecca identifica nisso mais um prejuízo para o país: a incapacidade de obter ganhos de produtividade mesmo com uma mão-de-obra mais qualificada. Segundo ele, quando há estagnação econômica, o aproveitamento da boa qualificação das pessoas é nulo. 'As pessoas estudam mais, a escolaridade melhora, mas, como a economia não cresce, as empresas não conseguem aproveitar essa melhoria da qualificação.'
Embora possuir um diploma universitário hoje não tenha o mesmo significado do passado, não há por que acreditar que não valha a pena estudar. Mesmo para o país, que hoje desperdiça talentos, é muito melhor ter uma mão-de-obra disponível qualificada do que despreparada. Até porque, quando o Brasil voltar a crescer, a tendência é que as empresas passem a procurar os diplomados. Que isso sirva ao menos de consolo.
PSICOTERAPEUTA-ARTESÃ
Saiu da profissão por causa da gravidez e nunca mais voltou
A gaúcha Laíse Schreinert, de 45 anos, é uma psicóloga que virou artesã. Formada pela Pontifícia Universidade Católica, chegou a trabalhar 14 anos como terapeuta, mas hoje cuida de uma loja de artesanato, ofício descoberto quando passou por uma gravidez de risco. 'Parei de cuidar da cabeça para trabalhar com as mãos. No começo, tinha vergonha de me apresentar como artesã. Mas as encomendas cresceram e voltar para a terapia seria difícil. Precisei ter coragem', conta.
COLABOROU MAÍRA TERMERO


    sábado, 12 de abril de 2014

     são analfabetos funcionais, gente que não consegue entender direito o que lê num texto simples, não sabe enunciar números com mais de quatro ou cinco algarismos e não tem noções elementares de proporcionalidade.
    Outros 40%, como dizem educadamente os técnicos em pedagogia, têm apenas um nível "básico" de alfabetização – são aquilo que os leigos chamam de "semianalfabetos". Tira daqui, põe ali, e o que se tem de concreto, goste-se ou não, é o seguinte: não mais que 30% dos habitantes da cidade-sucesso do Brasil são realmente alfabetizados – e podem, assim, se qualificar como cidadãos plenos deste país. Numa sociedade em que a verdadeira divisão de classes está entre os que; têm conhecimento e os que não têm, 70% estão condenados desde já, em grau maior ou menor, a ficar no bloco dos perdedores. Não existe, simplesmente, uma única cidade ou região no Primeiro Mundo onde 70% da população tenha instrução suficiente para executar apenas as tarefas mais simples – e também as mais penosas, mal remuneradas e sem esperanças de melhora. No Brasil, que pretende no momento dar lições de desenvolvimento e avanço social ao resto do mundo, a cidade-símbolo do nosso progresso aceita passivamente viver nessa indigência. Não chegará nunca, desse jeito, aonde tem de chegar; continuaremos, como de costume, a ter uma das dez maiores economias do mundo e ficar ali pelo centésimo lugar em termos de bem-estar real para a população.

    Os dados mais recentes sobre a situação desesperadora da educação na mais bem-sucedida cidade do interior paulista estão numa pesquisa da Federação das Entidades Assistenciais de Campinas, e o quadro geral que mostram é ainda mais feio. Um em cada cinco jovens na faixa dos 18 aos 24 anos já é chefe de família, e de toda a população do município com essa idade 60% não estudam – só metade deles, por sinal, chegou a concluir o ensino médio. Não é preciso ter um diploma de sociologia para concluir que muito pouca gente, aí, está a caminho da prosperidade. Mais da metade dos campineiros entre 18 e 24 anos vive em famílias com uma renda per capita que não passa de dois salários mínimos; ou seja, a moçada que está trabalhando em Campinas largou o estudo por uma pura e simples questão de sobrevivência, e não para ganhar uma fortuna como banqueiros de investimento. Em vez de estarem acumulando conhecimento em cursos superiores, como deveria ser a regra para quem vive nessa idade, estão precisando trabalhar em empregos de baixa qualidade para ganhar o seu sustento, e em muitos casos o das famílias que já chefiam.
    Gente que deixou o tempo passar e não se qualificou, a cada dia que passa, mais longe ficam de aprender as habilidades indispensáveis para entrarem num mercado de trabalho agressivamente tecnológico como o de hoje e, mais ainda, de amanhã.
    Eles não terão os mesmos direitos que os outros, que neste momento já estão muito à frente deles, pelo simples motivo de que não terão as mesmas oportunidades. Para a grande maioria deles, estará fechado o acesso ao que em geral se considera as coisas materiais mais compensadoras da vida. Vão ter empregos, em vez de carreiras – isso para os que conseguirem se empregar.
    Não deve surpreender a ninguém, é claro, que no último grande balanço da educação mundial para a garotada na faixa dos 15 anos, o Pisa de 2012 feito pela OCDE, organismo internacional que reúne as maiores economias do mundo, o Brasil tenha ficado em 575 lugar, num total de 65 países avaliados – pior que isso, só mesmo pegando o último. (Como houve uma melhora na nota brasileira em matemática, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, determinou que o teste foi "um grande sucesso" para o Brasil. Aliás, ele já garantiu que a educação brasileira vai tão bem que terá tempo de sobra para participar da campanha pela reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014.) Existe bem mais, nisso tudo, que uma calamidade estatística. Os números de Campinas, por si sós – Deus sabe como os do Brasil, tomado por inteiro, são ainda piores –, servem como pista segura para mostrar a sombria realidade de uma turma que não tem futuro. Antes de completarem 25 anos de idade, já está definido para todos aqueles jovens, salvo exceções, que serão cidadãos de segunda classe até o fim de sua vida.

    Eles não terão os mesmos direitos que os outros, que neste momento já estão muito à frente deles, pelo simples motivo de que não terão as mesmas oportunidades. Para a grande maioria deles, estará fechado o acesso ao que em geral se considera as coisas materiais mais compensadoras da vida. Vão ter empregos, em vez de carreiras – isso para os que conseguirem se empregar.

    terça-feira, 8 de abril de 2014

    quando o mundo era pret




    SIMBOLO DA TV TUPI QUANDO ELA FICAVA FORA DO AR

    O mundo era preto e branco.



    Maiôs eram bem comportados.A mulheres faziam permanentes nos cabelos.
    Eu era muito miudinho. Mas, já escutava Elvis Presley. E Rock around the clock, com Bill Halley and His Comets. Bem aí eu estava quase nascendo para o mundo. 

    E para baratinar mais ainda minha cabeça, lá vem: E Deus criou a Mulher. Brigite Bardot a inspiradora dos meus primeiros e solitários prazeres. Copacabana continuava vazia.

    Os bondes eram superlotados. A vida tinha cheiro de flamboyant. 


    Nas ruas tinha uma árvore que dava umas frutas amarelas com uma “sica” danada. Não me lembro o nome. Agora lembrei: oiti. Mais tarde eu, e mais três amigos fizemos um conjunto de rock: The Four Bad. Um deles tocava violão e cantava, o resto era o coro. Então, eu era o resto.

    Menina só usava saia. Saia abaixo da canela. As saias subiram, muito mais tarde. Sei lá quando.Mais era o maior barato.Cada coxão! E Chuck Berry ainda não foi apresentado por quê? E com vocês: (não posso ser ingrato) Jerry Lee Lewis, cantava Great Balls of Fire. Mas é na música Only You  que ele faz o solo de piano mais bonito que já ouvi na minha vida. E olha que eu já ouvi muitos solos! Casou-se com uma sobrinha. A menina era quase uma recém-nascida. A carreira dele fez água. O conservadorismo norte-americano o destruiu, algumas vezes. E ele enchia a cara de álcool.

    Elvis começou a tomar um monte  de comprimidos. Uns para dormir, outros para ficar acordado. Isto no final. Final de uma carreira incomum. Elvis Não morreu. Desculpe o lugar comum. Perfume? Deixe-me lembrar... Fácil: Lancaster, mais popular e Bond Street, este pegava mais pesado. Era mais caro. E a gente não colocava perfume. Tomava banho de perfume.Todas as meninas eram virgens.

    E como se fazia sexo? Pela ordem? Então vamos lá: com as prostitutas, uma ou outra - mais uma ou outra mesmo! - mulher que dava mole. E qual a mulher dava mole, naquela época? E as namoradas? Não gosto nem de lembrar. Que dor!  Era uma dor mais em baixo. Eu me despedia das minhas namoradas com uma dor latejante!

    Baden Powel, Edu lobo, Elis Regina. Acho que estou misturando de novo. Valeu! Faz-se um belo suco de saudade, extraído nesta centrifuga do tempo. Dá para misturar à vontade. As roupas tinham muitos botões. Eu tinha uma camisa amarela que usava no conjunto de rock que era um sucesso. Os botões eram pretos. E eram muitos. O instrumento era o violão. Quem não tocava violão, estava aprendendo. Para tocar rock no violão era necessário saber apenas, uns quatro ou seis acordes e estávamos conversados. Quem complicou muito o violão foi a bossa-nova.

    Aliás, a bossa nova - apesar de ter sido a música que encheu de sons, tudo de bom da minha vida - tinha alguns sérios problemas que nunca foram resolvidos. Quando as caras tocavam todo mundo tinha que prestar atenção. E sentados. Não se dançava bossa-nova como bossa nova. Quem tentou criar uma dança específica foi um bailarino americano chamado Lennie Dale e que, também cantava. Mas não pegou. As mulheres até que começaram a ensaiar. Mas os homens se consideravam muito machões e a coreografia da dança exigia que se desse umas reboladas. Afinal eu sou de uma época que poucos homens rebolavam. É verdade!


     Mulher trabalhava preferencialmente, como professora primária. Todo primeiro emprego do homem era como bancário. O que eu posso fazer. Quer que eu minta? Aí o mundo começou a entrar em outros tempos. Vieram os Beatles e um monte de gente atrás. E acabou, hoje dando nisso. Ouçam: o funk Espanhola - porque eu ainda não tenho coragem para escrever algumas poesias contemporâneas , como as da cantora Tati Quebra Barraco. Chega de saudade. Mas, a realidade, é que sem ela não sei viver.

    quarta-feira, 2 de abril de 2014

    os canalhas não envelhecem

    OS CANALHAS NÃO ENVELHECEM

    Canalha é negócio dos homens. Fora o homem, nenhum animal se escolheu canalha. Canalha é produto próprio da parte desprezível da cultura humana. Ser canalha, se tomar canalha, se preservar canalha, se atender canalha. Atitude do homem desprezível.
    O filósofo Nietzsche diria que o canalha é uma degeneração do instinto humano. Em qualquer percepção e concepção, o canalha é nocivo à vida democrática. Mas eis a ironia: é exatamente na vida democrática que ele quer prosperar. Ele não existe se não for corroendo os princípios éticos constitutivos da produção democrática. Parece paradoxal, mas não é. Por ser uma mórbida manifestação social, o canalha, em sua pulsão patológica, só vê campo para agir onde a liberdade constitutiva se expressa, como ocorre na democracia. Porque ele é uma impotência ontológica. Ele, como uma degeneração, não tem potência ontológica capaz de o colocar em entrelaçamento constitutivo com as comunalidades para produzir o Bem-Comum. Pelo contrário, ele age para se apossar do Bem-Comum, já que, impotente, seu entendimento de potência ocorre no ato em que ele se apossa do que lhe é alheio, visto não produzir em si corpos morais. Daí ser um corpo pustulento, viscoso, aversivo, asqueroso, vil, bilioso, arrogante, prepotente, habilidoso, libidinoso. Só não é hipócrita. O hipócrita é aquele que representa um personagem para conseguir o que almeja por mais ignóbil que seja. O canalha não representa, ele é o que é. Ele não tem duplo.
    O filósofo Sartre o chama de uma consciência malograda. Um modelo burguês. Uma existência que se mostra sempre em Má-Fé, em subterfúgio, atalhos, fugas. Porque ele se escolheu um covarde, um cabotino. Sua grande estratégia é tramar, trapacear, calcular, usurpar. Tudo impulsionado pelo medo da liberdade ontológica e da responsabilidade histórica que todos homens engajados devem propugnar.
    PORQUE OS CANALHAS NÃO ENVELHECEM
    Se tivéssemos que situar a origem do canalha em um complexo genético social-patológico, diríamos que ele é um resistente vírus histórico com grande forçadeletéria aos anti-corpos da democracia. E uma grande força de propagação virulenta. Foi por isso que o douto autor da frase “Os canalhas também envelhecem” construiu uma enunciação ilógica. Ele não o colocou no contexto genético social-patológico-histórico-familial. O canalha não envelhece, porque ele é um vírus com grande força de propagação ao ponto de produzir uma pandemia histórica, já que é uma manifestação teratológica.
    Embora o filósofo Baudrillard, em seus estudos dos clones sociais não o tenha inserido, o canalha é um caso de replicância vil da humanidade. O primeiro serial-clone. Ele sempre esteve em toda as sociedades. Em todas as classes da sociedade – profissional, artística, religiosa, esportiva, econômica, legislativa, judiciária, executiva. Assim como um telespectador acéfalo, como o do BBB, ele facilmente se multiplica, visto que há sempre, na cultura voraz da canalhice, um terreno fértil para sua replicância. E, nessa condição de clonagênese, ele não pode nunca envelhecer.
    Digamos que uma família de canalhas vai matricular seu filho em uma escola. Que escola ela escolhe? Aquela que segregar melhor canalhice. Digamos que o pai seja um canalha bem estabelecido, é claro que ele vai estimular o filho para que o filho seja um bem estabelecido canalha como ele, porque a lógica do canalha é se dar bem de qualquer jeito. Na realização do casamento, canalha casa com canalha. Por isso, vemos canalhas saltitando em todos os territórios sociais. Pais canalhas tendem sempre conduzir seu filhos para o território da canalhice. Quando um pai canalha vê um político canalha eleito, ele vibra de contentamento, imaginando a proximidade de seu filho com o canalha demagogo.
    Das muitas qualidades nocivas de um canalha, uma que solta aos sentidos e à razão é que ele não tem amigo. Ele tem cúmplices. Digamos que ele esteja comemorando suas bodas de prata – pode ser de ouro, de diamante, até de petróleo – e sua casa se encontre cheia: juízes, desembargadores, empresários, gatinhas, gatinhos, políticos, religiosos, artistas. Só “amigos”? Não, só cúmplices. O amigo conduz o amor e a confiança, o canalha é um compulsivo desconfiado, e um triste mal-amado. Não confia em ninguém, e não ama ninguém. Só “confia” e “ama” o produto de sua degeneração.
    Em todas suas relações – diante de Deus, na igreja, no tribunal, no aniversário de um ente familiar, em um velório -, quem primeiro dá as caras é sua canalhice. Se em uma dessas convenções ele chora, é somente uma reação fisiológica, as lágrimas não expressão um entrelaçamento afetivo com o sujeito ao qual ele se dirige. Como não compõe comunalidade, o outro é uma abstração. Nisso, a solidariedade surge como um vazio significante sem sentido social e humano. Por isso, como diz o teatrólogo alemão Brecht, para ele “a humanidade é uma exceção”. Quando acontece uma catástrofe e ele for um canalha público, sua manifestação é meramente material, e muito bem propagada para ele ser tomado como um bom cristão. Como estão “solidários” muitos no Haiti! A canalha da política internacional.
    A existência real e a fictícia está repleta de ilustres canalhas. Historicamente, Herodes, Stalin, Hitler e muitos tantos. Na ficção, um só basta. Iago, personagem da peça Othelo, de Shakespeare. Porque a canalhice é uma subjetividade da dor – alguns chamam ideologia -, ela arrola todos que carregam os mesmos signos do ódio contra a Vida. É por isso que o canalha é medroso, e é por isso que em seus atos de se apossar do dinheiro público (erradamente chamado de corrupto, já que o canalha é o vírus mater: não haveria corrupto sem o canalha), ele faz tudo para se mostrar um cidadão acima de qualquer suspeita. Ele tem pavor da Justiça da mesma forma que tem pavor de adoecer. Ele se mostra prepotente, arrogante, seguro, mas quando desconfia que está doente cai de quatro no fundo do desespero com medo de morrer. Mas é compreensível porque ele tem medo de morrer. Ele tem medo da vida. O que sustenta toda sua canalhice é esse medo de existir.
    Mas o canalha é um estúpido pervertido. Ele não entende que sua canalhice revigora sempre sua atitude torpe, sua força mantenedora. Se, como diz o poeta, a velhice é um flerte com a morte, ele nunca irá flertar com a doce e querida dama. Visto que sua lógica canalha, traçada nos sucedâneos da infância, adolescência, juventude e existência adulta canalha, impede que envelheça. O que lhe faz, em uma sociedade antidemocrática, ser imortal.

    pensadores humuristas

    Pensadores Humoristas
    Millôr Fernandes


    Desculpem, mas todo grande pensador, sobretudo pensador social, é um humorista.


    O riso explode, à primeira vista, quando uma grande verdadesocial é enunciada de maneira clara e comunicativa: 

    "Toda propriedade é um roubo" (Proudhom). "Todo lucro é um roubo" (Shaw).

    "Que é um assalto a um banco diante de um banco?" (Brecht).



    "Fanatismo é a coisa mais perigosa que conheço: chego até a dizer que sou fanático contra o fanatismo."

    "Os chamados Expoentes da Moralidade são pessoas que abandonaram os prazeres comuns e se realizam atrapalhando o prazer dos outros."

    "Os homens nascem ignorantes, não estúpidos. Para torná-los estúpidos são necessários anos e anos de educação."


    "O mundo tem gente demais acreditando em coisas demais.  Se houvesse menos gente acreditando em menos coisas, talvez tudo fosse melhor."


    Asneira - O que você pensa.

    Bolchevique 
    - Alguém de quem eu discordo.

    Diabólico 
    - Aquilo que tem possibilidade de diminuir a renda dos ricos.

    Estúpido 
    - Tudo que pode ser verdade.

    Injusto 
    - Vantajoso pro outro lado.

    Juventude 
    - O que acontece aos velhos quando em movimento.

    Liberdade 
    - Direito de obedecer à polícia.

    Objetivo 
    - Uma manifestação de loucura quando é compartilhada por vários lunáticos.

    Pedante 
    - O sujeito que escreveu este livro.

    Revolucionário 
    - Sujeito que serve à humanidade de uma maneira que ela não aprecia.

    Sagrado 
    - Aquilo de que os arcebispos não duvidam.

    Verdadeiro 
    - Tudo que é aceito pelos examinadores.

    Virtude 
    - Submissão ao governo.

    Xenofobia 
    - A certeza andorrana de que os andorranos estão com toda razão.

    Os textos acima foram extraídos do jornal
     "O Pasquim", edições de 12 e 19/02/1979, gentilmente cedidos por Regina Werneck e Luiz Jorge para pesquisa.

    Tudo sobre 
    Millôr Fernandes e sua obra em "Biografias".



    terça-feira, 1 de abril de 2014

    Daniel Aarão Reis: "A tal consolidação da democracia é história da carochinha"

    O historiador diz que as tendências autoritárias que levaram ao golpe de 1964 estão enraizadas na sociedade brasileira

    GUILHERME EVELIN
    30/03/2014 10h00 - Atualizado em 30/03/2014 10h12
    Kindle
    Share1 
    CETICISMO Daniel Aarão Reis, na semana passada. Como antídoto para as tentações autoritárias, ele prega a “democratização da democracia” (Foto: Daryan Dornelles/Época)
    No final dos anos 1960, Daniel Aarão Reis era um dos militantes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), um dos grupos da luta armada contra a ditadura, assim batizado por causa da data em queChe Guevara, o líder revolucionário cubano, foi capturado na Bolívia. Nos anos 1970, foi para o exílio. Estudou história na França. Com a anistia de 1979, voltou ao Brasil. Teve uma militância política pelo PT, mas dela se afastou para se concentrar na vida acadêmica. Professor da Universidade Federal Fluminense, Reis tornou-se um dos principais historiadores da ditadura.
    ÉPOCA – O senhor diz que a ditadura continua a moldar o futuro da sociedade brasileira. Quais são os sinais da permanência da ditadura na vida nacional?
    Daniel Aarão Reis –
     Na minha perspectiva, a ditadura encerrou-se em 1979, com a revogação dos Atos Institucionais. Seguiu-se uma longa e acidentada transição, entre 1979 e 1988.  Ainda não havia um estado de direito democrático, mas já não havia ditadura, pois se exauriram os instrumentos de exceção. Ditadura é estado de exceção, quando os governos fazem e desfazem leis como querem, apenas baseados na força. Tal situação desapareceu a partir de 1979, quando passou a existir um estado de direito autoritário, mas não mais uma ditadura. Dado o caráter lento e gradual da transição da ditadura para a democracia, com a incorporação de numerosas forças que apoiavam a ditadura, o estado de direito democrático, depois de 1988 (com a edição da nova Constituição), conservou vários cacos da ditadura incrustados na atual ordem democrática, que muito a fragilizam. Entre esses cacos, estão a permanência da tutela militar sobre a ordem constitucional, a vigência da Lei de Segurança Nacional, a hipertrofia do Executivo, que esmaga o Legislativo, a repressão desatada aos movimentos populares, as concepções de desenvolvimento econômico, apoiadas na cultura política nacional-estatista, a vigência da Lei Fleury, o aristocratismo de nossas elites políticas, militares e sindicais. São legados pesados, que fragilizam a democracia brasileira. O antídoto a esse estado de coisas é a “democratização da democracia”.
    ÉPOCA – Para o senhor, os militares continuam a se comportar como “anjos tutelares da República”. Mas nunca tivemos um período tão longo da história da República com os militares longe das disputas políticas. A criação do Ministério da Defesa, chefiado por civis, não confinou os militares aos quartéis?
    Reis –
     Os militares estão silenciosos, saíram do proscênio. É um fator positivo, mas eles continuam dispondo de privilégios e regalias antirrepublicanos e antidemocráticos. É preciso disseminar entre eles a noção básica – e essencial – de que são funcionários públicos uniformizados, e não “patrões da República”, como deles dizia Epitácio Pessoa (presidente da República entre 1919 e 1922). Os governos civis democráticos não têm tido coragem de enquadrar e disciplinar as Forças Armadas. Elas se transformaram numa espécie de quisto, de “Estado dentro do Estado”. Isso é muito visível no que se refere à questão da abertura dos arquivos da repressão. Os chefes militares se recusam a entregar esses arquivos e continuam dizendo, sem sorrir, contra todas as evidências, que a tortura não foi uma política de Estado.
    ÉPOCA – O senhor diz que a sociedade construiu uma memória da ditadura como se ela fosse um “corpo estranho”, quando na verdade a ditadura tinha ampla base social. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) pode mudar essa “memória”?
    Reis – 
    A Comissão Nacional da Verdade tem tido uma atuação positiva, sobretudo na denúncia das torturas e dos torturadores. Mas, enquanto as Forças Armadas não resolverem colaborar com seu trabalho, ela permanecerá fundamentalmente inócua. A CNV não tem feito progressos em elaborar uma visão das relações complexas entre sociedade e ditadura. Para a CNV e para uma certa história oficial, é como se a sociedade tivesse resistido sempre à ditadura. Cultivam arquiteturas simplificadas e polarizações simplistas, maniqueístas. Grandes segmentos da sociedade gostam desse tipo de elaboração, porque faz economia de uma reflexão profunda a respeito das bases sociais e históricas da ditadura.
    "A inclusão na ‘resistência
    democrática’ da esquerda
    revolucionária é fruto da
    memória, não da história"
    ÉPOCA – As esquerdas dizem que faziam parte da “resistência democrática”, quando buscavam a ditadura do proletariado. Como se deu essa transformação? A esquerda brasileira fez autocrítica sobre o autoritarismo de seu projeto político?
    Reis – 
    As esquerdas brasileiras eram muito diversas e heterogêneas, assim como as direitas. Havia ali segmentos devotados à restauração da democracia, mas outros segmentos mais radicais, revolucionários, queriam não apenas derrubar a ditadura, mas destruir o capitalismo. Preconizavam uma revolução social por meio de uma guerra revolucionária, da qual resultaria uma ditadura revolucionária, sustentada pela imensa maioria das classes populares, como houve na China e em Cuba. Na luta pela anistia, tais segmentos revolucionários, já derrotados, foram reconfigurados como a ala extrema daquela que se convencionou chamar “resistência democrática”. Foi um recurso político, visando ampliar apoios na sociedade. Com o tempo, essa versão se  impôs como uma espécie de história oficial. Mas é fruto da memória, não da história. Muita gente confunde memória e história. Memória é um exercício seletivo, produz recordações, silêncios e esquecimentos. A história é uma disciplina, com regras próprias, trabalha com evidências, demonstradas em fontes objetivas, trata de explicá-las e interpretá-las. A reconfiguração da esquerda revolucionária como ala esquerda da resistência democrática foi uma operação memorialística, antes e acima de tudo, não pode ser apresentada como uma construção da história.
    ÉPOCA – O senhor aponta a hipertrofia do Estado, o corporativismo estatal e a cultura nacional-estatista como heranças malditas da ditadura. Essa parece mais uma análise de um liberal que de alguém que participou, nos anos 1960, de ações armadas contra a ditadura. Pode explicar sua crítica ao papel do Estado na sociedade brasileira? Em que sua posição mudou?
    Reis –
     A luta contra a tirania, com armas na mão, é um direito inquestionável, consagrado política, filosófica e historicamente. Como muitos militantes da esquerda revolucionária, revi minhas concepções à luz da experiência. Incorporei os valores democráticos como permanentes e essenciais. A crítica ao Estado hipertrofiado não é monopólio dos liberais.  Há diversas tendências de esquerda que fazem essa crítica de forma contundente. A rigor, a tradição liberal no Brasil associou-se frequentemente ao Estado, como na instauração da ditadura. Muitos liberais foram sócios ou cúmplices da formatação do Leviatã brasileiro. Desmoralizaram-se e enfraqueceram a credibilidade do liberalismo brasileiro.
    ÉPOCA – O ex-presidente Lula se declarou um fã do planejamento econômico dos governos militares, e a presidente Dilma imprime à economia um estilo “geiselista”. Como o senhor avalia a atitude dos governos de esquerda diante da herança da ditadura?
    Reis – 
    A cultura política nacional-estatista, fundada no Estado Novo, foi conservada pelo estado de direito autoritário entre 1946 e 1964, ampliada pelos governos ditatoriais e retomada em grande estilo pelo lulismo. Essa cultura política se redefiniu, se reconfigurou e permaneceu ao longo do tempo. Trata-se de uma cultura política com uma lógica autoritária, mesmo quando atende a demandas populares. Precisa ser criticada para que se fortaleçam as bases da democracia brasileira.
    ÉPOCA – O senhor menciona o risco de tentações autoritárias em caso de novas crises. Mas a ojeriza que hoje todos parecem nutrir em relação à ditadura não é um sinal de avanço da democracia brasileira e de que essas tentações autoritárias são coisa do passado? 
    Reis – 
    A tal consolidação da democracia brasileira é uma história da carochinha, um conto para boi dormir. A intolerância e as tendências autoritárias perpassam com vigor a sociedade brasileira. Querem dados? As taxas de homicídio, as de estupro, inclusive de crianças, as da violência policial, a vigência de uma assustadora homofobia, a prática disseminada da tortura e sua aceitação por amplos segmentos da sociedade. A democracia brasileira existe muito mais devido a uma equilibrada correlação de forças que devido a convicções democráticas arraigadas. Se houver uma crise grave, haveremos de ver as tentações autoritárias aparecerem com grande força no horizonte da sociedade brasileira.
    ÉPOCA – Temos sociedade de menos e Estado de mais?
    Reis –
     Certamente. Ao contrário do que disse Lula, a sociedade não deve ser cuidada pelos governantes, mas é ela, a sociedade, que deve cuidar dos governantes, controlá-los, mantê-los em rédea curta. A boa receita para superar essa situação não reside no falido liberalismo brasileiro, mas na democratização da democracia, com o reforço de perspectivas autonomistas, fundadas na auto-organização livre das gentes