terça-feira, 20 de novembro de 2012

ENQUANTO COLHIA AMORAS- 3-4-5-


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Nos sábados de aleluia, os garotos e adolescentes amanheciam numa expectativa nervosa, era tradição, todos cresceram com o movimento do “romper da aleluia”. Às nove horas o sino da igreja, e o da estação ferroviária auxiliados pelas  sinetas começavam a tocar juntos, acompanhados pelos repiques dos martelos nos trilhos, as varetas nas latas e em tudo onde pudesse ser retirado algum tipo de som , por alguns minutos  dominavam a atenção do povoado, provocando uma emoção besta para uns, mas na verdade inesquecível para muitos. Depois era só esperar pela movimentação até a queima do traidor, quando as “bombas” nas entranhas do infeliz começavam a explodir, pela vibração do povo parecia  se tratar de uma execução real, mas não, era a fé , o amor em Cristo que fazia qualquer um querer ser o carrasco, o vingador do filho de Deus.                       
                                           No mês de setembro,Jonas nunca perdia o seu lugar na fila do caruru de D. Gilmara, seria exagero dizer que ele era feito para todo povoado,  mas que uma parcela importante dos seus habitantes pegavam a direção da rua de cima , isso pode se garantir. Quando o casal partia, fazia uma falta enorme a muita gente. Jonas sentiu muito a falta do “baleiro”, o seu grito já fazia parte da rotina do Vale do Ararí.

                                            Outro acontecimento importante na vida daquela garotada, era a presença do vendedor de “tabocas”. Um dia, quebrando o silêncio do povoado o toque de um triângulo  provocou um levantar de cabeças, de gente e de bichos, carneiros que pastavam do lado do curral de ferro, dois cachorros que dormiam nas cinzas onde há alguns dias Seu José queimou plantas secas de “fedegoso”, arrancadas porque fechavam o caminho da estação ferroviária.  D. Alzira que ‘’estendia” roupas, virou a cabeça,  Mauro que ia puxando seu cavalo para amarrar no poste arqueou as sobrancelhas, e os meninos pararam as brincadeiras. Pela entrada do povoado , vindo  pelo lado da casa de Seu Maneca do Jacú, uma figura desconhecida carregando um latão nas costas tocava um triângulo e gritava:

                                        ------Taboca aaa!!!

                                                 E assim por muito tempo, todas as sextas feiras ele aparecia, vinha de Barra do Alegrete , de trem até Taipóca  e de lá se introduzia pelo campo, passando por vilas, pelas moradias isoladas no meio da mata. Do Vale pegava o trem  “mochila” e voltava pra casa.
 O  vendedor de tabocas deve ter comentado o seu sucesso e assim  fez surgir às segundas feiras , vindo da mesma procedência, o vendedor de “quebra-queixos”, aquelas paragens parecia mesmo ser uma fonte de renda para os estranhos comerciantes ambulantes, e assim com uma tabuleiro de flandre na cabeça e um cavalete  pendurado no ombro e o apelo:

                                    -----Olha o “quebra-queixo” ! quem vai querer?! 
              
                                         O pensamento de Jonas futuca todos os cantos da sua infância, desembrulha fatos, ressuscita  personagens marcantes,  revive figuras relevantes, como por exemplo a de Seo Manoel do Ouro, joalheiro ambulante, carregando uma pasta surrada.  Foi na mão dele que sua mãe comprou seu primeiro relógio, poucos garotos da sua idade possuíam igual. Tonho preferiu
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uma corrente com uma medalha de Santo Antônio de porcelana contornada com um aro fino de ouro. Seo Manoel era uma figura que até merecia  virar nome de rua, com seu chapéu “panamá”  e um paletó cinza-azulado sem combinar com as calças, Seu  Manoel aparecia quando ninguém esperava, por um bom tempo até fixou residência no Vale, mas não ficava por ali, era um viajante perseguindo compradores.

                                        Outra época em que  os pensamentos de Jonas sempre desembarca é a junina.  Em meados de maio  a professora começava a organizar a quadrilha, era preciso tempo para que os alunos assimilassem as novidades, partes novas que Suleide conheceu em Lagoinha. A garotada começava a viver uma emoção que só terminaria depois do dia de São Pedro.

                                      ---Dino viajou pra buscar fogos.

                                    ----Será que ele chega hoje  no trem mochila?

                                           A ansiedade só terminava quando o vendedor de todos os anos desembarcava na plataforma. Só em olhar as caixas coloridas dos traques , adrianinos e pistolas, era uma alegria indescritível.


                                      ----Seu Dino, quanto custa uma caixa de adrianino de lágrimas?

                                      ----oito conto, mas não é  coisa pra sua idade não.


                                      ----Meu pai segura na minha mão, vou ver se ele compra.

                                            Na véspera de São João o  povoado exalava felicidade, as ruas e becos se enfeitavam de bandeirolas, como não havia energia elétrica a quadrilha era encenada  as quatro da tarde. Quando começava a escurecer  as fogueiras iam sendo acesas. Em pouco tempo o povoado se enxergava e se aquecia nas chamas daqueles feixes de madeira. A garotada ficava por perto esperando um “tição” pra começar a queimar os fogos. Os menores se conformavam com os traques de massa e os fósforos de cor.  Os foguetes de lágrimas espocavam e de quanto mais longe se observava maior a admiração. Lá pra dez horas as ruas e becos já exibiam bêbados caídos pelos passeios, nas gramas, misturados com cascas de laranjas e amendoins. Uma vez Lourinho quase caiu dentro da fogueira, foi salvo por um bêbado mais equilibrado que embora trocando as pernas saiu se orgulhando do seu feito.

                                     


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. Da estação infância Jonas desembarca na estação  “agora”,  está só no Recanto, sente falta de Rita, e as amoras colhidas são guardadas com cuidado e será a primeira coisa a ser exibida quando voltar para a cidade.   Quando sua esposa está no  sitio, a tarefa de colher amoras é dela, Jonas só não sabe, se ela também tem um trem viajando pelo tempo levando seus pensamentos.
                                                 A solidão produz uma angústia que aperta seu peito, então é melhor apitar, mandar o trem partir, mudar seus pensamentos.

                                 A viagem para na estação “adolescência” , exatamente quando o coração começa a se envolver, com a visão focada nas raras garotas, escondidas nos afazeres comum à vida daquele povo pobre.  O povoado  sempre  parecia deserto, com um silêncio  regular como uma máquina, cada dia  semelhante ao outro.
                                Como um detetive espreitando seu alvo, Jonas vislumbra uma figura surgir no início da rua. De banho tomado, penteado molhado, saia mais ou menos justa, passos elegantes sobre a passarela de cascalho vermelho. Rosa agora fazia jus ao nome, depois de trabalhar com a família o dia todo na casa de farinha. Ele embora filho do homem do correio, não ligava para as filhas do farmacêutico ou do dono da padaria. Não eram metidas, mas depois das férias pegavam o trem das quatro e iam para cidade grande, e ele ficava
ali, como também ficava Rosa. Mas... e se Rosa resolvesse um dia pegar o trem das quatro ?  seu coração acelerava só de pensar, e quase para, quando a viu subindo a plataforma de sacola na mão. Se aproximou e observou ela comprando uma passagem de segunda classe para Lagoinha. Como estava indo no trem das sete, torcia para que retornasse nos das dez, viagem rápida que muitos faziam para tratar de negócios, compras ou até mesmo fazer consulta com médico ou dentista. O trem partiu, e lá na curva do pontilhão grande apitou, um apito meio triste aos ouvidos de Jonas, agravando ainda mais aquele sentimento de falta. Rondando a estação ferroviária, ficou das sete às dez horas, esperando, e ali pensou em várias maneiras de se declarar a Rosa, e se condenava, se tivesse feito isso, saberia de tudo da sua vida, e quem sabe essa viagem nem acontecesse, ou teria ido junto. Pôr fim, o sino da estação badala uma vez, informando que o trem partiu de Mussuranga, e só vinte minutos separa a sua angústia da sua ainda pretendida amada.
                                  A “composição” parada, passageiros sobem, passageiros descem, mas entre os que descem  falta Rosa. Se desespera, enche os olhos de água, se apressa para que ninguém perceba e vai sentar na rampa do curral de ferro. Depois de meia hora sem saber no que pensar, levanta a cabeça, e vê uma miragem, Rosa, com a mesma roupa que partiu, e de sacola na mão, estava à sua frente, passando sem perceber o seu desespero. Loucura pura! Como se fosse de propósito, só para lhe agoniar ela havia saltado do trem do lado oposto à plataforma, apenas achou mais prático para seguir o seu caminho. Como não era miragem, se encheu de alegria e desespero e achou que só existia aquele momento, não podia deixar para amanhã. Pediu a  Arlindo, seu amigo, uma bicicleta emprestada, e pedalou forte ,tão forte que quase voa,  parou no tamarineiro,  lugar estratégico para aguardar Rosa e declarar sua paixão. Ela não imaginava tudo que estava acontecendo no coração de Jonas pôr sua culpa, e assim sendo, se aproximou tranqüilamente da fruteira frondosa, quando então se deu a interrupção dos seus passos.

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