segunda-feira, 29 de outubro de 2012

DINHEIRO VINDO DO NADA....,

Capítulo 30 - kene
Nos contatos com outros ibus ou bolos, podem surgir certos acordos quanto a iniciativas conjuntas, não apenas troca de informações mas também a organização do trabalho em comum. A participação de cada bolo seria voluntária, mas é claro que os bolos que preferissem não cooperar não teriam direito a participar automaticamente e se beneficiar do acordo. A organização social é uma armadilha; em bolo’bolo, o preço de ser pego nessa armadilha pode ser kene, o trabalho externo compulsório.

Empresas comunitárias como hospitais, suprimento de energia elétrica e de água, tecnologias de ponta, preservação do ambiente, transportes, meios de comunicação, mineração, produção em massa de produtos selecionados, refinarias, siderúrgicas, centrais de tratamento de água, estaleiros, indústria aeronáutica, etc., requerem um certo número de ibus dispostos a trabalhar. É provável que a maioria se apresente voluntariamente, ou seja, eles podem até realizar suas paixões produtivas em empresas assim. Por outro lado, esse setor será drasticamente redimensionado e inteiramente determinado pela vontade das comunidades participantes. (Navios não têm que ser construídos; o ritmo e qualidade do trabalho serão definidos por aqueles que o fizerem; não há salários nem patrões; não há pressa nem lucratividade.) A atividade industrial dos bolos, cidades ou regiões (sem nada a ver com a iniciativa privada) será relativamente mansa, inofensiva e de baixa produtividade, e nunca mais tão repulsiva para os ibus envolvidos com ela. De qualquer modo, é razoável organizar algumas fábricas ou instituições centralizadoras em escala maior: uma usina siderúrgica de tamanho médio, cuidadosamente planejada e ecologicamente equipada polui muito menos do que uma fundição no quintal de cada bolo.

Assim, se um certo número de bolos ou outras comunidades decidissem levar adiante essas empresas médias, e não fosse possível encontrar ibus suficientes com inclinação para tais trabalhos, o que poderia ser feito? Deveria haver um apoio, e este serviço de apoio (kene) seria distribuído entre as comunidades participantes e declarado compulsório. Em troca, elas receberiam grátis os bens ou serviços produzidos.

A quantidade de kene (trabalho social ou externo) depende da situação. As sociedades mais tradicionais conhecem esse sistema, e em tempo de crise, ou quando o sistema econômico entra em colapso, elas voltam espontaneamente a ele se não forem tolhidas por intervenção estatal ou limite de propriedade. É imaginável que um bolo poderia dar 10% de seu tempo ativo (isto é, 50 ibus por dia durante algumas horas) para mutirões no município. Essa comunidade (tega) poderia repassar 10% de seu trabalho para a cidade (vudo), e assim por diante até atingir instituições planetárias. Dentro do bolo existiria um sistema de rodízio, ou outros métodos, dependendo dos hábitos e da estrutura. O resto do trabalho seria constituído de tarefas basicamente não-qualificadas e bobas, mas necessárias, embora provavelmente não satisfizessem nenhuma vocação pessoal. Para o ibu, individualmente, nem mesmo o trabalho que ele consente em fazer pode ser compulsório; ele sempre é livre para sai, mudar de bolo ou tentar tirar seu bolo desses acordos. Tudo isso será uma questão de reputação – munu. (Quer dizer, trabalhar compulsoriamente poderia arruinar a reputação de alguém.)


Capítulo Capítulo 31 - tega

Com base na comunicação (pili) e na atividade comunitária (kene), é possível existirem comunidades maiores que os bolos. A forma dessas confederações, coordenações ou outros cachos de bolos será diferente de região para região e de continente para continente. Os bolos também podem existir sozinhos (na selva) ou em grupos de dois ou três. Podem ter acordos maleáveis ou trabalhar estreitamente unidos, como num estado. Podem ocorrer justaposições, acordos temporários, enclaves e exclaves, etc.
Uma possibilidade básica para dez ou vinte bolos (6.000 a 10.000 ibus) é formar uma tega – um vila, aldeia, bairro, um vale, pequena área rural, etc. A tega pode ser determinada por conveniência geográfica, organização urbana, fatores históricos e culturais ou simples predileção. Uma tega (vamos chamá-la de bairro) satisfaz certas necessidades de seus membros: ruas, canais, água, usinas de energia, pequenas fábricas e oficinas, transporte público, hospital, florestas e águas, depósitos de material de todos os tipos, construções, bombeiros, regulação de mercado (sadi), socorros em geral e reservas para emergências. Mais ou menos, os bolos organizam um tipo de autogestão a nível local. A grande diferença com relação a fórmulas semelhantes nas sociedades atuais (associações de moradores, comitês de quarteirão, soviets, municípios, etc.) é que elas vêm de baixo (não são canais administrativos de regimes centralizadores) e que os próprios bolos, com sua forte independência, limitam o poder e possibilidade de tais "governos".
O bairro também pode assumir (se os bolos quiserem) funções sociais. Pode ter organismos para lidar com conflitos entre bolos, supervisionar duelos (ver yaka), encontrar ou dissolver bolos desabitados, organizar bolos (para ibus que não conseguem encontrar um estilo de vida em comum, mas assim mesmo querem viver num bolo...). Na estrutura do bairro, a vida pública deve se dar de forma tal que diferentes estilos de vida possam coexistir e que os conflitos continuem possíveis, mas não excessivamente irritantes. Nos bairros, outras formas de vida além dos bolos podem encontrar seu espaço: eremitas, ninhos de famílias nucleares, nômades, vagabundos, comunidades, avulsos. O bairro terá a tarefa de arranjar a sobrevivência dessas pessoas, ajudando a fazer acordos com bolos quanto a comida, trabalho, atividades sociais, recursos, etc. O bairro organiza tantas instituições comunitárias quantas os bolos participantes quiserem: piscinas, pistas de gelo, miniteatros e óperas, portos, restaurantes, festivais, festas, pistas de corrida, feiras, abatedouros, etc. Poderiam também existir fazendas de bairro baseadas em trabalho comunitário (kene). Nisso tudo, os bolos vão tomar cuidado para não perder muito de sua auto-suficiência para o bairro – o primeiro passo para um Estado central é sempre o mais inofensivo e insuspeito...


Capítulo 32 - dala / dudi

Um dos problemas das instituições sociais – mesmo quando elas preenchem as melhores e mais inocentes funções – é que tendem a desenvolver uma dinâmica própria em direção à centralização e à independência de seus próprios constituintes. A sociedade sempre traz o risco do retorno ao Estado, ao poder e à política. A melhor limitação dessas tendências é a auto-suficiência dos bolos. Sem isso, todos os outros métodos democráticos falharão, mesmo o princípio da delegação pelas bases, sistemas de rodízio nos cargos, controles e balanços, publicidade, o direito à informação plena, delegação por sorteio, etc. Nenhum sistema democrático pode ser mais democrático do que a independência material e existencial de seus membros. Não há democracia para pessoas exploradas, chantageadas e economicamente fracas.

Dada a autarquia dos bolos, podem ser feitas algumas propostas para minimizar os riscos de estatização. Dentro dos bolos não podem existir regras, já que sua organização interna é determinada por um estilo de vida e uma identidade cultural. Mas a nível de bairro (e em todos os níveis mais "altos"), os procedimentos seguintes poderiam ser razoáveis (naturalmente, os bolos de cada bairro encontrariam seu próprio sistema).

Os assuntos do bairro são discutidos e providenciados por uma assembléia (dala) à qual cada bolo manda dois delegados. Existirão ainda dois delegados externos (dudis) de outras assembléias (veja a seguir). Os bolo-delegados são tirados por sorteio, e metade dos delegados deve ser do sexo masculino (de modo que não haja super-representação de mulheres, que são a maioria natural). Todo mundo participa desse sorteio, mesmo as crianças. Claro que ninguém precisaria fiscalizar ou forçar um sistema assim; ele só existiria por acordo entre os bolos.

A assembléia do bairro (dala) escolhe dois dudis entre seus membros, também por sorteio. Esses delegados externos serão mandados por outro sistema de sorteio para outras assembléias (outros bairros, comarcas, regiões) de outro nível e outra área. Assim, um bairro do Rio de Janeiro mandaria seus observadores à assembléia da região (ver vudo) de Brasília, a assembléia de Cacurucaia enviaria olheiros a uma assembléia de bairro em Pelotas, a região Chihuahua, México, despacharia seus dudis a uma assembléia de comarca em Nova York, etc. Esses observadores ou delegados teria direito integral de voto e não seriam obrigados à discrição – na verdade, estariam ali justamente para serem indiscretos e interferentes nos assuntos externos.

Tais observadores poderiam destruir a corrupção local e introduzir opiniões e atitudes completamente estranhas – perturbariam as sessões, de modo a evitar que as assembléias desenvolvessem tendências isolacionistas e egoísmos regionais.
Além disso, as assembléias de todos os níveis poderiam ser limitadas pelo tempo (eleição para um ano somente), pelo princípio de reuniões abertas, pelas transmissões via TV, pelo direito de todos serem ouvidos durante as sessões, etc.
Os delegados dos bolos teriam status diferentes e seriam mais ou menos independentes das instruções de seus bolos. Seus mandatos também seriam mais ou menos imperativos – dependendo do tipo de bolo que representassem, se mais liberal ou mais socializado. Seriam responsáveis também pela execução de suas decisões (esta é outra limitação de suas tendências burocráticas) e sua atividade pode ser considerada uma espécie de trabalho compulsório (kene).

As dalas de qualquer nível não podem ser comparadas com parlamentos, governos ou mesmo órgãos de autogestão. Elas apenas organizam alguns interstícios sociais e acordos entre os bolos. Sua legitimidade é fraca (por sorteio), sua independência é pouca, suas tarefas limitadas ao local e meramente práticas. Poderiam ser comparadas a senados ou câmara dos lordes, ou seja, encontros de representantes de unidades independentes, um tipo de democracia feudal. Não são nem mesmo confederações. Os bolos sempre podem boicotar suas decisões ou convocar assembléias populares gerais...


Capítulo 33 - vudo

Os bolos vão resolver a maior parte de seus problemas sozinhos ou em seus bairros (tegas). Mas ao mesmo tempo a maioria dos bolos terá fazendas ou outros recursos além dos limites do bairro. Para acomodar essas coisas, uma coordenação mais ampla poderia ser conveniente em muitos casos. Dez a vinte bairros poderiam organizar certas tarefas numa estrutura de vudo (pequena região, cidade, comarca, cantão, vale).

O tamanho de uma comarca assim teria que ser muito flexível, dependendo das condições geográficas e das estruturas existentes. Representaria uma área funcional para aproximadamente duzentos mil ibus, ou quatrocentos bolos. Pouquíssimo transporte iria além de um vudo. A agricultura e as fábricas deveriam ser geograficamente unidas nesse nível, 90% auto-suficientes ou mais. Dentro de uma comarca seria possível a todo ibu viajar para algum lugar e voltar no mesmo dia (e ainda ter tempo para fazer alguma coisa). Em áreas densamente populadas a superfície poderia ser de 50 x 50 km, assim qualquer ibu daria a volta de bicicleta.

Uma comarca teria o mesmo tipo de tarefas de um bairro, só que numa escala maior: energia, meios de transporte, alta tecnologia, um hospital de emergências, organização de mercados e feiras, fábricas, etc. Um serviço específico das comarcas seria cuidar de florestas, rio, áreas montanhosas, pântanos, desertos – áreas que não pertencem a bolo nenhum, são usadas comunitariamente e precisam ser protegidas contra danos de todos os tipos. Uma comarca teria mais deveres no campo agrícola, especialmente quando lidasse com conflitos entre bolos (quem ganharia qual terra?).

Ela poderia ser organizada em torno de uma assembléia de comarca (vudo’dala). Toda assembléia de bairro mandaria dois delegados (um macho, uma fêmea) escolhidos por sorteio (ver dala, dudi).

Algumas comarcas teriam que ser maiores, para lidar com cidades de vários milhões de habitantes. Essas megalópolis colocam um problema especial, pois seus bolos urbanos (formados com facilidade) terão dificuldade de se tornar auto-suficientes em comida. Muitas serão as abordagens desse problema. Primeiro, as grandes cidades teriam que emagrecer, de modo a formarem unidades de não mais de quinhentas mil pessoas. Em certos casos, e em cidades historicamente interessantes (Nova York, Londres, Roma, Paris, Rio de Janeiro, etc.), isso não poderia ser feito sem estragar sua imagem típica. Aí essas supercomarcas precisariam concluir acordos especiais com comarcas ou regiões periféricas quanto à troca de comida por certos serviços culturais (teatros, galerias, museus, cinemas, etc.) para várias regiões. Por outro lado, os bairros adjacentes a tais cidades poderiam atingir uma plena auto-suficiência, e as áreas emagrecidas garantiriam pelo menos um suprimento parcial de comida para os centros urbanos.15

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