quinta-feira, 17 de maio de 2012

Hedonismo

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA


CARLOS VIEIRA

A palavra “hedonismo” tem sua origem no grego hedonê, prazer, vontade. Filosoficamente é um doutrina que afirma ser o prazer o supremo bem da vida humana. Seus representantes gregos foram Aristipo de Cirene e Epicuro. Hodiernamente, o hedonismo prega e difunde a Felicidade para o maior número de pessoas possíveis.

No sentido popular, numa linguagem comum, fugindo de sua concepção original, o hedonismo diz a respeito à possibilidade de uma vida egocêntrica, voltada para o prazer material. A questão que desenvolvo é se esse “prazer material” assegura às pessoas um sentimento de felicidade, uma vida onde não haja conflito psíquico e, como tal, a alternância de prazer e dor.

Existem controvérsias entre as Escolas filosóficas que defendem o hedonismo. De um lado, a Escola Cirenaica que distinguia dois estados de alma: o prazer (movimento suave do amor) e a dor (movimento áspero do amor). Na Idade Moderna, Julien Offray de La Mettlei, iluminista francês, atualizou o hedonismo, e seu discípulo Donatien Alphonse Francois de Sade radicalizou-o, transformando-o em amoralismo, transformando o ideal de “serenidade” em “frieza” diante das outras pessoas. Stuart Mill assume o critério de qualidade e formula a lei de interesse pessoal ou princípio hedonístico: cada indivíduo procura o bem e a riqueza e evita o mal e a miséria. Critério que, a meu ver, nega as questões sociais, pois esse ideal seria um ideal de uma sociedade igualitária, sem diferença de classes e de uma condição socioeconômica também idealizada.

Falar em hedonismo, falar em prazer é enfocar um lado da questão: a natureza humana, a condição corporal e psíquica da espécie humana que traz em seu bojo a “dualidade existencial”: prazer e dor. Essa é a noção fundamental do conflito. Não há vida humana sem conflito, ato contínuo, nossa vida é permeada de momentos de sofrimento e momentos de prazer.

S. Freud, em seu belo artigo sobre “As Pulsões e Destinos da Pulsão (1915)”, revela uma evidência dolorosa: somos movidos por forças psíquicas que procuram satisfação, prazer, mas somos também, desde criança, levados, por instinto, a destruir, agredir, inclusive a nós mesmos, no sentido do masoquismo primário. O homem é um ser que tanto cria como destrói. O que nos resta nessa vida é cuidar para que a violência não predomine sobre a amorosidade.

Claro que desejamos viver em prazer; óbvio que a mente humana faz tudo para manter esse prazer e se livrar da dor. No entanto, a alternância de prazer-dor é a tessitura da nossa realidade intrínseca. Advogar uma vida de plenitude de prazer, de permanência no prazer e na felicidade, é negar onipotentemente a nossa condição humana.

Hoje em dia vivemos numa sociedade consumista, acumuladora de bens materiais. Uma sociedade que não mede esforços para extrair do seu egoísmo patológico maneiras de obter riqueza, domínio, poder para ter a “ilusão” de que esses fatores lhe assegurariam a “felicidade plena”, o hedonismo utópico. Cada indivíduo procura o bem e a riqueza e evita o mal e a miséria, ideia citada acima. É óbvio que todo ser humano procura o bem-estar e a felicidade, mas isso implica em fatores sociais e econômicos, fazendo com que somente a “classe dominante” chegue perto desse ideal. E mesmo assim, duvido que a condição material assegure o prazer hedonista perene.

Incentivar o prazer, viver estados de satisfação, prolongar essa satisfação na medida em que se pode, é legítimo e saudável. Perpetuar o prazer é morrer, é negar a importância da dor e da frustração como elementos de crescimento psíquico. No prazer não se pensa, não se trabalha. No prazer só há espaço para o prazer e isso é temporário, circunstancial e passageiro. O velho ditado popular “não há bem que nunca se acaba e não há mal que dure sempre” é a evidência concreta que o absolutismo hedonista é irreal. O que seria de nós se não houvesse a “quarta-feira de cinzas”? Estaríamos fadados a um carnaval infindo, a uma vida megalomaníaca de exaltação, exacerbação do Eu, num estado egocêntrico destrutivo. Mesmo o prazer de férias prolongadas acaba em falta de sentido e sentimento de ociosidade maléfica.

O fato importante e cruel, mas suportável, é que o ser humano odeia o trabalho. Por outro lado, o trabalho é uma maneira de propiciar o prazer. Não há trabalho que assegure nessa terra o “mito eterno do Paraíso”.

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