segunda-feira, 18 de março de 2013

enquanto colhia amoras sequencia 1


ENQUANTO COLHIA AMORAS





                         Encontraram D. Tidinha na janela com o olhar perdido na direção do não sei o que, agora era ela que parecia variar, mas não, estava era “mastigando” suas tristezas.

                          -Tida ! ou minha veia !

                          -Meu veio ! eu tô aqui ! se aquete ! vamo tomar um banho no rio, meu véio ! vamo ?

                             A noite era escura, a lua minguante caminhava quase despercebida num céu de muitas nuvens. Nestor nem parecia o viajante do espaço, estava com os pés no chão. Pegou o sabonete, a toalha e um calção de “mescla”, se juntou à mulher e foram andando pelo meio do pasto para beira do rio Mirauna. Banho a dois não era comum, os afazeres distintos provocavam desencontros, de modo que quando era possível, algo extraordinário estava acontecendo.
                          -A água tá quentinha Tida !

                           Tudo começou com um ensaboamento um no outro, se amaram de tal forma que parte ou todo desabores se foram com a correnteza do rio.

                           Um outro personagem de aparência muito triste e ao mesmo tempo curiosa, pelo seu jeito de se comportar era Crispim. Era filho Dalí mas os mais velhos se lembravam dele, depois de muitos anos fora retornou de repente se acomodando na casa de uma tia no fim do beco. Costumava sentar na plataforma da estação ferroviária com um caderno  ficava horas escrevendo e pensando.
                           Zé Neguinho ficava doido de cachaça, nas suas crises sempre alguém queria lhe matar e foi assim que impulsionado pelo “delirius tremis” atacou o próprio filho, viu nele um inimigo, lhe desferindo golpes de foice num ataque enlouquecido, o pobre garoto indefeso gritou, tão desesperado que acordou os vizinhos que de candeeiros nas mãos assustaram aquela cabeça maluca, entraram pelos olhos esbugalhados de Zé e o fizeram recuar, largar a foice.

                         -Podem me matar !!!

                         -Mariana de Toninho “acudiu” o garoto ensanguentado.

                         -Havia !! arguém vai acordar o vereador ! 

                          Já tinha ido, Zeferino disparou quando viu o garoto mole, arriado no canto da cozinha.

                         -Socorro !!!Seo Vitoriano !

                         -O que é que há home ?

                         -Zé Neguinho meteu a foice no ”fio”, o bichinho tá se esvaindo em sangue !

                         -Miserável cachaceiro !

                         Quando a camionete avançava pela estrada um mundo de gente já vinha carregando o menino enrolado num lençol, Vitoriano pisou no freio,  jogaram o menino dentro e Mariana “pongou” deixando pra trás um pé de sandália “japonesa”.

                        -Painho ! por que painho ? eu tenho tanta pena do sinhô e o sinhô qué mi matar ! Dona Mariana meu sangue tá vazando todo, eu tô morrendo Do na Mariana !!!!

                        -Carma ! carma meu “fio”, já tamo chegando no hospitá!

                         Cinco Rios é perto, né Dona Mariana ? eu vou me sarvá!
                        -Vai sim meu fio!

                         Lá no Vale deram água com açúcar a Zé e um chá de muitas folhas misturadas, o homem começou a suar até adormecer e enquanto Dona Florinda rezava sacudindo uns ramos de “São Gonçalinho” Zé começou a roncar, um ronco assustador diante de pessoas curiosas e solidárias.

                        -O mardito ainda tá nele, num foi imbora não.

                         A nicotina absorvida do cigarro de fumo-de-corda faz gastura na garganta e ele tem um acesso de tosse, ao se acalmar continua adormecido, mas com um ronco mais suave.

                        -Agora Zé tá sozinho, vamo ajeitar o pescoço dele e deixar ele dormir, peço a todos que me acompanhe num “Pai Nosso”.


                         No hospital, o prestigio do vereador abriu caminho e Cosme foi logo atendido, o caso não era grave, foi só estancar o sangue e fazer uma sutura de dois cortes, um no braço e outro no ombro. Mariana contou o acontecido a enfermeira.

                        -Coitadinho !!!

                        -O pior é que se ele vorta pra casa assim, corre o risco do pai ficar azuado de novo. É um menino sofredor, vive largado, se alimenta de fruta que arranja aqui e acolá, ou quando arguem dá um pratinho de comida, quanta farta faz uma mãe ! O vereador disse que vai ter uma conversa com o pai dele, e não vai botar poliça no meio, mas se ele aprontar outra, ele lava as mão! 

                         A enfermeira acabou se compadecendo tanto que acolheu o menino em sua casa, prometeu ficar com ele até sua recuperação, cuidaria dos ferimentos em casa, evitaria complicações que certamente aconteceriam na sua vida de menor mais ou menos abandonado.
                          Cosme ficou bom, o sinal da sua recuperação não foi no melhor estilo, o menino despareceu enquanto sua protetora trabalhava, encontrou uns meninos vadios jogando bola de “gude”, ficou espiando,meio revoltado com um gordinho que embolsava as bolinhas dos adversários, tantas que seu bolso não suportavam mais nada e quando ficou sem competidor ele então se transformou num desafiante.

                         -Não tenho gude nem dinheiro, tenho este boné que a tia me deu ontem, tá novinho, troco ele por dez bolas, e vamos jogar!

                         -Dou seis, seu boné pode ser novo  mas já foi na sua cabeça.

                         -Fechado !

                          O jogo começou e foi andando, entraram  em becos e quando se deram conta estavam bem afastados e o gordinho derrotado.

                         -Esta sandália é novinha, troco por dez bolas !

                         -A sandália pode ser nova mas já foi nos seus pés, dou seis bolas !

                         -Fechado !

                          O jogo não continuou, um carroceiro amigo da enfermeira localizou os viciados e então Cosme disparou de volta pra casa, mas não teve desculpas.

                          -Pegue suas coisas, vou lhe entregar a Mariana, ela que se resolva com seu pai, já chega ! você já está bonzinho, aliás, bom até demais !

                           E Cosme voltou para o Vale, alguns quando o viram andando de um lado para o outro soltavam um “descunjuro” e se benziam.

                           -Aquele menino é o cão Seo Jonas, traquino demais. Quando todo mundo pensou que a enfermeira ia ficar com ele, oi ele ! perverso ! Vije Maria !! cachorro, gato, qualquer bicho que passe na frente dele ele Judeia, dia desse eu fui reclamar porque ele tava derrubando as manguinhas verde de Seo Tonho, ele me mandou tomar no cú.

                            Gimba e quase todos que moravam por perto olhavam Cosme com desconfiança, ninguém gostava dele. Um dia, quando trabalhava na horta, Jonas percebeu o menino na beira da cerca observando.

                           -Seo Jonas !

                           -Oi Cosme !

                           O Sr, deixa eu lhe ajudar ?

                           Gimba chegou na hora.

                         - Deixa não Seo Jonas!  Se ele entra não vai mais sair, vai ficar aporriando o Sr. todo dia !

                          A descriminação era natural,no campo as pessoas confundem falta de oportunidade com falta de vergonha. Criado sem mãe, sem carinho, tendo logo cedo de se virar para comer. Cosme era danado na arte de pular cerca para buscar alimento. Não se achava um ladrão diante de tanta fartura, mangas e jambos apodrecendo no chão.
  
O Vale tinha seus filhos nobres, quase nunca apareciam, ma o orgulho dos mais velhos mantinham seus nomes em evidências. Dr. Luiz e Dr. Claudionor, engenheiros, Dr. Fernando e Dr. Cleber, médicos, Dr. Amaildo, advogado, Tenente Sílvio, do exército brasileiro e até um senador da República, Dr. Senador Dermeval Almeida, eleito por um estado vizinho, mas isso pouco importava, o que era interessante era vê-lo nos jornais e ouvir sua voz no rádio na “A voz do Brasil”.

                           Nestes tempos ouvia-se dizer que uma estrada ia cortar as terras do Vale do Ararí, pista asfaltada e o progresso do Brasil passando por ali, diziam até que o Vale ia virar cidade, sonhos que mexiam com a esperança daquele povo. A estrada chegou, não passando raspando o povoado, mas a dois quilômetros, passou rasgando o morro da Barra, terras pertencentes a Seo Zezé, tio de Jonas.

                           O Vale do Ararí, hoje tem energia elétrica, água encanada, Ginásio, e só. Falta o passado, falta o trem apitando, a estação movimentada, é triste vê-la degradada parecendo ter sido vítima de um bombardeio. Falta aquela população de uma alegria inocente. Faltam as serenatas, as reuniões de amigos, pois na verdade era assim que o Vale era, um povoado habitado por amigos.

                           As lembranças, as saudades são muitas e por certo continuarão na cabeça de Jonas, muitas amoras ainda serão colhidas e muitas viagens acontecerão, agora vamos considerar que por enquanto a safra acabou.  

                             
As melhores histórias jamais serão completamente escritas, assim como os melhores momentos jamais retornarão do mesmo jeito que foram vividos, por isso, quando estiver feliz viva intensamente ! pois o tempo arrastará tudo e só ficarão as lembranças.

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