terça-feira, 30 de outubro de 2012

SEGREDO DA COCA-COLA: SAL




POR: Prof. Dr. Carlos Alexandre Fett


Na verdade, a fórmula 'secreta' da Coca-Cola se desvenda em 18 segundos em qualquer espectrômetro-ótico, e basicamente até os cachorros a conhecem. Só que não dá para fabricar igual, a não ser que você tenha uns 10 bilhões de dólares para brigar com a Coca-Cola na justiça, porque eles vão cair matando.

A fórmula da Pepsi tem uma diferença básica da Coca-Cola e é proposital 
exatamente para evitar processo judicial. Não é diferente porque não conseguiram fazer igual não, é de propósito, mas próximo o suficiente para atrair o consumidor da Coca-Cola que quer um gostinho diferente com menos sal e açúcar.

Entre outras coisas, fui eu quem teve que aprender tudo sobre refrigerante gaseificado para produzir o guaraná Golly aqui (nos EUA), que usa o concentrado Brahma. Está no mercado até hoje, mas falhou terrivelmente em estratégia promocional e vende só para o mercado local, tudo isso devido à cabeça dura de alguns diretores.

Tive que aprender química, entender tudo sobre componentes de refrigerantes, conservantes, sais, ácidos, cafeína, enlatamento, produção de label de lata, permissões, aprovações e muito etc. e tal. Montei um mini-laboratório de análise de produto, equipamento até para analisar quantidade de sólidos, etc. Até desenvolvi programas para PC para cálculo da fórmula com base nos volumes e tipo de envasamento (plástico ou alumínio), pois isso muda os valores e o sabor. Tivemos até equipe de competição em stock-car.

Tire a imensa quantidade de sal que a Coca-Cola usa (50mg de sódio na lata) e voc ê verá que a Coca-Cola fica igualzinha a qualquer outro refrigerante sem-vergonha e porcaria, adocicado e enjoado. É exatamente o Cloreto de Sódio em exagero (que eles dizem ser 'very low sodium') que refresca e ao mesmo tempo dá sede em dobro, pedindo outro refrigerante, e não enjoa porque o tal sal mata literalmente a sensibilidade ao doce, que também tem de montão: 39 gramas de 'açúcar' (sacarose).

É ridículo, dos 350 gramas de produto líquido, mais de 10% é açúcar. Imagine numa lata de Coca-Cola, mais de 1 centímetro e meio da lata é açúcar puro... Isso dá aproximadamente umas 3 colheres de sopa CHEIAS DE AÇÚCAR POR LATA!...

Fórmula da Coca-Cola?
Simples: Concentrado de Açúcar queimado - Caramelo - para dar cor escura e gosto; ácido ortofosfórico (azedinho); sacarose - açúcar (HFCS - High Fructose Corn Syrup - açúcar líquido da frutose do milho); extrato da folha da planta COCA (África e Índia) e poucos outros aromatizantes naturais de outras plantas, cafeína, e conservante que pode ser Benzoato de Sódio ou Benzoato de Potássio, Dióxido de carbono de montão para fritar a língua quando você a toma e junto com o sal dar a sensação de refrigeração.

O uso de ácido ortofosfórico e não o ácido cítrico como todos os outros usam, é para dar a sensação de dentes e boca limpa ao beber, o fosfórico literalmente frita tudo e em quantidade pode até causar decapamento do esmalte dos dentes, coisa que o cítrico ataca com muito menor violência, pois o artofosfórico 'chupa' todo o cálcio do organismo, podendo causar até osteoporose, sem contar o comprometimento na formação dos ossos e dentes das crianças em idade de formação óssea, dos 2 aos 14 anos. Tente comprar ácido fosfórico para ver as mil recomendações de segurança e manuseio (queima o cristalino do olho, queima a pele, etc.).

Só como informação geral, é proibid o usar ácido fosfórico em qualquer outro refrigerante, só a Coca-Cola tem permissão... (claro, se tirar, a Coca-Cola ficará com gosto de sabão).

O extrato da coca e outras folhas quase não mudam nada no sabor, é mais efeito cosmético e mercadológico, assim como o guaraná, você não sente o gosto dele, nem cheiro, (o verdadeiro guaraná tem gosto amargo) ele está lá até porque legalmente tem que estar (questão de registro comercial), mas se tirar você nem nota diferença no gosto.

O gosto é dado basicamente pelas quantidades diferentes de açúcar, açúcar queimado, sais, ácidos e conservantes. Tem uma empresa química aqui em Bartow, sul de Orlando. Já visitei os caras inúmeras vezes e eles basicamente produzem aromatizantes e essências para sucos. Sais concentrados e essências o dia inteiro, caminhão atrás de caminhão! Eles produzem isso para fábricas de sorvete, refrigerantes, sucos, enlatados, até comida colorida e arom atizada.

Visitando a fábrica, pedi para ver o depósito de concentrados das frutas, que deveria ser imenso, cheio de reservatórios imensos de laranja, abacaxi, morango, e tantos outros (comentei). O sujeito olhou para mim, deu uma risadinha e me levou para visitar os depósitos imensos de corantes e mais de 50 tipos de componentes químicos. O refrigerante de laranja, o que menos tem é laranja; morango, até os gominhos que ficam em suspensão são feitos de goma (uma liga química que envolve um semipolímero). Abacaxi é um festival de ácidos e mais goma. Essência para sorvete de Abacate? Usam até peróxido de hidrogênio (água oxigenada) para dar aquela sensação de arrasto espumoso no céu da boca ao comer, típico do abacate.

O segundo refrigerante mais vendido aqui nos Estados Unidos é o Dr. Pepper, o mais antigo de todos, mais antigo que a própria Coca-Cola. Esse refrigerante era vendido obviamente sem refrigeração e sem gaseificaç ão em mil oitocentos e pedrada, em garrafinhas com rolha como medicamento, nas carroças ambulantes que você vê em filmes do velho oeste americano. Além de tirar dor de barriga e unha encravada, também tirava mancha de ferrugem de cortina, além de ajudar a renovar a graxa dos eixos das carroças. Para quem não sabe, Dr. Pepper tem um sabor horrível, e é muito fácil de experimentar em casa: pegue GELOL spray, aquele que você usa quando leva um chute na canela, e dê um bom spray na boca! Esse é o gosto do tal famoso Dr.Pepper que vende muito por aqui.

Refrigerante DIET

Quer saber a quantidade de lixo que tem em refrigerante diet? Não uso nem para desentupir a pia, porque tenho pena da tubulação de pvc... Olha, só para abrir os olhos dos cegos: os produtos adocicantes diet têm vida muito curta. O aspartame, por exemplo, após 3 semanas de molhado passa a ter gosto de pano velho sujo.

Para evitar isso, soma-se uma infinidade de outros químicos, um para esticar a vida do aspartame, outro para dar buffer (arredondar) o gosto do segundo químico, outro para neutralizar a cor dos dois químicos juntos que deixam o líquido turvo, outro para manter o terceiro químico em suspensão, senão o fundo do refrigerante fica escuro, outro para evitar cristalização do aspartame, outro para realçar, dar 'edge' no ácido cítrico ou fosfórico que acaba sofrendo pela influência dos 4 produtos químicos iniciais, e assim vai... A lista é enorme.

Depois de toda essa minha experiência com produção e estudo de refrigerantes, posso afirmar: Sabe qual é o melhor refrigerante? Água filtrada, de preferência duplamente filtrada, laranja ou limão espremido e gelo... Mais nada !!! Nem açúcar, nem sal.

Prof. Dr. Carlos Alexandre Fett - Faculdade de Educação Física da UFMT Mestrado da Nutrição da UFMT Laboratório de Aptidão Física e Metabolismo - (65 3615 8836) Consultoria em Performance Humana e Estética



OUTRO E-MAIL QUE CIRCULA COM OS POSSIVEIS EFEITOS DA COCA-COLA:


EFEITOS DA COCA-COLA:

Primeiros 10 minutos10 colheres de chá de açúcar batem no seu corpo, 100% do recomendado diariamente. Você não vomita imediatamente pelo doce extremo, porque o ácido fosfórico corta o gosto.

20 minutosO nível de açúcar em seu sangue estoura, forçando um jorro de insulina. O fígado responde transformando todo o açúcar que recebe em gordura (É muito para este momento em particular).

40 minutosA absorção de cafeína está completa. Suas pupilas dilatam, a pressão sanguínea sobe, o fígado responde bombeando mais açúcar na corrente. Os receptores de adenosina no cérebro são bloqueados para evitar tonteiras.

45 minutos: O corpo aumenta a produção de dopamina, estimulando os centros de prazer do corpo. (Fisicamente, funciona como com a heroína..)

50 minutosO ácido fosfórico empurra cálcio, magnésio e zinco para o intestino grosso, aumentando o metabolismo. As altas doses de açúcar e outros adoçantes aumentam a excreção de cálcio na urina, ou seja, está urinando seus ossos, uma das causas das OSTEOPOROSE.

60 minutos: As propriedades diuréticas da cafeína entram em ação. Você urina. Agora é garantido que porá para fora cálcio, magnésio e zinco, os quais seus ossos precisariam..Conforme a onda abaixa você sofrerá um choque de açúcar. Ficará irritadiço. Você já terá posto para fora tudo que estava no refrigerante, mas não sem antes ter posto para fora, junto, coisas das quais farão falta ao seu organismo. 





O SITE DA COCA-COLA RESPONDE:

Este e-mail é mais um spam que circula em todo mundo, podendo ser encontrado em várias línguas, como inglês, espanhol e italiano. Veja, abaixo, as explicações sobre cada afirmação da mensagem:
Nos primeiros 10 minutos: 10 colheres de chá de açúcar batem no seu corpo, 100% do recomendado diariamente. Você não vomita imediatamente pelo doce extremo porque o ácido fosfórico corta o gosto. • A quantidade de açúcar (carboidrato) presente em uma lata de Coca-Cola e dos refrigerantes com açúcar, em geral é 37g, com pequenas variações. Um adulto necessita de 300 g de carboidratos por dia (pode ser mais ou menos, dependendo de suas atividades). O spam afirma erradamente que a quantidade de açúcar na Coca-Cola atende a 100% do recomendado diariamente. Na verdade, atende a 12% das necessidades diárias de carboidratos. A informação nutricional no rótulo dos produtos da Coca-Cola Brasil, em atendimento à legislação vigente, permite ao consumidor fazer esta avaliação. Para referência, o suco de laranja natural contém aproximadamente a mesma quantidade de açúcar (11-12%) que um refrigerante. Já um suco de uva contém mais açúcar (14 a 16%).
20 minutos: O nível de açúcar em seu sangue estoura forçando um jorro de insulina. O fígado responde transformando todo o açúcar que recebe em gordura. (É muito neste momento particular.)• A afirmação que o açúcar dos refrigerantes é imediatamente transformado em gordura não procede. O organismo humano necessita de açúcar como fonte de energia e ele o utiliza em diversos processos metabólicos. Sem energia não há vida. Caso o açúcar não seja utlizado como fonte de energia ele pode se transformar em glicogênio (reserva energética) e ser armazenado no fígado. O açúcar, os demais carboidratos (glicose, frutose, amido), as gorduras e as proteínas que compõe a dieta podem se acumular no organismo na forma de gordura quando o consumo de energia é menor que a ingestão destes nutrientes. Por isto se recomenda que as pessoas, além de procurar se alimentar corretamente, façam exercícios físicos para consumir o excesso de energia, evitando o aumento do peso.
40 minutos: Absorção da cafeína está completa. Suas pupilas dilatam, a pressão sangüínea sobe, o fígado responde bombeando mais açúcar na corrente. Os receptores de adenosina no cérebro são bloqueados para evitar tonteiras.• A quantidade de cafeína em um refrigerante de cola é muito similar àquela de uma xícara de café. As avaliações de entidades científicas sobre o uso moderado de cafeína (uma lata de Coca-Cola contém quantidades moderadas de cafeína) mostram que não há risco em se consumí-la, seja no café, no chá, no mate, ou em refrigerantes de cola.
45 minutos: O corpo aumenta a produção de dopamina, estimulando os centros de prazer do corpo. (Fisicamente, funciona igualzinho com heroína.)
• A heroína é considerada a mais potente e viciante droga e seu consumo causa sérios problemas físicos e psicológicos e intensos problemas de ordem social e pode levar até à morte de seus usuários. A única relação entre o consumo de refrigerantes de cola e a dopamina é que a cafeína nele contida, em dose semelhante à de uma xícara de café, estimula levemente a produção da substância e, repetindo, não mais do que o consumo de uma simples xícara de café. Também deve-se entender que a dopamina é um neurotransmissor natural e necessário para o bom funcionamento do organismo. A liberação, no cérebro, de pequenas quantidades de dopamina estimuladas pela presença de cafeína pode ser benéfica, não havendo indicações que o consumo moderado da cafeína, presente no café, chá, mate e refrigerantes de cola, seja negativo para o ser humano.
60 minutos: O ácido fosfórico empurra cálcio, magnésio e zinco para o intestino grosso, aumentando o metabolismo. As altas doses de açúcar e outros adoçantes aumentam a excreção de cálcio na urina. Conforme a onda abaixa você sofrerá um choque de açúcar. Ficará irritadiço. Você já terá posto para fora tudo o que estava na Coca, mas não sem antes ter posto para fora junto coisas das quais seu organismo precisaria.
• O ácido fosfórico não causa a perda de cálcio e outros minerais. Funciona como fonte de fósforo, necessário para o organismo. As quantidades de fósforo em refrigerantes de cola são muito inferiores à ingestão diária recomendada considerando-se um consumo moderado.Uma lata de refrigerante de cola contém cerca de 60 mg de fósforo, proveniente do ácido fosfórico. Um adulto necessita de cerca de 700 mg de fósforo todos os dias. As principais fontes de fósforo da dieta são as carnes e os produtos lácteos. As pessoas não se tornam irritadas quando deixam de ingerir refrigerantes de cola. Este efeito não se demonstra e trata-se meramente de afirmação sem qualquer embasamento.
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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

DINHEIRO VINDO DO NADA....,

Capítulo 30 - kene
Nos contatos com outros ibus ou bolos, podem surgir certos acordos quanto a iniciativas conjuntas, não apenas troca de informações mas também a organização do trabalho em comum. A participação de cada bolo seria voluntária, mas é claro que os bolos que preferissem não cooperar não teriam direito a participar automaticamente e se beneficiar do acordo. A organização social é uma armadilha; em bolo’bolo, o preço de ser pego nessa armadilha pode ser kene, o trabalho externo compulsório.

Empresas comunitárias como hospitais, suprimento de energia elétrica e de água, tecnologias de ponta, preservação do ambiente, transportes, meios de comunicação, mineração, produção em massa de produtos selecionados, refinarias, siderúrgicas, centrais de tratamento de água, estaleiros, indústria aeronáutica, etc., requerem um certo número de ibus dispostos a trabalhar. É provável que a maioria se apresente voluntariamente, ou seja, eles podem até realizar suas paixões produtivas em empresas assim. Por outro lado, esse setor será drasticamente redimensionado e inteiramente determinado pela vontade das comunidades participantes. (Navios não têm que ser construídos; o ritmo e qualidade do trabalho serão definidos por aqueles que o fizerem; não há salários nem patrões; não há pressa nem lucratividade.) A atividade industrial dos bolos, cidades ou regiões (sem nada a ver com a iniciativa privada) será relativamente mansa, inofensiva e de baixa produtividade, e nunca mais tão repulsiva para os ibus envolvidos com ela. De qualquer modo, é razoável organizar algumas fábricas ou instituições centralizadoras em escala maior: uma usina siderúrgica de tamanho médio, cuidadosamente planejada e ecologicamente equipada polui muito menos do que uma fundição no quintal de cada bolo.

Assim, se um certo número de bolos ou outras comunidades decidissem levar adiante essas empresas médias, e não fosse possível encontrar ibus suficientes com inclinação para tais trabalhos, o que poderia ser feito? Deveria haver um apoio, e este serviço de apoio (kene) seria distribuído entre as comunidades participantes e declarado compulsório. Em troca, elas receberiam grátis os bens ou serviços produzidos.

A quantidade de kene (trabalho social ou externo) depende da situação. As sociedades mais tradicionais conhecem esse sistema, e em tempo de crise, ou quando o sistema econômico entra em colapso, elas voltam espontaneamente a ele se não forem tolhidas por intervenção estatal ou limite de propriedade. É imaginável que um bolo poderia dar 10% de seu tempo ativo (isto é, 50 ibus por dia durante algumas horas) para mutirões no município. Essa comunidade (tega) poderia repassar 10% de seu trabalho para a cidade (vudo), e assim por diante até atingir instituições planetárias. Dentro do bolo existiria um sistema de rodízio, ou outros métodos, dependendo dos hábitos e da estrutura. O resto do trabalho seria constituído de tarefas basicamente não-qualificadas e bobas, mas necessárias, embora provavelmente não satisfizessem nenhuma vocação pessoal. Para o ibu, individualmente, nem mesmo o trabalho que ele consente em fazer pode ser compulsório; ele sempre é livre para sai, mudar de bolo ou tentar tirar seu bolo desses acordos. Tudo isso será uma questão de reputação – munu. (Quer dizer, trabalhar compulsoriamente poderia arruinar a reputação de alguém.)


Capítulo Capítulo 31 - tega

Com base na comunicação (pili) e na atividade comunitária (kene), é possível existirem comunidades maiores que os bolos. A forma dessas confederações, coordenações ou outros cachos de bolos será diferente de região para região e de continente para continente. Os bolos também podem existir sozinhos (na selva) ou em grupos de dois ou três. Podem ter acordos maleáveis ou trabalhar estreitamente unidos, como num estado. Podem ocorrer justaposições, acordos temporários, enclaves e exclaves, etc.
Uma possibilidade básica para dez ou vinte bolos (6.000 a 10.000 ibus) é formar uma tega – um vila, aldeia, bairro, um vale, pequena área rural, etc. A tega pode ser determinada por conveniência geográfica, organização urbana, fatores históricos e culturais ou simples predileção. Uma tega (vamos chamá-la de bairro) satisfaz certas necessidades de seus membros: ruas, canais, água, usinas de energia, pequenas fábricas e oficinas, transporte público, hospital, florestas e águas, depósitos de material de todos os tipos, construções, bombeiros, regulação de mercado (sadi), socorros em geral e reservas para emergências. Mais ou menos, os bolos organizam um tipo de autogestão a nível local. A grande diferença com relação a fórmulas semelhantes nas sociedades atuais (associações de moradores, comitês de quarteirão, soviets, municípios, etc.) é que elas vêm de baixo (não são canais administrativos de regimes centralizadores) e que os próprios bolos, com sua forte independência, limitam o poder e possibilidade de tais "governos".
O bairro também pode assumir (se os bolos quiserem) funções sociais. Pode ter organismos para lidar com conflitos entre bolos, supervisionar duelos (ver yaka), encontrar ou dissolver bolos desabitados, organizar bolos (para ibus que não conseguem encontrar um estilo de vida em comum, mas assim mesmo querem viver num bolo...). Na estrutura do bairro, a vida pública deve se dar de forma tal que diferentes estilos de vida possam coexistir e que os conflitos continuem possíveis, mas não excessivamente irritantes. Nos bairros, outras formas de vida além dos bolos podem encontrar seu espaço: eremitas, ninhos de famílias nucleares, nômades, vagabundos, comunidades, avulsos. O bairro terá a tarefa de arranjar a sobrevivência dessas pessoas, ajudando a fazer acordos com bolos quanto a comida, trabalho, atividades sociais, recursos, etc. O bairro organiza tantas instituições comunitárias quantas os bolos participantes quiserem: piscinas, pistas de gelo, miniteatros e óperas, portos, restaurantes, festivais, festas, pistas de corrida, feiras, abatedouros, etc. Poderiam também existir fazendas de bairro baseadas em trabalho comunitário (kene). Nisso tudo, os bolos vão tomar cuidado para não perder muito de sua auto-suficiência para o bairro – o primeiro passo para um Estado central é sempre o mais inofensivo e insuspeito...


Capítulo 32 - dala / dudi

Um dos problemas das instituições sociais – mesmo quando elas preenchem as melhores e mais inocentes funções – é que tendem a desenvolver uma dinâmica própria em direção à centralização e à independência de seus próprios constituintes. A sociedade sempre traz o risco do retorno ao Estado, ao poder e à política. A melhor limitação dessas tendências é a auto-suficiência dos bolos. Sem isso, todos os outros métodos democráticos falharão, mesmo o princípio da delegação pelas bases, sistemas de rodízio nos cargos, controles e balanços, publicidade, o direito à informação plena, delegação por sorteio, etc. Nenhum sistema democrático pode ser mais democrático do que a independência material e existencial de seus membros. Não há democracia para pessoas exploradas, chantageadas e economicamente fracas.

Dada a autarquia dos bolos, podem ser feitas algumas propostas para minimizar os riscos de estatização. Dentro dos bolos não podem existir regras, já que sua organização interna é determinada por um estilo de vida e uma identidade cultural. Mas a nível de bairro (e em todos os níveis mais "altos"), os procedimentos seguintes poderiam ser razoáveis (naturalmente, os bolos de cada bairro encontrariam seu próprio sistema).

Os assuntos do bairro são discutidos e providenciados por uma assembléia (dala) à qual cada bolo manda dois delegados. Existirão ainda dois delegados externos (dudis) de outras assembléias (veja a seguir). Os bolo-delegados são tirados por sorteio, e metade dos delegados deve ser do sexo masculino (de modo que não haja super-representação de mulheres, que são a maioria natural). Todo mundo participa desse sorteio, mesmo as crianças. Claro que ninguém precisaria fiscalizar ou forçar um sistema assim; ele só existiria por acordo entre os bolos.

A assembléia do bairro (dala) escolhe dois dudis entre seus membros, também por sorteio. Esses delegados externos serão mandados por outro sistema de sorteio para outras assembléias (outros bairros, comarcas, regiões) de outro nível e outra área. Assim, um bairro do Rio de Janeiro mandaria seus observadores à assembléia da região (ver vudo) de Brasília, a assembléia de Cacurucaia enviaria olheiros a uma assembléia de bairro em Pelotas, a região Chihuahua, México, despacharia seus dudis a uma assembléia de comarca em Nova York, etc. Esses observadores ou delegados teria direito integral de voto e não seriam obrigados à discrição – na verdade, estariam ali justamente para serem indiscretos e interferentes nos assuntos externos.

Tais observadores poderiam destruir a corrupção local e introduzir opiniões e atitudes completamente estranhas – perturbariam as sessões, de modo a evitar que as assembléias desenvolvessem tendências isolacionistas e egoísmos regionais.
Além disso, as assembléias de todos os níveis poderiam ser limitadas pelo tempo (eleição para um ano somente), pelo princípio de reuniões abertas, pelas transmissões via TV, pelo direito de todos serem ouvidos durante as sessões, etc.
Os delegados dos bolos teriam status diferentes e seriam mais ou menos independentes das instruções de seus bolos. Seus mandatos também seriam mais ou menos imperativos – dependendo do tipo de bolo que representassem, se mais liberal ou mais socializado. Seriam responsáveis também pela execução de suas decisões (esta é outra limitação de suas tendências burocráticas) e sua atividade pode ser considerada uma espécie de trabalho compulsório (kene).

As dalas de qualquer nível não podem ser comparadas com parlamentos, governos ou mesmo órgãos de autogestão. Elas apenas organizam alguns interstícios sociais e acordos entre os bolos. Sua legitimidade é fraca (por sorteio), sua independência é pouca, suas tarefas limitadas ao local e meramente práticas. Poderiam ser comparadas a senados ou câmara dos lordes, ou seja, encontros de representantes de unidades independentes, um tipo de democracia feudal. Não são nem mesmo confederações. Os bolos sempre podem boicotar suas decisões ou convocar assembléias populares gerais...


Capítulo 33 - vudo

Os bolos vão resolver a maior parte de seus problemas sozinhos ou em seus bairros (tegas). Mas ao mesmo tempo a maioria dos bolos terá fazendas ou outros recursos além dos limites do bairro. Para acomodar essas coisas, uma coordenação mais ampla poderia ser conveniente em muitos casos. Dez a vinte bairros poderiam organizar certas tarefas numa estrutura de vudo (pequena região, cidade, comarca, cantão, vale).

O tamanho de uma comarca assim teria que ser muito flexível, dependendo das condições geográficas e das estruturas existentes. Representaria uma área funcional para aproximadamente duzentos mil ibus, ou quatrocentos bolos. Pouquíssimo transporte iria além de um vudo. A agricultura e as fábricas deveriam ser geograficamente unidas nesse nível, 90% auto-suficientes ou mais. Dentro de uma comarca seria possível a todo ibu viajar para algum lugar e voltar no mesmo dia (e ainda ter tempo para fazer alguma coisa). Em áreas densamente populadas a superfície poderia ser de 50 x 50 km, assim qualquer ibu daria a volta de bicicleta.

Uma comarca teria o mesmo tipo de tarefas de um bairro, só que numa escala maior: energia, meios de transporte, alta tecnologia, um hospital de emergências, organização de mercados e feiras, fábricas, etc. Um serviço específico das comarcas seria cuidar de florestas, rio, áreas montanhosas, pântanos, desertos – áreas que não pertencem a bolo nenhum, são usadas comunitariamente e precisam ser protegidas contra danos de todos os tipos. Uma comarca teria mais deveres no campo agrícola, especialmente quando lidasse com conflitos entre bolos (quem ganharia qual terra?).

Ela poderia ser organizada em torno de uma assembléia de comarca (vudo’dala). Toda assembléia de bairro mandaria dois delegados (um macho, uma fêmea) escolhidos por sorteio (ver dala, dudi).

Algumas comarcas teriam que ser maiores, para lidar com cidades de vários milhões de habitantes. Essas megalópolis colocam um problema especial, pois seus bolos urbanos (formados com facilidade) terão dificuldade de se tornar auto-suficientes em comida. Muitas serão as abordagens desse problema. Primeiro, as grandes cidades teriam que emagrecer, de modo a formarem unidades de não mais de quinhentas mil pessoas. Em certos casos, e em cidades historicamente interessantes (Nova York, Londres, Roma, Paris, Rio de Janeiro, etc.), isso não poderia ser feito sem estragar sua imagem típica. Aí essas supercomarcas precisariam concluir acordos especiais com comarcas ou regiões periféricas quanto à troca de comida por certos serviços culturais (teatros, galerias, museus, cinemas, etc.) para várias regiões. Por outro lado, os bairros adjacentes a tais cidades poderiam atingir uma plena auto-suficiência, e as áreas emagrecidas garantiriam pelo menos um suprimento parcial de comida para os centros urbanos.15

DINHEIRO VINDO DO NADA.UM MUNDO SEM DINHEIRO

Capítulo 39 - sadi
Presentes, fundos comuns e acordos de trocas, combinados com auto-suficiência, reduzem drasticamente a necessidade de câmbios econômicos, isto é, de valor calculado. A diversidade das identidades culturais destrói o pedestal da produção de massa, e assim também a sua comercialização. O investimento em tempo-trabalho será difícil de comparar, e a medida exata do valor de troca (através do dinheiro) será praticamente impossível. Mas assim mesmo pode ocorrer que certos ibus (eles ainda têm seu baú particular, o taku) ou bolos se interessem nesse tipo de trocas calculadas, para determinados fins. Essa é a função dos mercados locais, sadi. Esses mercados complementam as possibilidades de troca, determinando uma pequena parte da base existencial dos bolos.

Sob essas condições a circulação de dinheiro deixa de ser perigosa e não pode desenvolver seus efeitos infecciosos – o dinheiro vai ser um meio muito restrito.
A maioria dos bairros e comarcas (cidades) organiza feiras diárias, semanais ou mensais; as regiões mantêm feiras periódicas. Bairros ou cidades estabelecem locais especiais (antigos galpões de fábricas, grandes lojas, hangares, etc.) para seus mercados, de forma que possam funcionar também no inverno ou quando chove. Em torno dos mercados podem florescer inúmeras atividades sociais como bares, teatros, cafés, bilhares, salas de show, etc. Os mercados, como os bazares, serão pontos de encontro, espaços para a vida social e o entretenimento. Ao mesmo tempo, são pretextos para centros de comunicação.

Os mercados serão organizados e supervisionados por comitês (sadi’dala). Esses comitês vão determinar, de acordo com a decisão das respectivas assembléias, quais produtos podem ser trazidos para o mercado e em que condições. Mercados são ideais para produtos não-essenciais, fáceis de transportar, raros, duráveis e altamente sofisticados. Tais produtos terão freqüentemente características únicas, serão construções individuais, especialidades, delicadezas, drogas, joalheria, roupas, programas, etc. Se você precisa de tais itens não pode depender de presentes, e eles também não são próprios para acordos de troca a longo prazo. Se houver um banco de dados, é possível conseguí-los usando o mercado eletrônico.

Como não vão existir cédulas ou moedas internacionais, o mercado local vai ter seu próprio dinheiro não-conversível, ou talvez fichas como as de cassino. Os compradores e vendedores entram num mercado desses sem dinheiro algum e abrem uma conta de crédito no escritório do comitê do mercado (novamente, uma coisa simples de fazer por computação). Aí recebem 100 ou 1.000 cruzados, cruzeiros, shillings, florins, pennies, dólares, ecus, pesos, rublos, etc., que ficam devendo ao banco do mercado. Com esse dinheiro eles podem comprar e vender até o mercado fechar, no fim da tarde. Então eles devolvem as cédulas ou moedas, e um saldo positivo ou negativo é registrado sob seus nomes até o dia seguinte, etc. Essas contas não podem ser transferidas para outros mercados. A acumulação de contas muito grandes (fortunas) poderia ser dificultada pela programação de um dado misterioso no computador que cancelasse de repente todas as contas após períodos de, digamos, seis meses a dois anos. Já que não há aparato policial para punir quebras contratuais, qualquer tipo de negócio seria muito arriscado. Nada disso bane completamente a circulação do dinheiro, porque os ibus ainda poderiam se refugiar no ouro e na prata. Em distritos isolados, a moeda local poderia circular sem problema algum. A auto-suficiência e as outras formas de troca são o que mantêm o dinheiro dentro de certos limites (como acontecia na Idade Média).18

DINHEIRO VINDO DO NADA


Capítulo 41 - yakaa

O ibu tem boa índole, simpática e carente de amor, ou é briguento, fechado, violento? Será que só é agressivo porque o pesadelo do trabalho e da repressão o deixou invejoso, frustrado e irritável? Pode ser que sim. E ainda podem existir também ciúme, orgulho ofendido, destrutividade, antipatia, luxúria e assassinato, megalomania, obstinação, agressividade, explosões de raiva, delírios, Não dá para deixar de fora essas possibilidades. Por isso a yaka é necessária ao bolo’bolo.

A yaka torna possíveis as querelas, disputas, lutas e guerras.19 Tédio, tristes histórias de amor, loucura, misantropia, decepções, conflitos acerca de honra e de estilo de vida e até mesmo o êxtase podem levar a yakas. Elas podem acontecer entre:

ibus e bolos
bolos e bolos
tegas e ibus
bolos e vudos
ibus e sumis
vudos e sumis
etc.

Como outras formas de troca (neste caso, de violência física), as yakas (lutas) podem ser regulamentadas por certos acordos comuns, de modo a limitar o risco e o perigo. Ajudar os ibus e os bolos a manter o código da yaka será uma das tarefas das assembléias de bairro e de comarcas:

um desafio formal deve ocorrer na presença de ao menos duas testemunhas;
um desafio sempre pode ser recusado;
as respectivas assembléias (yaka-comitês de bolos, bairros, comarcas, etc.) devem ser convidadas a tentar a reconciliação;
a escolha das armas e da hora do duelo cabe ao desafiado;
o tipo de armadura é parte da arma;
o duelo deve ocorrer na presença de uma delegação dos respectivos comitês;
o respectivo yaka-comitê providencia as armas para ambas as partes;
assim que uma das partes se declara vencida, a luta cessa;
armas cujo alcance é maior do que a capacidade de ver o branco do olho do inimigo são proibidas (cerca de 100 jardas);
somente armas mecânicas (o corpo, bastões, maças, espadas, fundas, lanças, flechas, machados, pedras) são permitidas; nada de revólveres, venenos, granadas, fogo, etc.20

Os comitês de duelo arrumam as armas e o campo de batalha, organizam árbitros (armados, se preciso), cuidam de transportar e medicar os feridos ou moribundos, protegem os espectadores, animais, plantas, etc.

Se comunidades maiores (bolos, bairros, comarcas, etc.) entram em luta, os respectivos comitês de duelo podem ser obrigados a consideráveis esforços. Os danos causados pelas lutas devem ser reparados pelos desafiantes, mesmo em caso de vitória. Os duelos quase nunca estarão ligados a vantagens materiais para os vencedores, já que são muito caros e as partes são obrigadas a viver juntas depois. Assim, a maioria das motivações para duelos estaria no campo das contradições emocionais, culturais ou pessoais. Eles podem servir para aumentar ou diminuir a reputação de uma pessoa (munu). (No caso de prevalecerem as ideologias não-violentas, diminuir.)

É impossível predizer quão freqüentes, violentas e extensas serão as yakas. Elas são um fenômeno cultural, uma forma de comunicação e interação. Já que envolvem muitas desvantagens sociais e materiais (feridas, danos, reputações arruinadas), provam que são a exceção. Duelos e lutas não são jogos, e não podem simplesmente significar a representação ou sublimação da agressividade – não podem ser considerados um tipo de terapia; são riscos sérios e reais. É até mesmo possível que certas identidades culturais tenham que morrer sem lutas periódicas ou permanentes. A violência continua, mas não necessariamente a história.


fim

Solidão e política


09:17 | 22 de Outubro de 2012  
Emiliano José*

Está em Aristóteles ser o homem um animal político. Assim, com essa compreensão, o ser humano seria inerentemente político. Hannah Arendt irá contrariar essa formulação, ou enriquecê-la, ao defender que a política surge não no homem, mas sim entre os homens. A liberdade e a espontaneidade dos diferentes homens são pressupostos necessários para o surgimento de um espaço entre eles onde só então se torna possível a política. Isso explica a sua noção de que o sentido da política é a liberdade.
O homem, por isso, ao fazer política sempre necessariamente contracenando com outro, tornou-se dotado, de uma maneira especialmente misteriosa, do dom de fazer milagre – a saber, ele pode agir, tomar iniciativas, impor um novo começo. Esse agir, esse começar de novo, esse contracenar permanente com outros homens, é o que se denomina política, o que possibilita a civilização, permite um começar de novo, o surpreender, o avançar nas conquistas democráticas.
 Faço essa introdução tomando de empréstimo noções de Hannah Arendt para repor a importância e a dignidade da política, que vem sendo permanentemente bombardeada nos tempos que vivemos, com ou sem razão. Em geral, nesse bombardeio, misturam-se alhos com bugalhos, e a crítica justa perde-se junto com equívocos que terminam por desqualificar inteiramente a política, como se ela não fosse uma necessidade da vida entre os homens.
Ao dizer que a política nasce entre os homens, Hannah Arendt está dizendo que ninguém faz política solitariamente, como parece óbvio, mas nem sempre o é. O objetivo da política é a garantia da vida em sentido mais amplo, ela dirá. Quanto mais quando a vida, toda a humanidade, está sob ameaça permanente desde meados dos anos 1940, com a invenção da bomba atômica, referência permanente dela, em vários de seus livros. Só a política pode salvar a todos, ao tentar, insistentemente, criar marcos civilizatórios democráticos capazes de eliminar a ameaça atômica.
Penso nas tantas pessoas que dizem descartar a política, que imaginam saídas individuais. Nos que cultivam a idéia de recolhimento ao núcleo familiar, numa solidão que os livre da política, que os alheie da dureza do mundo, que lhes dê paz. A solidão, boa eventual e momentaneamente para os que queiram deparar-se consigo mesmos, pode ser, também, a perda de confiança no outro, a abstinência diante do mundo, o medo da pluralidade, da confrontação com a riqueza dos diferentes, base da vida política.
Quem se recusa a viver no deserto, e o deserto são as condições nem sempre serenas da existência, quem não compartilha seu destino com os demais, com a pluralidade humana, não modifica a existência, não constrói o oásis, o mundo onde podemos nos mover em liberdade – são metáforas mais que apropriadas também de Hannah Arendt, e uma crítica dura aos que se alienam da existência, aos que recusam a política. Creio que a política nos ensina a conviver com o deserto e com o oásis, com a alternância dessas condições.
É no espaço público que o homem assume a responsabilidade pelo mundo, compartilha com os outros essa responsabilidade, coloca sobre seus ombros o destino comum. É com a política que ele abre caminho constantemente para uma convivência fraterna, o que não quer dizer isenta de conflitos e de diferenças, partes constitutivas da vida democrática, parte da política. Penso nos tantos que imaginaram ter encontrado seus oásis com o exercício de qualquer espécie de solidão. Podem até imaginar ter encontrado a paz por algum tempo.
Mas, o deserto volta a bater à sua porta, com sua aspereza e sua beleza. Sua impressionante diversidade, a maravilha da pluralidade sob a aparência da aridez. O mundo reclama o concurso de todos. Não há saída à margem, por mais que se tente. A preocupação com o mundo, o exercício da política, pressupõe algo como uma obrigação, um dever de se preocupar, como chega a dizer Hannah Arendt literalmente. Dela: “que a esperança repouse sobre aqueles que vivem apaixonadamente sob as condições do deserto e que podem agir com coragem: pois o que eles fazem é político”. Viva a política!
*Artigo publicado na edição desta segunda-feira, 22, no jornal A Tarde.


quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Medíocres e perigosos


O reacionário é, antes de tudo, um fraco. Um fraco que conserva ideias como quem coleciona tampinhas de refrigerante ou maços de cigarro – tudo o que consegue juntar mas só têm utilidade para ele. Nasce e cresce em extremos: ou da falta de atenção ou do excesso de cuidados. E vive com a certeza de que o mundo fora da bolha onde lacrou seu refúgio é um mundo de perigos, pronto para tirar dele o que acumulou em suposta dignidade.
 Para ele, tudo o que é diferente tem potencial de destruição
Como tem medo de tudo, vive amargurado, lamentando que jamais estenderam um tapete à sua passagem. Conserva uma vida medíocre, ele e suas concepções e nojos do mundo que o cerca. Como tem medo, não anda na rua com receio de alguém levar muito do pouco que tem (nem sempre o reacionário é um quatrocentão). Por isso, só frequenta lugares em que se sente seguro, onde ninguém vai ameaçar, desobedecer ou contradizer suas verdades. Nem dizer que precisa relaxar, levar as coisas menos a sério ou ver graça na leveza das coisas. O reacionário leva a sério a ideia de que é um vencedor.
A maioria passou a vida toda tendo tudo aos alcance – da empregada que esquentava o leite no copo favorito aos pais que viam uma obra de arte em cada rabisco em folha de sulfite que ele fazia – e cultivou uma dificuldade doentia em se ver num mundo de aptidões diversas. Outros cresceram em meios menos abastados – e bastou angariar postos na escala social para cuspir nos hábitos de colegas de velhos andares. Quem não chegou aonde chegou – sozinho, frise-se – não merece respeito.
Rico, ex-pobre ou falidos, não importa: o reacionário clássico enxerga em tudo o que é diferente um potencial de destruição. Por isso se tranca e pede para não ser perturbado no próprio mundo. Porque tudo perturba: o presidente da República quer seu voto e seus impostos; os parlamentares querem fazê-lo de otário; os juízes estão doidos para tirar seus direitos acumulados; a universidade é financiada (por ele, lógico) para propagar ideias absurdas sobre ideais que despreza; o vizinho está sempre de olho na sua esposa, em seu carro, em sua piscina. Mesmo os cadeados, portões de aço, sistemas de monitoramento, paredes e vidros anti-bala não angariam de todo a sua confiança. O mundo está cheio de presidiários com indulto debaixo do braço para visitar familiares e ameaçar os seus (porque os seus nunca vão presos, mesmo quando botam fogo em índios, mendigos, prostitutas e ciclistas; índios, mendigos, prostitutas e ciclistas estão aí para isso).
Como não conhece o mundo afora, a não ser pelas viagens programadas em pacotes que garantem o translado até o hotel, e despreza as ideias que não são suas (aquelas que recebeu de pronto dos pais e o ensinaram a trabalhar, vencer e selecionar o que é útil e o que é supérfluo), tudo o que é novo soa ameaçador. O mundo muda, mas ele não: ele não sabe que é infeliz porque para ele só o que não é ele, e os seus, são lamentáveis.
Muitas vezes o reacionário se torna pai e aprende, na marra, o conceito de família. Às vezes vai à igreja e pede paz, amor, saúde aos seus. Aos seus. Vê nos filhos a extensão das próprias virtudes, e por isso os protege: não permite que brinquem com os meninos da rua nem que tenham contato com ideias que os retirem da sua órbita. O índice de infarto entre os reacionários é maior quando o filho traz uma camisa do Che Guevara para casa ou a filha começa a ouvir axé e namorar o vocalista da banda (se ele for negro o infarto é fulminante).
Mas a vida é repleta de frestas, e o tempo todo estamos testando as mais firmes das convicções. Mas ele não quer testá-las: quer mantê-las. Por isso as mudanças lhe causam urticárias.
Nos anos 70, vivia com medo dos hippies que ousavam dizer que o amor não precisava de amarras. Eram vagabundos e irresponsáveis, pensava ele, em sua sobriedade.
Depois vieram os punks, os excluídos de aglomerações urbanas desajeitadas, os militantes a pedir o alargamento das liberdades civis e sociais. Para o reacionário, nada daquilo fazia sentido, porque ninguém estudou como ele, ninguém acumulou bens e verdades como ele e, portanto, seria muito injusto que ele e o garçom (que ele adora chamar de incompetente) tivessem o mesmo peso numa urna, o mesmo direito num guichê de aeroporto, o mesmo lugar na fila do fast food.
 O reacionário vive com medo. Mas não é inofensivo. Foto: Galeria de GorillaSushi/Flickr
Para não dividir espaços cativos, frutos de séculos de exclusão que ele não reconhece, eleva o tom sobre tudo o que está errado. Sabendo de seus medos e planos de papel, revistas, rádios, televisão, padres, pastores e professores fazem a festa: basta colocar uma chamada alarmista (“Por que você trabalha tanto e o País cresce tão pouco?”) ou música de suspense nas cenas de violência (“descontrolada!”) na tevê para que ele se trema todo e se prepare para o Armagedoon. Como bicho assustado, volta para a caixinha e fica mirabolando planos para garantir mais segurança aos seus. Tudo o que vê, lê e ouve o convence de que tudo é um perigo, tudo é decadente, tudo é importante, tudo é indigno. Por isso não se deve medir esforços para defender suas conquistas morais e materiais.
E ele só se sente seguro quando imagina que pode eliminar o outro.
Primeiro, pelo discurso. No começo, diz que não gosta desse povinho que veio ao seu estado rico tirar espaço dos seus. Vive lembrando que trabalha mais e paga mais impostos que a massa que agora agora quer construir casas em seu bairro, frequentar os clubes e shoppings antes só repletos de suas réplicas. Para ele, qualquer barberagem no trânsito é coisa da maldita inclusão, aqueles bárbaros que hoje tiram carta de habilitação e ainda penduram diplomas universitários nas paredes. No tempo dele, sim, é que era bom: a escola pública funcionava (para ele), o policial não se corrompia (sobre ele), o político não loteava a administração (não com pessoas que não eram ele).
Há que se entender a dor do sujeito. Ele recebeu um mundo pronto, mas que não estava acabado. E as coisas mudaram, apesar de seu esforço e sua indignação.
Ele não sabe, mas basta ter dois neurônios para rebater com um sopro qualquer ideia que ele tenha sobre os problemas e soluções para o mundo – que está, mas ele não vê, muito além de um simples umbigo. Mas o reacionário não ouve: os ignorantes são os outros: os gays que colocam em risco a continuidade da espécie, as vagabundas que já não respeitam a ordem dos pais e maridos, os estudantes que pedem a extensão de direitos (e não sabem como é duro pegar na enxada), os maconheiros que não estão necessariamente a fim de contribuir para o progresso da nação, os sem-terra que não querem trabalhar, o governante que agora vem com esse papo de distribuir esmola e combater preconceitos inexistentes (“nada contra, mas eles que se livrem da própria herança”), os países vizinhos que mandam rebas para emporcalhar suas ruas.
 
Muitas vezes o reacionário se torna pai e aprende o conceito de família. Vê nos filhos a extensão das próprias virtudes, e por isso os protege: não permite que brinquem com os meninos da rua nem que tenham contato com ideias que os retirem da sua órbita
O mundo ideal, para o reacionário, é um mundo estático: no fundo, ele não se importa em pagar impostos, desde que não o incomodem.
Como muitos não o levam a sério, os reacionários se agrupam. Lotam restaurantes, condomínios e associações de bairro com seus pares, e passam a praguejar contra tudo.
Quando as queixas não são mais suficientes, eles juntam as suas solidões e ódio à coletividade (ironia) e passam a se interessar por política. Juntos, eles identificam e escolhem os porta-vozes de suas paúras em debates nacionais. Seus representantes, sabendo como agradar à plateia, são eleitos como guardiões da moralidade. Sobem a tribunas para condenar a devassidão, o aborto, a bebida alcoolica, a vida ao ar livre, as roupas nas escolas. Às vezes são hilários, às vezes incomodam.
Mas, quando o reacionário se vê como uma voz inexpressiva entre os grupos que deveriam representá-lo, bota para fora sua paranóia e pragueja contra o sistema democrático (às vezes com o argumento de que o sistema é antidemocrático). E se arma. Como o caldo cultural legitima seu discurso e sua paranoia, ele passa a defender crimes para evitar outros crimes – nos Estados Unidos, alvejam imigrantes na fronteira, na Europa, arrebentam árabes e latinos, na Candelária, encomendam chacinas e, em QGs anônimos, planejam ataques contra universitários de Brasília que propagam imoralidades (leia mais AQUI).
O reacionário, no fim, não é patrimônio nacional: é um cidadão do mundo. Seu nome é legião porque são muitos. Pode até ser fraco e viver com medo de tudo. Mas nunca foi inofensivo.