terça-feira, 16 de outubro de 2007

A província da Bahia


Tasso Franco

(Transcrito do jornal Tribuna da Bahia)

A Bahia é uma província, desde o tempo da República Velha. Na Nova República, assim chamada pós-Tancre-do Neves (1984) e mesmo na era das ditas práticas republicanas, continua a velha província da Bahia. Exemplo mais sintomático desse ranço provinciano foi o epíteto criado pelo atual governo do Estado para definir o Centro Histórico de Salvador, conhecido assim há centúrias, para Centro Antigo, e o desmonte das atividades lúdicas, comerciais e culturais no Pelourinho.

Certo fez Dorival Caymmi, menestrel que colocou a província baiana no cenário da música nacional, o qual, se mandou da Bahia e foi embora sem dizer adeus. O governo do Estado na época de ACM ainda quis lhe dar uma casa em Salvador, mas ele recusou. Fez certo. Disse que a Bahia tinha virado um cocô depois da Rio/Bahia. Nunca mais veio em Salvador, salvo recentemente, quando recebeu uma homenagem no TCA e foi embora de novo sem visitar cenários que imortalizou.

Gilberto Gil também fez o mesmo. - A Bahia me deu, régua e compasso/ Quem sabe de mim sou eu/ Aquele abraço. Versou e se mandou também. Nos idos dos anos 1980, ainda tentou ser prefeito de Salvador, porém não conseguiu. Foi embora de malas e bagagens para o Rio de Janeiro e nos últimos cinco anos, eventualmente, vai a Brasília dirigir o Ministério da Cultura. Só vem a Bahia na época do Carnaval para ganhar um capilé a mais e/ou para assinar dois ou três convênios em sua área. Quando não, manda seu secretário geral, Juca Ferreira.

Aquele Gil que um dia lutou para recolocar o afoxé na posição que sempre mereceu, desfilando no rés-do-chão tocando agogô e cantando ajariô; aquele bravo e militante Gil da cultura do povo baiano, do povo de santo recentemente ridicularizado com uma tal de “Ebó-Arte”, desrespeito a preceito sagrado do candomblé patrocinado pelo poder estatal na capela do MAM, está aposentado. Paciência, ninguém é de ferro pra ficar o tempo todo dando murro em ponta de faca. Faz parte.

O “Ebó-Arte” patrocinado num dos templos das artes plásticas baianas, cenário de outros espetáculos e encenações teatrais e musicais, lançamentos de livros e outros, foi simplesmente ridículo, desproposital, como foram as brincadeiras de mau gosto com anãs e garrafas plásticas de Fanta. Não existiu na história dos últimos 50 anos de Bahia nada tão grotesco, tão absurdo, tão irracional, quanto o “Ebó-Arte”, não só pela agressão ao preceito básico do povo de santo; mas também a arte em si.

Além de Caymmi e Gil, voltando ao fio da meada, deixaram a Bahia depois dos efervescentes anos da contra-cultura e da Ufba de Edgard Santos, Caetano Veloso, Moraes Moreira, João Ubaldo Ribeiro, João Carlos Teixeira Gomes, Maria Bethânia, Sônia Cou-tinho, Antonio Torres, Glauber Rocha, Dias Gomes, Lázaro Ramos e tantos outros. Se não fosse a turma de Jorge Amado que aqui ficou, ainda com poucos representantes em vida, um ou dois Antonio Risério, um ou dois Fernando Conceição, adeus Bahia.

Quem é e quem faz a cultura baiana? A propósito, Antonio Risério escreveu recentemente em “Algumas Notas Baianas”, Revista Metrópole, que a Bahia vive “dias de radicalização do provincianis-mo e aprofundamento da mediocridade”. E acrescenta: “Em todos os seus níveis, planos, instâncias, dimensões, na administração pública, na produção artística”, pois, não há projetos para Salvador, nem para o Estado. Até o Domingueiras e o Chapéu de Palha (a observação é nossa), capitaneados pelo produtor Roberto Santana, dentro da proposta de modernização conservadora da era ACM foi riscado do mapa pela direção grupista da Secult.

A ameaça que se impôs a Fundação Casa de Jorge Amado, felizmente agora com a palavra do governador Wagner de que tudo está resolvido, é um desses atos típicos da província. Melhor seria, com todo respeito que se tem à dedicação e ao esforço de Miriam Fraga, levar o acervo do notável escritor brasileiro para a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, onde certamente teria um tratamento digno. Da maneira em que se encontra os prejuízos ao acervo serão inevitáveis.

Veja o seguinte: se o Estado brasileiro, tendo à frente um ministro de Cultura da Bahia, não consegue alocar R$3,5 milhões para se instalar um memorial a Jorge Amado, em sua Casa do Rio Vermelho, centro internacional da cultura literária nacional, pode-se advir o que acontecerá, em futuro próximo, à Fundação e ao projetado Memorial. Como disse João Ubaldo Ribeiro em recente entrevista, Jorge não foi uma personalidade qualquer para a Bahia e sim única.

Vejam outra historinha curiosa: tombaram a Igreja de Nossa Senhora da Vitória diante de uma briga judicial envolvendo a construção de um edifício de 36 andares na área da antiga Mansão Wildberger, como se a linha de ocupação do Corredor da Vitória estivesse virgem. Uma coisa não tem nada a ver com a outra diante do valor patrimonial e artístico da igreja, um templo sem gabarito para tal, mas, o desejo provinciano de alta personalidade da cultura nacional, assim procedeu. Até o pároco do templo, Luis Simões, foi contra.

Como Dias Gomes já morreu e não tem mais condições de escrever o besteirol do provincianismo baiano, nem Glauber documentá-lo em cine, resta torcer para que as práticas republicanas em uso na Bahia nos dias atuais, sejam aperfeiçoadas e respeitem, quando nada, a memória do maior e mais traduzido escritor que este país já teve. Quanto ao Pelourinho, no embalo de desmonte em que se encontra, certamente voltará a ser palco dos velhos fantasmas que povoaram o local nos anos de 1970.

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