terça-feira, 31 de maio de 2011

O homem ao lado

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O homem ao lado

Hoje pela manhã, bem cedo, eu passava de bicicleta por uma rua de Ipanema (Zona Sul do Rio), quando fui surpreendido por um carrão preto importado que avançou o sinal vermelho e quase atropelou uma mulher que levava a filha de uns 5 anos para a escola.

Bolas, o riquinho estava com pressa, por que ele pararia num sinal vermelho? Multa, ele paga. E, se um guarda o parasse, ele tem a certeza de que subornaria o mal pago e mal formado servidor municipal. Faria isso tão rápido que nem se atrasaria para a sua reunião matinal.

Lembrei-me imediatamente do excelente filme a que assisti recentemente, O homem ao lado, mais uma produção argentina que nos faz pensar, ao contrário dessa infinidade de novelinhas frívolas que se proliferam no cinema brasileiro de hoje.

O homem ao lado
mostra como um egoísta e convencido arquiteto fica desconcertado quando um novo vizinho decide abrir uma janela de frente para o seu castelinho blindado.

_ Eu só estou querendo que entre uma frestinha de sol no meu apartamento _ justifica o rústico vizinho, que, desavisadamente, ameaça macular a redoma em que vivem o burguês bem sucedido e sua família putrefata.

O que surge como um conflito de privacidade logo evoluiu para uma grande lição sobre como nos fechamos para o outro no mundo atual e de quantas experiências enriquecedoras essa postura defensiva e armada nos priva.

O arquiteto endinheirado, que humilha seus alunos e não consegue ter diálogo com a filha adolescente, junta-se à mulher (igualmente preconceituosa) para obrigar o grosseirão do lado a cimentar a janela que acaba de abrir a marretadas.

O problema é que, mais do que abrir a tal janela, o vizinho queria mesmo é fazer amizade. Não com o almofadinha especificamente, trata-se de um daqueles tipos abertos às relações e que nós, na pressa em desaqualificar tudo que é novo e desconhecido, tachamos logo de retardado, grosso, brega, metido e outros adjetivos desse tipo.

Confesso que gostaria de ter me identificado com o vizinho simplório, um homem que, apesar de sua corpulência ameaçadora, transborda inocência e alegria de viver. Mas a verdade é que me enxerguei muito mais no outro, no vilão elitista e maledicente.

Vivemos com medo de perder as poucas migalhas que conseguimos juntar. A todos que se aproximam de nós, gritamos logo "alto lá!". Recusamos automaticamente tudo que cheire a divisão. Repartir é uma palavra proibida no nosso vocabulário viciado pelo lucro e direcionado para a acumulação.

O filme de Mariano Cohn e Gastón Duprat é daqueles que ficam na cabeça por dias, semanas. Para sempre até. Uma história em que, com o passar do tempo, vamos descobrindo novas nuances, juntando pedacinhos para entendê-la, e a nós mesmos, cada vez mais e melhor.

O final do filme é particularmente tocante. Pela última vez, o arquiteto babaca tem a chance de se entregar àquela amizade que o destino colocou em seu caminho.

Mas um babaca, infelizmente, é sempre um babaca.

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