domingo, 9 de junho de 2013

Corredores da vida

Yasmine Lemos

O dia da criança estava chegando, lá pelo inicio dos anos 80.
O regime militar já não tinha os gritos tão fortes, mas estavam na
espreita sempre, e a democracia em gestação natural, crescia pelos
cantos dos muros, pelas vontades contidas depois de tanto sofrimento e dor.
Era lógico que a nossa situação financeira era péssima, meu pai tentando
um emprego, depois de um longo periodo entre torturas e exílio político,
trabalhando em um jornal de esquerda, dinheiro minguado, contado.
Aluguel, comida, escola e ponto, tudo medido.
Eu e meu irmão mais velho apesar de pequenos, entendíamos
a situação, lembro claramente que tínhamos desejos como qualquer criança,
mas a boca não reclamava, não havia histérismos.
Nessa época morávamos em Recife, e já comecei a conhecer a saudade.
Longe da família, dos primos, do aconchego da casa da minha avó.
Uma tarde, minha mãe falou que tinha sobrado da feira algum dinheiro,
era pouco, mas eu e meu irmão poderíamos escolher um presente.
Minha memória de elefante me permite enxergar a cena: a loja de
departamento infantil lotada dos brinquedos mais lindos, bonecas,
carros etc. E nós dois andando pelos corredores sem ter o que fazer,
eu não tive coragem de escolher nada, com pena do meu pai. Preocupada com
a angústia da minha mãe. Crescemos embaixo das porradas da realidade,
sem necessidade de alarmes e dengos. Ficamos sem presentes,
outros anos vieram e melhores, mas tudo sem traumas maiores.
E a vida é assim: dá e toma, envolve e larga. Um tem sorte, outro não,
um nasce com “a cama” pronta, outro tem que batalhar até o prego para
fazer a cama. Nunca  me revoltei contra eles. Eu aceitava porque
era a realidade. Depois, nunca me imaginei sendo a menina protegida,
blindada, a que não pode trabalhar cedo porque tem que primeiro
estudar, coisas normais que a maioria dos pais desejam para seus filhos.
Sofrer cedo demais, nos faz ter uma lucidez absurda, uma forma de
enxergar a vida sem floreios: verdade ou mentira faça sua escolha.
Um preço muito alto,doloroso .
Eu sei que era a menina “velha” e sempre um medo de perder algo me
rondava o peito. Perder o carinho, perder a velha boneca Pêpa,
mudar de cidade. Hoje tenho meu filho que me ensina coisas com seus
oito anos e diferente de mim, nasceu no tempo das coisas modernas,
e rápidas . Criar filhos é um exercício difícil, árduo, por isso
não quero que ele perca a candura, que viva a infância como
ela tem que ser: colorida, lúdica, apesar de ser muitas vezes dura
com ele, digo a verdade nua e crua. Apesar de tudo, ainda sonho,
viajo em mundos que só eu sei chegar e ser o que quiser (uma infância 
esquecida que insiste em acontecer). Uma coisa eu tenho certeza e 
que me deixa feliz : ninguém  me tirou a ânsia de amar.YL

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